Por Caio Batelli
Para Henrique Lermos sua obesidade não estava apenas no corpo, mas em sua alma. Sempre foi uma sombra constante, presente em todas as fases de sua vida. Aos 23 anos, após uma vida de tentativas frustradas, dietas malsucedidas e preconceito diário, percebeu que reverter a situação seria uma batalha solitária.
Henrique nasceu e cresceu em São Paulo e desde pequeno, sua relação com a comida era intensa e compulsiva. Criado em uma família onde refeições fartas eram sinônimo de carinho, aprendeu desde cedo a buscar conforto nos alimentos. Aos oito anos, já era visivelmente maior do que seus colegas da escola. O bullying começou cedo, disfarçado de brincadeiras, mas que, no fundo, eram ofensas camufladas. No recreio, as crianças riam dele quando corria e ficava ofegante. Nas aulas de educação física, sempre era o último a ser escolhido para os times. Aos 12 anos, Henrique já entendia que o mundo não era feito para pessoas como ele.
Na adolescência, as coisas pioraram. Além do preconceito que nunca cessava, veio a autopercepção. Henrique evitava espelhos, fotos e qualquer situação que o fizesse enxergar seu próprio corpo. Enquanto seus amigos descobriam o prazer de sair, paquerar e se divertir, ele se escondia em casa. Os convites para festas rareavam, os amigos foram sumindo, e a solidão se tornou sua maior companhia. E, ironicamente, sua única válvula de escape continuava sendo a comida. A compulsão alimentar se instalou de vez, um ciclo vicioso de culpa e prazer imediato.
Os médicos diziam o óbvio: ele precisava emagrecer. Henrique enfrentava o desafio de transformar uma vida inteira de hábitos ou mesmo de abandonar uma rotina onde a comida era um tipo de refúgio. Cada tentativa de dieta era um martírio. Ele já havia experimentado de tudo: dietas restritivas, jejuns intermináveis, shakes milagrosos. O resultado era sempre o mesmo – alguns quilos perdidos, o dobro recuperado depois. Os médicos prescreviam mudanças de estilo de vida como se fosse simples abandonar uma relação construída desde o berço.
As academias nunca foram um ambiente acolhedor. Sempre sentia os olhares de julgamento quando chegava. Os aparelhos pareciam não ter sido feitos para alguém do seu tamanho. Na primeira aula de funcional, saiu antes do fim, humilhado pelo instrutor que sugeriu que ele começasse com caminhadas “mais adequadas para sua condição”. Mesmo quando procurava por ajuda profissional, sentia que o mundo da saúde o via apenas como um número na estatística, sem considerar sua história, seu corpo, sua mente.
Em razão disso começou a cogitar a cirurgia bariátrica. Viu casos de pessoas que conseguiram mudar de vida, perderam peso e foram aceitas pela sociedade. Mas o caminho para a cirurgia era outro obstáculo. As filas do SUS eram longas, e os médicos exigiam que ele perdesse peso antes da operação. Mas se ele conseguisse perder peso sozinho, não precisaria da cirurgia, avaliana No sistema público, cada consulta era um jogo de paciência, e a cada nova espera, sua motivação diminuía.
Ao longo dos anos, Henrique percebeu que sua luta não era apenas contra a balança, mas contra um sistema inteiro que o via como o único culpado por sua condição. Pessoas obesas são rotuladas como preguiçosas, desleixadas, sem força de vontade. Mas ninguém fala sobre como a indústria alimentícia incentiva o consumo de produtos ultraprocessados, como a vida moderna empurra as pessoas para hábitos pouco saudáveis, como a obesidade muitas vezes não é uma escolha, mas um destino traçado desde a infância.
O cansaço se tornou seu estado permanente. Não apenas físico, mas emocional. Henrique sentia que a obesidade era um peso invisível que carregava em cada aspecto da vida: na dificuldade de encontrar roupas que servissem, no esforço dobrado para subir escadas, nos olhares de reprovação ao pedir sobremesa em um restaurante. Era um fardo que o acompanhava até mesmo nos momentos mais simples, como sentar em uma cadeira frágil sem medo de quebrá-la. E assim ele se tornava refém de sua própria condição física.
A mudança começou de forma discreta. Sem epifanias ou grandes reviravoltas, apenas pequenas tentativas de sair do ciclo. Primeiro, caminhadas noturnas para evitar olhares de julgamento. No início, curtas e difíceis, mas, aos poucos, seu corpo começou a responder.
Mesmo tentando mudar, o preconceito continuava. No transporte público, no trabalho, nas ruas, Henrique seguia sendo reduzido ao estereótipo de alguém preguiçoso e sem força de vontade. Foi quando encontrou um grupo de apoio online. Lá, viu que não estava sozinho e entendeu que a obesidade era mais do que uma questão individual: havia uma estrutura que o empurrava para essa realidade.
Ele decidiu buscar ajuda profissional de verdade – não apenas médicos que falavam de dietas e exercícios, mas também psicólogos que o ajudaram a entender sua relação com a comida. A caminhada se transformou em idas à academia, e a alimentação passou a ser uma escolha consciente, não uma punição.
O peso não sumiu de repente. Houve recaídas, frustrações, dias difíceis. E, apesar de ainda não ter vencido completamente a luta contra seu corpo, pela primeira vez, Henrique venceu a luta contra a sua mente e sente que faz isso por ele, não para agradar os outros. A sociedade continua hostil, mas agora ele lida com isso de outra forma. O peso que carregava, antes um fardo solitário, agora é algo compartilhado com a sociedade.