O cheiro de naftalina dá lugar ao brilho efervescente dos brechós

O número de comércios do ramo aumentou 40% no Brasil, um reflexo do súbito aumento de interessados no movimento
por
Bianca Athaide
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23/09/2024

Por Bianca Athaíde

A fachada intriga quem passa na rua. Um portão de tom laranja forte, quando aberto, dá passagem visual para uma casa de arquitetura clássica da São Paulo da década de 50. Em tons bege e branco, as janelas e ornamentos criam a estética reversa do que se guarda ali dentro. Na varanda, o intelecto fica mais confuso e raciocínio custa a entender: manequins vestidos com peças que não combinam entre si; eletrodomésticos e itens de decoração que evidentemente completaram sua maioridade e uma placa de visual circense, com a tipografia embaralhada, escrito "Antiguidades Minha Avó Tinha". Já na frente da porta de entrada, compreende-se por completo o que pode ser encontrado lá dentro.

O brechó "Minha Avó Tinha", no coração do bairro de Perdizes, é um dos maiores na capital paulista, sendo referência do garimpo de luxo no Brasil. Hoje, ele faz parte do movimento de brechós que lucram cada vez mais com jovens interessados por moda, enquanto buscam itens valiosos e únicos, para fugirem da estética dominante e se destacarem na multidão. O ambiente, assim como muitos outros no ramo, constroi uma confusão visual, com excesso de informações e detalhes, os olhos dos visitantes são cativados pelo brilho extraordinário que as peças expostas reluzem. Ao entrar, é capaz sentir a vibração de cada item, cada história e cada destino, fazendo muitos, que se permitem, passearem durante horas a fio pelos dois andares e mais de sete salas recheados de objetos.

A estudante de arquitetura, de 23 anos, Marina Falleiros fica perplexa com a imensidão de informação existente naquele lugar e aponta para cada coisa que ganha seu olhar, como uma criança feliz. Diz ser viciada em brechós e  acha que começou a frequentar um pouco depois da pandemia, lá em 2022. O que a deixa encantada é a diversidade das coisas, Ela afirma amar um lugarzinho diferentão enquanto caminha extasiada pelos corredores.

Mas pouco tempo atrás, a visão misteriosa e cativante que esse tipo de comércio atualmente recebe, era mitigada pelo cheiro de naftalina e a aversão a compra de produtos usados. Poucos do que criticavam, sabiam a história por trás desse movimento e o impacto que sua existência pode gerar em um futuro de consumo mais consciente.

Foi no final do século XIX, no Rio de Janeiro, que um alfaiate português abriu uma loja para compra e venda de produtos usados. Belchior obteve sucesso. Sua empreitada ficou tão conhecida, que rapidamente foi copiada e surgiram múltiplas "Lojas do Belchior". O cenário era tão recheado que até no conto de Machado de Assis, Ideias de Canário, publicado em 1889, esse tipo de negócio é citado. A ideia do alfaiate veio dos famosos mercados de pulgas europeus e como a língua é um ser orgânico, de evolução misteriosa, com o passar dos anos o termo "belchior" se transformou em "brechó".

A denominação carregou um peso negativo na cultura brasileira durante muito tempo. O proprietário do "Minha Avó Tinha", Franz Ambrósio comenta amargamente que era comum a ideia de que todo mundo queria abrir um brechó. Mas explica que não é fácil, pois não se trata de simplesmente pegar roupa e botar pra vender. Durante seus 34 anos de experiência com o mercado, o Belchior moderno adquiriu vasta expertise em curadoria, e seu sucesso foi tanto que já abriu uma segunda unidade, focado mais em peças de luxos, reconhecida e frequentada pelas principais blogueiras e entusiastas de moda de São Paulo.

O fato é que, apesar da tradição centenária desse tipo de comércio, apenas agora o identitário de algo velho, mofado e sujo, está sendo quebrado. Segundo números publicados pelo Sebrae, em 2019 já existiam mais de 14 mil brechós no Brasil, aumentando a quantidade ano a ano. Grande parte da onda de positivismo que está banhando esse tipo de comércio é graças a geração Z. Segundo a McKinsey & Company, empresa especializada em consultoria empresarial, a geração Z representa 40% dos consumidores globais de brechós. Aos 19 anos, a estudante Maria Luísa Armelin afirma a preferência pelo mercado crescente do second-hand. Ela diz que sempre preferiu o diferente e que era muito chato comprar em lojas de shopping. Foi quando começou a comprar peças em lojas de segunda mão online, mas ressalta que a peça tem que estar boa pois coisa feia e cara não dá para comprar.

 

Meio ambiente

Outro ponto positivo do aumento súbito pelo interesse em brechós é a consciência ambiental que a geração mais nova possui. A indústria da moda é fortemente apontada como uma das mais poluidoras do cenário atual, sendo responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono, número esse que a cada momento piora, com grandes aglomerados empresariais internacionais de fast fashion produzindo e descartando toneladas de materiais a cada minuto. Por isso, entre os mais jovens, comprar itens usados deixou de ser algo mal visto para elevar-se ao posto de descolado. O perfil médio do consumidor de peças de roupas usadas, diga-se, é formado por mulheres jovens, entre 18 e 45 anos, de classe média e antenadas nas discussões socioambientais.

Em resumo, o movimento só tende a crescer, independente dos motivos, todos contribuem para um futuro mais promissor no cenário fashion, além do ambiental. Se moda é expressão pessoal, movimento circular de tendências e uma corrida exaustante para se tornar uma referência fashion, o movimento de brechós é exatamente a resposta a ser procurada, com respeito ao passado e vontade de inovar no futuro. Um movimento capaz de substituir o cheiro de naftalina pelo brilho dos brechós.

 

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