Pandemia nos presídios brasileiros ameaça direitos humanos e preocupa especialistas

30 mil presos infectados estão em prisões superlotadas e com visitas suspensas.
Por Giulia Pezarim, Julia Cachapuz e Kaio Chagas
por
Giulia Pezarim, Julia Cachapuz e Kaio Chagas
|
10/09/2020

 

A crise do coronavírus afetou a vida dos brasileiros imensamente, e diversas consequências continuam surgindo para todos. Mas a população carcerária do país e suas famílias podem estar entre os mais impactados: em péssimas condições e superlotados, os presídios se mostram gravemente vulneráveis à transmissão de doenças - o que, para especialistas em direitos humanos, está expondo ainda mais a já discutida precarização do sistema prisional.

A pandemia de COVID-19 chegou ao Brasil em fevereiro, e hoje, em outubro, os números de infectados (mais de 4,4 milhões) e mortos (cerca de 135 mil) seguem em uma preocupante ascensão. Nos presídios, o vírus apareceu cerca de um mês após o primeiro caso confirmado em território nacional, mas o alastramento da doença rapidamente ultrapassou a velocidade da média geral, e, até agosto, marcou um aumento de 134% em contaminações no cárcere.

Composta por cerca de 773 mil pessoas (segundo o Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN), a população carcerária brasileira é a terceira maior do mundo. E, atualmente, os presídios nacionais estão sobrecarregados com aproximadamente 250 mil presos a mais do que conseguem comportar. Essa superlotação é um grande fator de risco durante a pandemia de coronavírus, que se propaga facilmente em grandes aglomerações. Considerando isto, o governo federal implementou medidas para a contenção da doença - entre elas, a suspensão de atividades educacionais e de trabalho, atendimentos de advogados e visitas familiares.

A última suspensão, porém, não parece tranquilizar as famílias dos encarcerados: eles já não recebem visitas há quase 7 meses (desde 15 de março), impossibilitando o recebimento dos “jumbos” - kits de alimentação e higiene pessoal que fazem toda diferença na condição sanitária e humana das penitenciárias. Segundo a especialista Sofia Fromer, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o governo não supre as necessidades da população encarcerada, que sofre com a carência desses produtos: “o Estado não fornece”, comenta, “além da quebra do vínculo com a família, sem os kits de higiene muitas dessas pessoas presas estão sem receber esses itens. Isso já uma coisa muito complexa”.

A falta de contato com os encarcerados também preocupa pela falta de supervisão externa. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgada em 29 de setembro apontou que 69% das famílias afirmaram estão sem qualquer informação ou contato com o familiar preso desde o início da pandemia. O receio em não saber mais o que acontece dentro dos presídios é grande: especialistas como Fromer mencionam que, nesse contexto, infrações aos direitos humanos como tortura e escassez de mantimentos básicos são mais recorrentes. Sem supervisão, também não há como ter certeza de que os protocolos para o controle da doença estão sendo seguidos dentro das prisões. 

A pesquisa também aponta que 34% das famílias das pessoas presas em São Paulo enfrentam dificuldades para se alimentar. A incerteza do momento e os riscos de que as condições atuais do cárcere aumentem casos de suicídio e violência estão causando tensão e revoltas: sem contato com os parentes encarcerados, famílias de detentos protestaram em frente às unidades prisionais de Santa Catarina em setembro. 

  A suspensão de visitas foi pensada como uma forma de diminuir o acesso de pessoas (que podem trazer o vírus) às penitenciárias, que já são marcados por outras doenças. Segundo a ONU, “o que agrava ainda mais o risco e o impacto potencial da entrada do Coronavírus nas prisões é o perfil de saúde das populações carcerárias” (UNODC). Ela aponta que isso inclui uma maior prevalência de doenças transmissíveis, tais como tuberculose, hepatite C e HIV, assim como doenças não transmissíveis, tais como saúde mental e transtornos relacionados ao uso de drogas: “devido à sua estreita interação diária com as pessoas privadas de liberdade, os agentes e profissionais de saúde que trabalham nas prisões estão igualmente expostos a um maior risco de infecção.”

A constituição brasileira garante ao cidadão-preso o respeito à integridade física e moral (art. 5º , XLIX , CF/88) - e, portanto, é função do Estado garantir que a população carcerária tenha acesso às condições básicas de alimentação, higiene e saúde. Para Fromer, porém, isso não acontece: “na verdade, a Constituição não entra no cárcere. As leis existem, mas não são aplicadas pelo poder judiciário, dentro das penitenciárias”.

 

Tags:

Cidades

path
cidades