Pessoas trans enfrentam resistências no mercado de trabalho

A trajetória de Rafael Rodrigues expõe as marcas da exclusão e revela como a transfobia ainda limita oportunidades.
por
Ingrid Lacerda
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16/11/2025

Por Ingrid Lacerda

 

No meio da correria diária de Guarulhos, Rafael se sente invisível. Assim que acorda às 5h da manhã, vê seus certificados, e centralizado na parede de seu quarto, um diploma. Graduado em Administração e tecnólogo em RH, Rafael acumula qualificações que poderiam colocá-lo em bons cargos, aliás, concluiu a faculdade, buscou cursos, investiu em sua formação como qualquer profissional. Ele sabe que suas conquistas não foram poucas, mas também sente o peso das barreiras impostas por uma sociedade que ainda não aprendeu a lidar com a diversidade no mundo do trabalho.

Atualmente, trabalha como vendedor em uma franquia de tintas, mas, ainda deseja ir além. Com receio constante de ser reconhecido como uma pessoa trans no ambiente de trabalho, o medo não se restringe apenas ao julgamento dos colegas, mas se estende à reação de clientes, que muitas vezes podem reproduzir preconceitos de forma direta ou velada. Para ele, esta ansiedade funciona como um distanciamento, que reforça o sentimento de não pertencimento. O episódio não é isolado. Um levantamento revelou que 60% das pessoas trans empregadas no Brasil já sofreram algum tipo de constrangimento ou assédio no ambiente de trabalho.

Antes mesmo de buscar um emprego, pessoas trans encontram resistência no espaço escolar. Ele lembra como o preconceito, manifestado em forma de bullying, uso forçado do nome de registro e ausência de acolhimento institucional, faz com que muitos abandonem os estudos. Pesquisadores como Richard Miskolci definem esse processo não como evasão, mas como uma verdadeira expulsão, já que a escola se torna insustentável para aqueles que não se encaixam nos padrões de “normalidade” impostos pela sociedade. Isso evidencia que não se trata de falta de qualificação, mas de um ciclo de marginalização que começa cedo, assim, chegam à vida adulta já em desvantagem, empurrados para a informalidade ou para a prostituição compulsória.

Mesmo com dificuldades, Rafael conseguiu concluir a graduação e reconhece que sua trajetória é uma exceção. Muitos de seus amigos trans não conseguiram concluir o ensino médio, não por falta de vontade, mas porque a violência e o preconceito tornaram-se um caminho quase impossível de seguir.

A transfobia é caracterizada em ações de violência física, moral ou psicológica. É uma aversão aos trans,  sendo  manifesta  em  atos  explícitos ou velados. São todos os tipos de rejeição, ódio e medo, partindo de uma visão distorcida de que a transexualidade não é  algo humano. Ainda pode  ser expressado em crimes de ódio, em alguma forma de ataque, já que o crime de ódio é uma ação de violência movida pelo ódio do grupo social ao qual a vítima faz parte, com o objetivo de atacar um grupo ou minoria social e não a pessoa que sofre o ataque.

Apesar  da  maior  visibilidade  do  movimento  LGBTQIA+, percebe-se  que a violência contra essa população atinge níveis extremamente altos. O preconceito contra os transexuais provoca impactos em diversas áreas de suas vidas, como na educação escolar e no mercado de trabalho. Essa dificuldade é frequentemente relatada através das experiências vividas pela própria  comunidade transgênera que não atinge o resultado desejado ao passar por processos seletivos na maioria das empresas, não  sabendo, muitas das vezes, por qual motivo, além da transfobia, não alcançou o sucesso naquele momento e isto favorece à falta  de  mais  preparo  para  uma  possível  próxima  seletiva,  pois  ao  saber onde pecou, o sujeito procura melhorar naquele quesito  para obter êxito na sua busca por uma oportunidade profissional. 

A ausência de oportunidades para pessoas trans não compromete apenas a renda, mas também a saúde emocional. Rafael, por exemplo, relata viver em constante dúvida sobre si mesmo - uma insegurança que não nasce de suas capacidades, mas do preconceito que enfrenta diariamente. Seu maior sonho é poder garantir uma vida digna para sua família, mas a barreira da exclusão profissional torna esse caminho mais árduo. 

Pesquisas recentes confirmam essa realidade: pessoas trans estão entre as mais afetadas por ansiedade e depressão, frequentemente em decorrência da rejeição social e da instabilidade financeira. Especialistas ressaltam que a exclusão do mercado de trabalho não deve ser vista apenas como uma questão econômica, mas como uma violação de cidadania e dignidade.

Mesmo buscando oportunidades em áreas ligadas à sua formação ele percebe que a exclusão segue presente, ainda que mascarada por discursos de inclusão. Observa que muitas empresas estampam a diversidade em campanhas publicitárias, porém, na prática, esse discurso, majoritariamente, ultrapassa a porta de entrada.

Esperança

Rafael mantém a esperança de que o cenário possa mudar. Ele defende a criação de políticas públicas mais robustas e programas de capacitação que ultrapassem o campo do simbolismo, destacando que a demanda não é por privilégios, mas por oportunidades reais. Para ele, o objetivo é simples: demonstrar capacidade sem que a identidade de gênero se torne um obstáculo.

Algumas iniciativas já começam a surgir em diferentes cidades brasileiras, como programas de estágio voltados especificamente para pessoas trans e editais de concursos públicos com cotas afirmativas. Entretanto, o alcance dessas ações ainda é limitado diante da dimensão do problema e da persistência das barreiras estruturais. Enquanto isso, ele segue sua caminhada, e, no tempo em que essa transformação social não acontece de forma ampla, Rafael continua resistindo, transformando sua trajetória individual em símbolo das lutas coletivas que ainda precisam ser travadas no mercado de trabalho brasileiro.

Ao falar sobre exclusão e inclusão social é inevitável pensar nas pessoas transgêneras, um dos grupos mais afetados pela  discriminação. Dessa forma, nota-se que a realidade desta comunidade é envolta por um tipo de transfobia que é estrutural. O preconceito e a violência contra trans são enormes e prejudiciais, acarretando em diversos empecilhos para que este grupo tenha acesso à educação escolar, à saúde e ao mercado de trabalho. No Brasil, algumas políticas públicas e projetos promovem a inclusão social dessa comunidade tão marginalizada, porém, ao observar que ela precisa de ajuda, percebe-se que essas políticas e projetos ainda caminham a passos lentos. A população transgênera carece de mais apelo à sua visibilidade para que suas necessidades sejam atendidas, garantindo uma vida digna. Acima de tudo isso, acredita-se que o primeiro passo para a qualidade de  vida das pessoas trans está pautado no respeito, pois, por meio dele é possível compreender que cada indivíduo tem a sua importância e valor na sociedade e todos merecem a oportunidade de encontrar seu lugar no mundo.

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