Pesquisas de intenção de voto são postas em xeque após o primeiro turno

De boicotes a ataques aos institutos de pesquisas a tentativas de punir legalmente os que não acertem o resultado, a democracia novamente vem sofrendo ataques
por
Andre Nunes Rosa e Silva, Helena Monteleone Sereza e Hiero (Nina) de la Vega de Lima
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08/12/2022

As pesquisas de intenção de voto para a eleição ao governo do Estado de São Paulo apontavam um empate técnico entre o segundo e terceiro colocados – o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o atual governador paulista, Rodrigo Garcia (PSDB). Os resultados, contudo, apontaram grande vantagem para Tarcísio. Em um cenário de desconfiança em relação ao sistema democrático brasileiro, é importante pontuar a atuação dos institutos por trás dos resultados nas pesquisas de 2022.

As pesquisas de intenção de voto têm o objetivo de projetar possíveis resultados para as eleições. Felipe Nunes, CEO da Quaest e doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, diz que o maior desafio dos institutos foi não ter conseguido estimar adequadamente o grau de abstenção eleitoral. Ele afirma já estar acostumado a ataques, principalmente de grupos que estão perdendo. 

Nunes acredita que, para reverter essa situação, o único caminho é investir em uma educação que explicite as reais expectativas que a população deve ter a respeito do papel dos institutos. “Pesquisas são prognósticos, e não diagnósticos. Serve para retratar um dado momento da opinião pública brasileira, não devendo ser utilizadas para fins de previsão” diz, em entrevista ao Contraponto.

Segundo o Conselheiro Estadual da OAB/SP e doutor em direito das relações sociais pela PUC-SP Alexandre Rollo, os grandes perdedores nas eleições do Estado de São Paulo foram as pesquisas eleitorais.

O especialista ainda argumenta que existem explicações sobre os resultados coletados. Os fatores que podem ter alterado os dados, de acordo com o advogado, podem ter sido a falta da coleta do Censo antes do período eleitoral, organizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou o boicote por parte dos apoiadores de Jair Bolsonaro às pesquisas eleitorais.

Em entrevista ao UOL News, a presidente do Datafolha, Luciana Chong, defendeu a tese de que houve uma dificuldade em coletar as intenções de votos bolsonaristas. Segundo ela, os ataques hostis à imprensa e, em especial, aos institutos de pesquisa, alteraram as proporções dos dados captados.

“No último mês, os ataques em relação às pesquisas, aos institutos, ao Datafolha especialmente, moldaram um clima de hostilidade e agressividade em relação aos pesquisadores. Em um ambiente normal, com outras condições, a gente teria captado algo mais do Bolsonaro na véspera."

Já Andrei Roman, cientista político e CEO do Instituto AtlasIntel, destacou para o jornal Correio Braziliense que existiu dificuldades em realizar cortes de rendas eficientes, além da dificuldade em registrar o "voto envergonhado", quando o eleitor não divulga seu voto até o momento da eleição por medo de represálias ou linchamento político.

Segundo a especialista em ciência de dados pela USP Paula Oliveira, os institutos devem investir no aprimoramento dos seus métodos, e assumir maiores custos operacionais para oferecer mais qualidade e confiança aos eleitores.

Boicote às pesquisas

Em 1986, o então candidato a prefeito para a capital paulista Franco Montoro (PSDB) pediu para que seus eleitores não respondessem às pesquisas eleitorais. Na época, empresas e institutos de pesquisa apontavam a vitória de Fernando Henrique Cardoso, que então estava filiado ao PMDB.

Algo similar aconteceu nas eleições para presidente de 2022, onde blogueiros e políticos próximos a Bolsonaro incentivaram a fraude das pesquisas. Durante o período eleitoral, o Ministro das Comunicações Fábio Faria clamou por boicote publicamente. “Quero dizer ao povo brasileiro: não respondam mais nenhuma pesquisa desses institutos de pesquisa, nem Datafolha nem Ipec”, diz em vídeo publicado em suas redes sociais.

Foi protocolado, neste ano, o Projeto de Lei, na Câmara de Deputados, que previa punição para institutos de pesquisa que não acertassem o resultado das urnas. Segundo a proposta, enviada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), a punição é de 4 a 10 anos de prisão para líderes de grupos de coleta de dados eleitorais. 

Rollo também afirma que a criação de um crime para institutos que erram resultados não é a solução, já que o crime apenas existiria como “prova de dolo de falsear” um levantamento de intenção de votos, que não se parece com o cenário atual, segundo ele.

Outros especialistas também apontam que a falta de regulamentação dos institutos de pesquisa podem causar dúvidas e questionamentos na população, porém acham o projeto de lei inconstitucional.

Segundo Turno

Sobre os resultados nas urnas, o doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa de Brasília (IDP/DF) Acacio Miranda afirma que o reconhecimento dos resultados é, inegavelmente, mais importante para a democracia brasileira do que manter o foco sobre os erros das pesquisas eleitorais.

“Zelar pela Constituição significa reconhecer o resultado divulgado pela justiça eleitoral, seja qual for o resultado. Eventuais questionamentos posteriores são legítimos, mas eles passam, necessariamente, por um primeiro reconhecimento que é essencial para a pacificação social”, afirma o especialista.

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