Mais um dia. Sento-me na minha cadeira e olho o relógio: 15h50, hora de Brasília. Mais dez minutos e o dia de labuta começa novamente. Já perdi as contas. Estava acostumado a 15 minutos antes do trabalho sair de casa e me deslocar até o prédio da ESPN.
Eram risadas no caminho, ônibus passando, olhares cansados sentados em cada poltrona da locomoção. O dia exaustivo de trabalho chegaria ao fim para muitos. Para mim, só começava. Mas eu caminhava feliz. O barulho do passarinho, o ronco de motor de cada carro, o cigarro na boca do homem sentado na escada, a senhora já idosa que passeava na calçada sem qualquer tipo de receio.
Já faz tanto tempo disso que nem parece que existiu. Hoje, vivo recluso. Longe de todos. Dos amigos e dos colegas. Dos professores e dos alunos em geral. Dos funcionários e, claro, até da idosa que passeava na calçada.
Pensando nisso, já se passaram cinco minutos. Mais cinco e o dia de labuta começa. Abro o sistema. Que sistema maldito! Trava, trava e trava. Nunca pensei que diria isso, mas que saudade da redação. Garrafa de água ao lado do notebook, fone de ouvido e o celular. É disso que preciso nas oito horas seguintes em que vou trabalhar.
Mas tudo parece igual. Todos os dias. O barulho lá fora não é mais o mesmo. O sorriso parece estar trancado dentro de casa. A magia e o brilho de cada pessoa na rua não existem mais. Que momento estranho!
Nesse meio tempo, não contei, voltei para casa. Rumei para Porto Alegre. O aeroporto estava bem mais vazio que o normal. Máscaras para todos os lados. O “tal” vírus ainda parecia distante, mas uma ameaça vindo de fora.
Senti o carinho da minha família. Ficaria pelo menos uma semana. Hoje, já são dois meses. Comida na mesa, roupa lavada e tudo mais. Fazia tempo que não tinha isso. É bom, muito bom. Mas estar só dentro de casa, cansa.
A notificação no celular chega.
- Sasso, está fazendo o que?
Já são 16h08. Nem vi. Fiquei pensando em tudo isso e já perdi oito minutos de trabalho.
O tempo passa rápido quando se está na labuta. É um alívio, confesso. O tédio me consumiria caso não trabalhasse. Ficar sem fazer nada é uma ideia bem distante. Sei que isso me mantém com a cabeça intacta e vivo no que faço.
É trabalho, ver série, ler um livro e o loop infinito continua. Que saudade de ir num parque, tomar um chimarrão no fim de tarde, falar com a turma na rua. Ah, jogar uma partida de futebol.
Não posso negar que estou fazendo isso. Virtualmente, é claro. O videogame se tornou peça ainda mais chave da rotina.
Mas a quarentena cansa. É um teste para a humanidade. Sinto ainda mais por aqueles que estão sozinhos ou que perderam seus empregos. O momento é inesperado e inédito. Qualquer plano a seguir não é conhecido. Não há como prever.
A história de que cada dia deve ser vivido no presente nunca foi tão óbvia.
00h04. Hora de desligar o notebook. Mais um dia de trabalho chegou ao fim. Encho a garrafa de água, coloco o fone de ouvido no lugar e pronto.
Logo mais tem mais. A vida não é mais a mesma. Talvez nunca será a mesma. O normal perdeu o sentido. O irreal hoje é natural. Caso um bêbado escrevesse essa história, ela não seria tão fortemente louca como a que está sendo escrita neste momento.
O mundo clama por liberdade. Eu clamo pela minha garrafa de água na redação, o fone de ouvido na mochila. O sorriso lá fora. A vida de volta.
Dormi.
Acordei.
Achei que estava vivendo um sonho. Não, era tudo de novo.
Mais um dia. Sento-me na minha cadeira e olho o relógio: 15h50, hora de Brasília...