Os novos palcos do teatro brasileiro

Os desafios da produção teatral durante a crise da pandemia.
por
Bruna Galati, Carolina Bertoldo, Leticia Galatro e Maria Luiza de Souza
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16/09/2020

 

O setor da economia criativa é um dos mais afetados pela crise da Covid-19. A previsão é que entre 2020 e 2021 o mercado cultural sofra uma redução de R$ 69,2 bilhões. Uma queda de 31,8% PIB do setor em relação a 2019, segundo uma pesquisa feita pela FGV. 

A necessidade de um isolamento social preventivo fez com que uma série de produções teatrais saíssem de cartaz para tentar impedir o avanço do vírus, interferindo também em encontros para filmagens ou ensaios.

Com a impossibilidade do entretenimento presencial e a falta de apoio governamental à cultura, o teatro precisou desenvolver novas estratégias para sobreviver. 

 

Novos palcos
 

A expressão ‘teatro digital’, usada pelo ator e diretor Ivam Cabral em suas redes sociais, define o movimento que adotou  junto ao seu grupo, Os Satyros.  Inspirado nas experiências de se viver em uma pandemia, o espetáculo "A Arte de Encarar o Medo" entrou em cartaz em um ambiente 100% digital, onde até os atores interagem entre si de forma remota. 

Um dos pioneiros do teatro virtual no Brasil foi a companhia carioca, Teatro Caminho, com a sua  apresentação "O filho do presidente". Primeiro espetáculo reajustado para ser transmitido ao vivo durante o isolamento social. O solo, escrito e interpretado por Ricardo Cabral, combina aspectos da artes cênicas e do audiovisual para passar virtualmente o que deveria acontecer no presencial. 

Outro grupo de teatro que começou um novo projeto virtual é a CIA do Topo, escola e companhia de teatro da Zona Norte. O esboço inicial, que  surgiu no final de 2019, era fazer uma minissérie teatral chamada "Efeito Dominó" - ainda sem data de estréia - para o Instagram e aproveitar o crescimento da rede social. A criação dos personagens,  a divisão de papéis e a elaboração do roteiro foram feitos presencialmente em janeiro. "Com a pandemia, que nos pegou de surpresa, nós migramos para os encontros virtuais e continuamos os processos de construção de personagens, construção de aspectos físicos e psicológicos, tudo online", afirma Pedro Bonzanini, diretor do projeto. 

Por conta da a falta de troca de olhares e contato físico que exige uma construção teatral, Pedro Bonzanini teve que pensar em novas alternativas que suprissem a falta do encontro presencial e uma delas foi a criação de um "tabuleiro" com a planta do cenário, e os peões do jogo eram os personagens da minissérie. Virtualmente, ele conseguiu passar as marcações de cena para o seu elenco. "Mas foram muitas coisas positivas, porque acabamos nos aprofundando em estudos, leituras, debates, fizemos muitas entrevistas online para agregar na criação dos personagens e conseguimos ensaiar 10 episódios durante esse tempo e retomando agora presencialmente", completa o diretor. 

Dentre diversas complicações, a produção teatral conseguiu tirar algumas vantagens como: o aumento da relevância do trabalho de dramaturgos e atores e as criações independentes.

O teatro tornou-se um bom remédio para a solidão de muitas pessoas em quarentena. Um exemplo são as apresentações online de contação de histórias, conduzidas por artistas que atuaram em séries e filmes de sucesso. Esse tipo de iniciativa tem ajudado inclusive crianças, demonstrando na prática que o teatro se faz cada vez mais necessário, até como forma de auxílio emocional em meio ao distanciamento social e à crise.

 

O retorno para o presencial 

O Teatro Amazonas é o primeiro grande teatro do país a voltar com suas apresentações presenciais, após seis meses sem a presença do público no local. Sendo experimento para que os outros sigam os mesmos passos, caso a retomada tenha resultados positivos. Foram apresentações em comemoração dos 20 anos da Ovam, a Orquestra de Violões do Amazonas. Dos 20 integrantes, só dez se apresentaram e todos usando máscara, com exceção da cantora soprano. 

 Em agosto começaram os testes no local, com espetáculos especiais, em homenagem aos profissionais da saúde. Mas só agora, no começo de setembro, que eles abriram para o público, com cerca de 240 pessoas, 35% da capacidade total do teatro e todos os protocolos de segurança. Como o agendamento prévio obrigatório pela internet, seja para visitar ou assistir uma apresentação, o distanciamento na hora da entrada e os outras medidas já tomadas em locais públicos - uso obrigatório de máscaras, checagem da temperatura de funcionários, artistas e público e totens de álcool em gel disponíveis na entrada. 

Também não está permitido escolher onde irá sentar e na platéia as cadeiras foram bloqueadas alternadamente e as três primeiras fileiras também foram bloqueadas para garantir um distanciamento entre o público e os atores. Nos camarotes e nas frisas, onde não é possível ter um distanciamento, é permitido apenas a entrada de grupos que já convivem entre si e a entrada de crianças com menos de 12 anos, idosos e pessoas no grupo de risco, não é permitida

“Eu acho que uma coisa que vai ficar é a live. Eu posso assistir um espetáculo do Recife, que vai estar rolando ao vivo, mas também vai ter a live. A produção audiovisual vai aumentar, além de gerar mais público para o artista que está apresentando”, afirmou Lívia La Gatto. 

A necessidade de isolamento social gerou o crescimentos dos monólogos, textos interpretados  ou enunciados por apenas uma pessoa. Dessa forma, o autor pode se  apresentar gerando uma conexão  com o seu público sem se preocupar com a aglomeração nos palcos. 

O ponto mais delicado da volta ao presencial, é uma possível ausência de patrocínio. Com a crise, algumas empresas direcionaram suas verbas culturais para ações contra a pandemia. Por isso, além das medidas de segurança, o teatro pode sofrer mais limitações, caso não consiga recuperar seus apoios no pós pandemia. 

Há diversos espaços culturais que estão ameaçados por conta da crise e talvez não consigam retornar a suas atividades. Se essas perdas forem muito recorrentes, isso será um lástima a história e cultura brasileira. 

Entretanto, Com o incentivo dos órgão públicos a ações voltadas à cultura, os espaços culturais podem reconquistar o público e alcançar ainda mais pessoas, através dos novos formatos artísticos criados durante o isolamento social.

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