O Pasquim, o jornal que driblou a ditadura e é referência na luta contra a repressão ao jornalismo

22 anos de luta para ter o direito de liberdade de expressão, e hoje, serve como modelo no combate a agressões e intimidações sofridas pelos jornalistas


por
Silvana Vieira e Suzana Rufino
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01/11/2020

O Brasil, como outros países sul-americanos sofreu com a repressão do regime civil-militar na década de 60 a 80, passando por censura, prisões, repressões, desaparecimentos e mortes. Vários jornais que apoiavam o governo de João Goulart fecharam ou foram entregues a grupos golpistas, já os que apoiaram o golpe, mais tarde sofreram com os ditames de uma ditadura totalitária.

Jornal como o Correio da Manhã de Niomar Moniz Sodré e a TV Excelsior pertencente a um grupo industrial nacional (Simonsen) foram fechados, sendo que o primeiro apoiava o regime, mas deixou de apadrinhar anos depois tendo sua dona presa, e o segundo que apoiava o governo Goulart, teve todos seus equipamentos entregues a Rede Globo, tornando-se porta voz do regime.

Muitos jornalistas de esquerda que não queriam mais trabalhar para jornais que apoiavam a ditadura, por se sentirem oprimidos em suas opiniões e militância política, resolveram se organizar e fundar os próprios periódicos. Por não terem dinheiro o suficiente, aderiram aos tabloides, formato mais barato com matérias que iam do humor contra o regime à análise política crítica.

A partir daí, nascia a imprensa alternativa e com um jornal em destaque, O Pasquim (do italiano, paschino, Jornal ou panfleto difamador), e sua equipe: Ziraldo, Henfil, Chico Buarque, Millôr Fernandes, Claudius, Sérgio Cabral, Caruso, Reinaldo, Jô Soares, Angeli, entre outros.  

Com humor, deboche e ironia, através de charges e matérias inusitadas protestou contra a opressão e foi um instrumento fundamental na luta contra a ditadura. Em 1970 uma parte da redação do jornal foi presa após publicar uma sátira do famoso quadro de Pedro Américo que retrata a independência do Brasil dando destaque a D.PedroI dizendo “Eu quero mocotó” referente  a música eu também quero mocotó de Erlon Chaves, um hit da época.

No final do ano passado e o começo deste, o Sesc Ipiranga organizou uma exposição comemorando os 50 anos de o Pasquim e contou com vários organizadores como, os curadores Zélio Alves Pinto, Fernando Coelho dos Santos e a educadora e organizadora de exposições do Sesc Ipiranga Isabella Bellinger.

 Belliger em uma entrevista conta sobre a importância do periódico naquela época e a luta dos jornalistas que permanecerem firmes, mesmo depois de muitas perseguições, censuras e prisão. O Pasquim foi um jornal semanário que lutou pela liberdade de expressão através de críticas com viés humorístico e sarcástico. Muitos jornalistas foram perseguidos, alguns foram presos, outros exilados, e mesmo com esse conflito, eles não desistiram de brigar com o regime, sendo que a cada ataque do governo, era uma matéria ironizando a atitude repressora. A meu ver, quanto mais eram censurados, mais fortes e resistentes eles ficavam, não é à toa que permaneceram por 22 anos. Esse jornal serviu como referência a outros jornais alternativos.

Por usar a crítica de forma cômica e irreverente, publicaram uma charge que fazia alusão ao quadro da Independência ou morte de Pedro Américo, com um balão na imagem de D. Pedro I com a frase: “Eu quero mocotó” que se referia a um hit da época, isso levou á prisão uma parte da redação do jornal e alguns conteúdos considerados inapropriados para os censores. Nos anos 70 o Pasquim foi alvo de duas bombas em sua redação, assim como a edição de natal do Porta dos Fundos em 2019.

“Por conta da crítica ao regime no tabloides, algum tempo depois foram presos, Paulo Francis, Ivan Lessa, Ziraldo, Luiz Carlos Maciel, Paulo Garcez, Flavio Rangel, Sérgio Cabral, Tarso de Castro e Fortuna. O cárcere não podia ser divulgado, por que os jornalistas acreditavam que assim enfraqueceriam o jornal, porém o periódico continuou sendo publicado através de Millor Fernandes e colaboradores como Chico Buarque, Antônio Callado, Glauber Rocha entre outros. A prisão ficou conhecida como "A gripe", pois era com esta ironia que justificaram no jornal a ausência da maior parte da equipe. Henfil para contribuir, fez cartuns imitando o estilo de cartunistas presos o que deixou os militares intrigados. Em um dos cartuns dizia Pô, saiu um desenho do Fortuna. Mas o Fortuna não está aqui preso?  

“Quando eles foram soltos, uma nota em o Pasquim informou que finalmente havia passado o surto de gripe que assolou toda a equipe. Mas, para mostrar que a cadeia não intimidou a trupe, a edição seguinte à soltura dos jornalistas trouxe a atriz Maria Cláudia na capa, com a língua de fora e uma legenda sugestiva: “Estamos aqui, ó! ”. O Jornal obteve tanto sucesso que circulou por 22 anos.  

“Então, olhando a exposição de forma geral, nós temos os conteúdos, as rotativas, os ambientes de redação com as máquinas de escrever, os telefones com gravações e falas dos jornalistas, as edições do jornal, os vinis lançados, as prensas, o ambiente ativista e o Pasquim incorreto, que traz esses conteúdos mais pesados que devem ser vistos pelas lentes do passado, já que hoje não caberia essa visão em nossa sociedade, ainda bem.

“Devido a matérias pesadas e outras com humor ácido retratando o governo totalitário, vários jornalistas foram perseguidos e presos para prestar depoimentos, ficando dias até meses encarcerados. Se já era ruim para aqueles jornais que apoiavam o governo de inicio, imagine para os que não concordavam com ele e tentavam combatê-lo a todo custo, O Pasquim foi um deles. Uma questão que deve ser mencionada, foi participação do periódico em as Diretas Já, inclusive foi dedicada uma parte da exposição ao ativismo do jornal com placas e faixas de protesto, além de conteúdos críticos que deixam registrado o viés de resistência”.

É grande a contribuição desse jornal em prol da liberdade de expressão e em querer reportar sempre a todo preço. O Pasquim é lembrado nos dias atuais como um jornal alternativo que não teve medo da censura, não teve medo de apanhar da sociedade e muito menos se desencorajou com a prisão e perseguições. Hoje, não há mais censura e os jornalistas podem escrever com mais liberdade, efeito disso, são os blogs e colunas que vários desses profissionais usam para expressar sua opinião, postarem matérias e dialogar com os leitores.

Porém, a violência contra os jornalistas continuam, vários são rechaçados quando vão participar de coletivas, outros são perseguidos por suas opiniões ou por pertencerem a tal veículo, e em manifestações, muitos saem feridos e até mortos. De acordo com a Agência Brasil, o país brasileiro é um dos que mais matam jornalistas do mundo, sendo que entre 1995 a 2018 foram mortos 64 profissionais de imprensa no exercício da profissão. Dando como exemplo de morte trágica de jornalistas, mas que ocorreu na época do regime, foi a de Vladimir Hezorg, morto pelas mãos do governo totalitário. Já nesse século, Tim Lopes como outros tiveram suas vidas interrompidas por militantes políticos, traficantes ou autoridades importantes.

Nos últimos anos há uma onda crescente de agressões e ofensas a esses profissionais tanto em mídias sociais quanto em coletivas de autoridades governamentais. Em maio desse ano, enquanto o jornalista do Estado de S. Paulo Dida Sampaio tenta fotografar o presidente Jair Bolsonaro na passarela do Palácio da alvorada, um grupo de apoiadores do mandatário derruba o profissional duas vezes, distribui chutes pelas costas e soco no estômago. Além dele, jornalistas da Folha de S. Paulo foram empurrados e ofendidos verbalmente. Ainda no mesmo mês, o cinegrafista Robson Panzera da TV Integração, afiliada da Rede Globo em Juiz de fora - MG, foi agredido com socos e pontapés por um apoiador do governo enquanto fazia imagens para uma reportagem sobre estudantes que contraíram a covid-19.  

Esses relatos é um registro de como a onda de hostilidade à mídia vem crescendo ultimamente, principalmente em torno de autoridades públicas. Como exemplo, em diversas ocasiões, a postura do presidente Jair Bolsonaro muitas vezes não foi conivente, atacando várias vezes a imprensa e jornalistas de veículos específicos. Ainda em maio, ao sair do Palácio da Alvorada, o mandatário mandou um repórter “calar a boca” após uma pergunta relacionada as suspeitas de ingerência na Polícia Federal. Além desse dia, houve outros em que Bolsonaro fez insinuações machistas e homofóbicas contra os os profissionais de imprensa.

Parece que as hostilidades a imprensa ganham força quando uma figura importante, como o presidente e outros, manifesta(m) seu repúdio e indiferença, não respeitando a ética e o limite de sua autoridade (poder). Chamar certo veículo e seus colaboradores de “lixo” virou marca registrada em coletivas, eventos e campanhas políticas. No mesmo mês em Brasília, mais uma jornalista (repórter) da Band News foi agredida com uma bandeirada na cabeça em uma manifestação de apoio a Jair Bolsonaro.

Mês passado, a jornalista Patrícia Campos Mello deu uma entrevista ao canal do Youtube Opinião TV Cultura, no qual falou sobre a liberdade de expressão e os ataques que o jornalismo tem sofrido há anos. “Em todos os governos a imprensa nunca foi querida de nenhum presidente, isto é, não é uma coisa do atual governo, mas vem desde os governos passados. O que é novo nesse atual governo é que tem uma coisa mais personalizada contra jornalistas específicos com um grau de agressividade maior, e isso é ajudado e potencializado pelas redes sociais”.  

Patrícia Campos Mello, em fevereiro, foi insultada pelo presidente Bolsonaro, no qual disse que ela queria um furo, isto é, queria dar um furo a qualquer preço a ele. A conversa surgiu devido o mandatário der comentado que um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por Whatsapp, mentiu à CPMI das Fakes News, insinuando que a jornalista trocaria sexo por certa matéria. Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se solidarizam com a profissional e repudiaram a fala de Jair Bolsonaro.

Mesmo com o passar dos anos, a perseguição à imprensa só cresce, ganhando espaço em determinados meios. Na ditadura, a maioria dos civis com ou sem partidos apoiavam o regime e consideravam os jornalistas da época como inimigos. Já nesse século, os apadrinhados elegem tal partido, defende-o com unhas e dentes, marcam manifestações nas redes sociais (que hoje é um dos palcos para proliferação de discursos de ódio e perseguições), vão a tais passeatas, gritam e defendem aquele político como se fosse uma divindade. Dos gritos e cantos, muitas vezes saem ofensas e agressões a profissionais que só estão fazendo seu trabalho que é mostrar a verdade a sociedade.

Por isso, que falar de um jornal que defendeu a liberdade de expressão sem se intimidar com as consequências, possibilita certa coragem aos atuais profissionais de imprensa. Hoje, nota-se que muitos veículos e jornalistas obtiveram essa coragem devido a representatividade e força que esse periódico de 22 anos adquiriu através da luta contra uma ditadura totalitária. Claro, muitas coisas mudaram, pois no momento presente não há censura como antigamente, porém as agressões à imprensa são diárias, isto é, entra governo e sai governo e ainda continua a mesma coisa. E para complementar a luta cotidiana, surge um novo combate, as chamadas Fake News espalhadas nas redes sociais.  

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