O espetáculo das exposições imersivas no Brasil

Como fazem parte do circuito cultural e os aspectos por trás do fenômeno
por
Victor Trovão
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14/04/2023

O cenário artístico contemporâneo passa por transformações constantes à medida que cada vez mais, formatos inéditos de produção são desenvolvidos. As exposições imersivas se configuram como um deles. Ao proporem uma nova abordagem de conexão com os visitantes, elas crescem no mundo e no Brasil, em especial São Paulo que conta com uma agenda cultural marcada pela presença delas. 

Neste momento, estão em cartaz em São Paulo algumas delas como “Monet à beira d’água”, “The art of Bansky — Without Limits e Frida Kahlo”, “Michelangelo: o mestre da Capela Sistina” e “Imagine Picasso”. Elas denotam as mutações no consumo ao longo do tempo, e as razões por trás da ascensão dessas exibições com base na ideia de que os processos artísticos visam explorar faces inéditas da experiência durante o contato com a obra.  

 “Oceanvs – Imersão em Azul”
foto por Victor Trovão 


O que são? 

As exposições imersivas buscam inserir os visitantes na obra para que além de visualizá-la consigam enxergar a si próprios na obra de artistas do momento e, principalmente, de artistas clássicos, dado que todo o espaço é usado para a instalação. Na perspectiva do professor de arte contemporânea na PUC-SP, Marcus Vinícius Bastos, elas são construídas com base em nomes importantes na história da arte. “O universo criativo desses artistas é recriado a partir de recursos de projeção instalativos em que isso se transforma num enorme ambiente por onde as pessoas transitam e podem se relacionar com a obra deste artista”, expõe. 

Ao serem nomeadas como imersivas, essa característica não é restrita à elas uma vez que todo produto artístico é imersivo por si próprio. Acontece que devido às projeções em grandes escalas nas instalações, o sentimento de imersão passa a ser sentido com mais intensidade. Por outro lado, a definição de imersão é construída baseada em uma experiência totalmente inédita entre os visitantes. 


Imersão e a ficção de acesso 

Ao encantar os visitantes, as exposições atraem milhares de pessoas. Um número certamente diferente dos que os museus brasileiros recebem. Elas mostram como a população continua ligada com a arte, mas ao mesmo tempo desperta questões de acesso, com o viés de entender o porquê os museus clássicos continuam sendo ligados às elites, e por sua vez, as imersivas são caracterizadas como mais democráticas sendo que possuem preços altíssimos, o que impossibilita o acesso de grande parte da população. 

De acordo com dados da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico (UPPM), os Museus da Secretaria de Cultura receberam 1.046.129 de público total presencial em 2020. É inegável como esses números foram impactados pela pandemia, mas ainda sim expressam uma grande mudança de comportamento visto que em 2022 a exposição “Beyond Van Gogh” teve 480 000 visitantes e a “Portinari para Todos” atraiu 240 000.27. Juntas elas passam mais da metade do número de visitantes nos museus brasileiros ao longo de um ano. 

Em entrevista na exposição “Monet à beira d'água ", localizada no Parque VIlla Lobos, a jornalista Fatime Ghandour conta sobre a magia da experiência e comenta sobre os valores nas exposições que já visitou. “Foram boas experiências no geral, algumas mais justificadas que outras em preço. Acredito que é extremamente interessante fazer uma exposição imersiva de diversos artistas, mas o preço é por vezes muito alto. Você sai da sala de imersão e se questiona um pouco se valeu a pena”, relata. 

Aos olhos do professor Bastos, esse sentimento é compartilhado por muitos visitantes, porém, é necessário entender outros pontos de vista: “Eu acredito que as exposições imersivas têm dois aspectos. O primeiro é o preço do ingresso, que não só das exposições, mas hoje em dia o circuito cultural está muito caro, e por isso ele se torna realmente inacessível pras pessoas”. 

Em outra perspectiva, esse formato também possibilita a conexão com as pessoas de uma forma inédita. “No entanto, ela ainda tem um componente de democratização também porque ao invés da obra original circulam cópias e isso faz com que seja possível você ter acesso a obra de artistas que talvez não pudessem ser mostrados nos países onde acontecem essas exposições imersivas. Então tem dois lados pra questão, eu acredito que tem um aspecto da inacessibilidade, mas também tem um aspecto de democratização do conteúdo”, expressa Marcus Vinícius. 

“Monet à beira d’água”
 foto por Victor Trovão 


Os reflexos das imersivas contribuem no debate sobre o cenário em que a cultura se insere neste momento. Mais do que nunca espera-se pela execução da Lei de Incentivo à Cultura, sendo ela um dos maiores projetos de ingressos acessíveis e gratuitos para a população. O consumo de produtos artísticos, infelizmente, continua sendo majoritariamente dominado pelas elites no país, o que engloba as exposições imersivas na tentativa de democratizar a cultura. 

O diálogo da arte e tecnologia 

Desde a Renascença os pintores estavam conectados com as descobertas científicas daquele momento. Eles também ocupavam as cadeiras de cientistas ao explorarem as tecnologias mais novas e as utilizarem em suas obras. Johann Sebastian Bach em suas obras utilizava de maneira incomum novas ferramentas na composição. Uma delas foi o cravo, que no século XVIII era o instrumento mais avançado daquele momento, o que guiou outros artistas a explorarem a ciência em novos projetos. Assim, ao longo dos anos, a utilização da tecnologia desenhou novos capítulos na história da arte. 

Paralelamente, hoje, a relação da arte com a tecnologia permanece como realidade sendo as exposições imersivas um dos maiores modelos que ilustram as singularidades das experiências artísticas sensoriais. Instalações em grandes centros urbanos são constantemente impactadas pela utilização de novos equipamentos nas exposições. 

De telas interativas a compilados de projetores, são inúmeras as possibilidades de interação entre os visitantes com a obra. Ao olhos de Bastos, existe uma mudança no perfil das tecnologias presente na arte: “Surge uma conexão muito grande entre arte, tecnologia e artistas que experimentam com essas mídias. É uma fusão muito favorável, uma tendência que explora o que existe de mais contundente, o de mais contemporâneo nas linguagens artísticas porque as tecnologias obrigam os artistas a se desafiar em relação ao que está acontecendo no mundo”, reflete. 

“Michelangelo: o mestre da Capela Sistina” 
foto por Victor Trovão 

O fenômeno das exposições promoveu diversos debates no mundo dado que seu impacto no mundo é gigante. Nesse sentido, uma das maiores problemáticas desencadeadas foi o contraditório interesse da população em visitar os locais. Enquanto as pinturas tomam conta do espaço expositivo, a arte passou a ser vista também como um pano de fundo para os registros que viralizam nas redes sociais. 

Em entrevista na “Michelangelo: o mestre da Capela Sistina”, o estudante de artes visuais, Igor Zanin, se manifestou frente à explosão de visitantes:“Eu percebi que alguns conhecidos estavam visitando a exposição sem mesmo saber sobre quem era e sua história. O que realmente importa para eles é tirar fotos no lugar e postar nas redes sociais. A proposta da exposição fica totalmente para trás”

A exposição fotográfica dos eventos nas redes sociais evidenciam a espetacularização da arte como da cultura no geral. “Viramos uma cultura de imagens,  uma cultura da auto representação. Por outro lado, é inevitável, mas não é a única forma de consumo desses conteúdos também. Existe um tipo de público que tem esse tipo de comportamento, e existe um tipo de público que vai ao museu como se ia antes da existência do telefone celular, dessas tecnologias que permitem essa explosão das imagens, que é num ritual mais ligado a uma visão compenetrada da obra, um foco maior no que tá acontecendo”, considera Marcus Vinícius. 

A complexidade do mundo resulta com que essas situações se sobreponham. É extremamente difícil que uma forma de consumir substitua a outra, sendo mais provável que exista uma convivência entre diferentes camadas e formas de se relacionar com as obras de arte. 

Fatores por trás da explosão e o futuro das imersivas 

Levando em conta que a primeira exposição imersiva, Leonardo da Vinci: 500 Anos de um Gênio, aconteceu no final de 2019 na cidade de São Paulo, confere-se como elas são extremamente recentes no país. Ao mesmo tempo, é extremamente visível como elas ganharam espaço no universo artístico brasileiro ao longo desses quatro anos, sem contar com a pandemia do covid-19 que por um período as impossibilitou serem produzidas no local. 

O sucesso delas é explicado não apenas pelo número de visitantes mas também por outros fatores, como o lucro e o perfil de consumidores que investem nas obras. Logo,a arte mais do que nunca passa por diversas leituras e traduções no mundo. “Um dos aspectos que está por trás dessa explosão das exposições imersivas é um processo de espetacularização da arte. Se a gente pensar, já faz algum tempo que a arte tem se tornado um entretenimento de alto nível. Não porque os artistas optem por isso, mas por conta do perfil com que as instituições de arte foram se configurando”, reflete Bastos. 

Uma série de elementos levam a fusão da arte com o entretenimento, o que resulta nos próximos capítulos deste processo de espetacularização. A mídia trabalha diretamente com a comunicação ao converter as exposições em um grande espetáculo. Por outro lado, é impensável compreender a realidade em que as imersivas foram desenvolvidas sem levar em conta a potência tecnológica. 

As perspectivas futuras sobre elas são positivas à medida que exploram formatos inéditos e quebrarem alguns estereótipos na vivência artística há séculos. No entanto, elas precisam ser revisadas a fim de promover uma experiência consistente. 

“O meu sonho é que esse tipo de exposição consiga apresentar traduções que você parta da obra dos artistas mas lide com uma lógica mais sofisticada, mais complexa no uso dessas linguagens e não apenas um modo ilustrativo como é o que eu acho que vem acontecendo”, conclui Marcos Bastos. 

“Monet à beira d’água”
 foto por Victor Trovão 

 

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