Lideranças de ONGs que combatem à fome no Brasil, relataram ao longo do mês de junho sobre a burocracia extrema que enfrentam, além de atuarem sozinhas em regiões necessitadas, pela ausência de apoio governamental.
Essa burocracia apontada pelas instituições atrasa, e até mesmo impedem, a conclusão de processos como os de licenciatura: “Há muita burocracia nos processos de levantamento de recursos e de regulamentação, o governo precisa facilitar essa demanda”, relata Maico Marins, um dos líderes do projeto Sertão Clama, braço do movimento Avança Sertão, que atua no combate à fome no Norte e Nordeste do país.
Rafael Alves, fundador da Rede de Osasco (rede de apoio à ONGs), também enfrenta problemas com as regulamentações das instituições do seu projeto: “A legislação brasileira é péssima para associações... é mais fácil abrir uma empresa do que uma ONG no Brasil”, revela.
Elas não apenas fazem a distribuição de alimentos, mas também ajudam as comunidades carentes a ter acesso ao mercado de trabalho, à educação e a reestruturarem suas vidas para que não dependam continuamente de doações para sobreviver.
As instituições deveriam apenas auxiliar a máquina política a cumprir seus deveres com a população, mas o que se encontra no Brasil são coletivos civis fazendo por completo o trabalho do Estado em regiões abandonadas por seus representantes. “Nós sabemos de coisas que o próprio Estado nunca saberá, pois investimos em lugares que ele não está, como a periferia… O que é importante para nós, não é importante para quem está no poder”, confirma Alves.
Segundo Rafael Alves, apenas 5% das ONGs recebem recursos públicos para suas atividades: “O Estado deve ter uma legislação que facilite a vida de quem quer fazer o bem, que faça o dinheiro chegar nas associações e que as inclua nas grandes discussões sobre a sociedade”, ressalta.
Por serem organizações civis, elas são capazes de acessar lugares e pessoas que o Governo não consegue sozinho, porém essa deveria ser uma relação de parceria. “No geral, nós atuamos em regiões que o governo não dá atenção ou atua de forma superficial e assistencialista, ajudando a pessoa naquele momento, mas sem mudar a realidade dela”, comenta Maico.
Esse trabalho é extremamente necessário para o nosso país que possui 120 milhões de cidadãos que convivem com qualquer nível de insegurança alimentar como divulgado pela atual ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática, Marina Silva. Diante desse dado, fica explícito a urgência com a qual o Estado deve se organizar para mudar esse cenário.
O sociólogo Roberto Antoniasse, explica que a relação de parceria entre as organizações e o governo é de alta complexidade e muda de tempos em tempos de acordo com as lideranças do país: “Essa relação é conflituosa e tensa, pois depende da configuração em que se encontra o cenário social e político, além de envolver questões de interesse partidário e ideológico”.
As consequências da falta de auxílio
O Sertão Clama, tem como uma das iniciativas a criação de poços e a contratação de caminhões pipas, para sanar a necessidade dos vilarejos que enfrentam o problema da seca. Porém, o projeto se deparou com um esquema de “máfia”: “É quase impossível cavar os poços e contratar os caminhões superfaturados... tanto a ONG quanto os moradores são ameaçados, pois essas pessoas lucram em cima da necessidade do povo”, conta Gustavo Marques, também líder da instituição.
Os governos da Bahia, do Piauí e de Pernambuco já foram notificados pelas famílias e pelo projeto, mas nada foi feito até o momento. Nem a respeito das ameaças e nem para uma possível fiscalização sobre os valores do mercado de água potável da região. Deixando a população refém da criminalidade e impossibilitando que a ONG forneça auxílio na região.
Outro empecilho que existe, desta vez causado pelo próprio governo, são as taxas para adquirir a autorização da escavação de um poço artesiano, pois quando a escavação é concluída e a água é atestada como própria para uso, governo muitas vezes tenta tomar posse da fonte, tirando assim mais uma fonte de água totalmente gratuita do povo, ao qual ele deveria servir.
Vias para melhoria do cenário
De acordo com Bianca Monteiro, advogada especializada em terceiro setor, há sempre um protagonismo na área social pelas organizações sem fins lucrativos e cita: “Isso são indicadores da necessidade por políticas públicas. Organizações que trabalham com segurança alimentar e nutricional, efetivamente fazem muita diferença na prática e no cotidiano do povo brasileiro”.
As políticas públicas são a principal ferramenta para que o governo possa desafogar o trabalho das ONGs. Patrícia Mendonça, Professora Mestre de Gestão de Políticas Públicas da USP, explica como o governo pode melhorar essa relação: “Hoje se alguém precisar saber sobre essas parcerias, ela vai precisar ir em cada secretaria de São Paulo, pois não existe um site ou uma área específica que contenha todas essas informações para a orientação e relação”.
A especialista sugere que os estados retomem essa pauta e criam canais mais estruturados e preparados para receber essas instituições e auxiliá-las nas suas atividades: “Precisa ter uma estrutura mínima para fazer a gestão dessas parceiras, para que elas ocorram de fato como parcerias e não como mais um prestador de serviço”.
Com essa aceleração dos procedimentos, as populações poderão ser atendidas mais rapidamente, evitando que a insegurança alimentar das famílias piore durante a espera, principalmente considerando que a privação de alimento pode acarretar até mesmo em morte.
A participação de organizações religiosas
As organizações religiosas, que representam 17% desse setor, não podem receber verbas do Governo por terem interesses religiosos, visto que o Estado é laico. Sendo assim, precisam recorrer ao setor privado. A varejista C&A, por exemplo, faz doações para o brechó do Centro Social da Comunidade Carisma, igreja da zona oeste de São Paulo.
Essa relação entre empresas e ONGs, garante a continuidade do trabalho contra a fome para essa parcela das organizações e ainda gera empregos no processo. Porém, para que as organizações possam ter acesso a essas empresas, é necessário que elas ganhem mais visibilidade no país.