O Gato que virou Pet

Como uma adoção pode mudar a vida da loja.
por
Octávio Alves
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20/05/2025

Por Octávio Alves

 

São Paulo, a maior metrópole do Brasil, é uma cidade que pulsa 24 horas por dia. O trânsito constante, os arranha-céus que recortam o céu, as buzinas incessantes e as multidões que cruzam as calçadas com pressa compõem o cenário de uma rotina frenética. No meio de tanta gente, paradoxalmente, a solidão também encontra espaço. Para muitos, é apenas mais um dia difícil; para outros, é o início de um processo de reconexão consigo mesmo. Curiosamente, esse reencontro tem acontecido, cada vez mais, por meio dos animais de estimação.

Hoje, os pets deixaram de ser apenas companheiros eventuais ou guardiões do quintal, tornaram-se parte essencial da vida emocional de milhares de pessoas. Em tempos de incerteza e dificuldades, são fonte de apoio, consolo, acolhimento e, acima de tudo, de amor genuíno, essa relação transformadora ficou evidente na história de Márcio Ricardo, dono de um pet shop localizado no bairro da Vila Matilde, na zona leste de São Paulo.

Márcio lembra com carinho de um episódio marcante que aconteceu há cerca de cinco anos, em plena pandemia de COVID-19, quando a cidade estava mergulhada em medo e isolamento. Ele vivenciou o que descreve como uma cena digna de filme. Era um dia como outro qualquer no pet shop, até que um homem , com roupas de açougueiro,  um funcionário do açougue da rua, entrou  na loja. Nos braços, segurava um gato visivelmente ferido, com as patas machucadas, o corpo magro e os olhos cansados.

Sem hesitar, Márcio e sua equipe interromperam o que estavam fazendo para cuidar do animal. Limparam os ferimentos, aplicaram pomadas cicatrizantes, ofereceram comida e água fresca. Prepararam uma gaiola limpa e acolhedora para que ele pudesse descansar em segurança. Sem saber sua origem, se era um gato perdido ou abandonado , deram a ele um nome simples, carinhoso e provisório, Gato.

Nos dias seguintes, todos notaram que o Gato era diferente, apesar dos traumas físicos, mostrava-se dócil, sociável e receptivo ao carrinho humano e demonstrava sinais claros de que já havia vivido em algum lar, mas, mesmo com tentativas de encontrar um possível tutor de cartazes, postagens em redes sociais, ligações para clínicas da região, ninguém apareceu, nenhum sinal de que alguém o estivesse procurando. A suspeita logo virou certeza: o Gato havia sido abandonado.

Infelizmente, essa não é uma realidade incomum. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2024, estimam que mais de 30 milhões de cães e gatos vivem em situação de abandono ou maus-tratos no Brasil. Muitos, como o Gato, são deixados à própria sorte nas ruas, expostos ao frio, à fome e aos perigos diários de uma cidade como São Paulo.

Comovido, Márcio decidiu acolher o Gato até encontrar um lar responsável. Garantiu vacinação, cuidados veterinários e comida de qualidade. Mas o que era para ser temporário acabou se transformando em algo  maior. Com o passar do tempo, o Gato foi ganhando espaço não apenas físico, mas emocional dentro do pet shop.

Ganhou um cantinho só dele nos fundos da loja, com tudo que precisava para viver com dignidade. Circulava livremente entre os corredores, deitava no balcão, recebia carinho de funcionários e clientes e conquistava todos com seu jeito brincalhão e observador.

Ele virou parte da equipe, diz Márcio. Mostra com  as fotos antigas do Gato dormindo entre pilhas de papel, se enroscando nas caixas de produtos ou observando curioso o movimento da rua. Tentando morder alguns clientes por brincadeira, se escondendo quando chegava matilha de goldens, praticamente um funcionário.

Mas nem tudo foram flores. Márcio conta que, todas as noites, o Gato ficava sozinho na loja, e, pela manhã, ele sempre o recebia com um miado insistente. Com o tempo, criaram um vínculo , baseado no afeto e na rotina compartilhada, com algumas brincadeiras e xingamentos. Até que, depois de quase três anos, a história do Gato ganhou um novo rumo.

Gabriele Tomé, que na época era funcionária do pet shop, tomou uma decisão que mudaria na loja. Mesmo depois de três anos e nada de alguem querer adotar o Gato,  já profundamente apegada ao animal, resolveu adotá-lo. Ela acreditava que, embora bem tratado na loja, o Gato merecia um lar definitivo, onde pudesse viver com ainda mais segurança e conforto. 

No início, a adaptação foi difícil, o Gato se mostrou tímido, evitava sair de casa e se escondia com frequência, o medo era visível em seus olhos, mas, com paciência, carinho e tempo, ele foi se abrindo. Começou a explorar o quintal, a dar pequenas voltas pelo bairro e, como todo gato, a se meter em encrencas com outros felinos da região. Sempre voltava para casa, às vezes arranhado, outras vezes cansado, mas sempre com o olhar de quem sabia onde pertencia.

Gabriele conta, entre risos, que depois de alguns meses o Gato praticamente a esqueceu e se apegou mesmo foi à mãe dela, com quem passa boa parte do tempo hoje. Ela diz que ele dorme no colo dela, a acompanha pela casa inteira, e parece entender tudo o que ela diz e Tomé diz que aquele Gato safado já a esqueceu. 

A história do Gato é mais do que um simples relato de resgate ou adoção, é uma narrativa que revela o poder dos vínculos inesperados, da empatia e da transformação. Em meio ao concreto frio da cidade, onde tantas vezes o humano se fecha em si mesmo, há espaço para gestos de cuidado e também para segundas chances.

Do balcão do pet shop até uma casa tranquila, o Gato deixou sua marca. Não apenas como um animal que sobreviveu e sim como um exemplo dos papeis dos animais é fundamental hoje em dia que podem dar um conforto para indivíduos onde jamais imaginaria.

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