Todas as manhãs nós acordamos, os olhos abrem e a mente já alerta: “não foi um sonho estamos em quarentena”. Eu sento na escrivaninha de todos os dias, a aula à distância começa e o professor abre o portão da desgraça: “Vocês viram o que o Bolsonaro disse ontem?”; “Mais de mil mortes no dia de hoje”; “Temos que enfrentar a máquina das fake news”; “Policiais mataram um menino negro dentro de casa”. Eu olho para o relógio e não são nem nove horas da manhã. Nem nove horas da manhã, e o mundo já está um caos na minha cabeça, e fora dela. O vírus não entrou no corpo de todos, mas invadiu a mente de cada um de nós, nos quatro cantos do mundo, em todas as línguas faladas. Eu imagino que são raros outros momento da história em que os países sentiram tanta empatia um pelo o outro como agora, por estarem vivendo uma mesma pandemia. Mas será que essa empatia atingiu o Brasil?
A pandemia, causou caos político, que causou manifestações sem sentido, que causou conflitos de família, que causou almas frustradas. É um desespero coletivo, uma falta de esperança no subconsciente da nação. E nem poderia ser diferente. Ao mesmo tempo que eu acredito que a indignação é uma arma contra a indiferença, eu desejo outro sentimento para os brasileiros.
Esses dias uma matéria da Folha de S.Paulo me fez refletir muito sobre o espírito brasileiro. Com o título “Após a gripe espanhola, Rio teve 'o maior Carnaval de todos' como revanche”, a matéria -entre tantos outros detalhes importantes- diz que foi uma celebração de outro nível, uma liberação de energia e que se a gripe podia voltar, era mais um motivo para aproveitar a festa. E, claro, faz um paralelo com o que estamos vivendo hoje, cita que apesar de não termos certeza da confirmação do Carnaval de 2021, a escola de samba Viradouro, já tem o enredo pronto, usando um trecho da marchinha dessa grande festa de 100 anos atrás. “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”. Uma prova que a potência da alegria brasileira, é tão forte que se encontra mesmo com um século de distância.
Além disso, uma música consegue me lembrar do sentimento de uma copa do mundo: amor pelo país que nasci e vivo, um gosto pela pátria e uma alegria de ser brasileiro, (que nada se assemelha aos brasileiros que usam a camisa da seleção nas ruas hoje em dia, que fique claro). O brasileiro sentiu esse amor durante anos, a copa do mundo era uma forma desse patriotismo, da cultura que corre em nossas veias e desse sentimento de que o Brasil é um só.
Porém, a política dividiu o Brasil em mil, levou esse amor embora, fez com que até os mais apaixonados pelo país (como eu) quisessem fugir pra longe, sem olhar para trás. E não há quem julgue, pois a realidade se impõe, o presente parece mais um futuro distópico: as falas das autoridades são tão irresponsáveis quanto constantes e não nos surpreendem mais, jornalistas são ameaçados, a comunidade negra está sendo morta nas periferias todos os dias, as tribos indígena sendo mais esquecidas como nunca e suas florestas mais devastadas como antes. A sociedade está tão controversa e sem embasamento, que um médico com muitos seguidores no Instagram se acha no direito de afirmar que mulheres são seduzidas ao votar, chama professores de burros e se diz disponível para ser novo ministro da saúde.
Como se não fosse trágico suficiente recebe aplausos e likes nas redes sociais, daqueles mesmos brasileiros com a camisa da seleção nas ruas.
Eu olho para a janela, minha fuga ao mundo exterior, e me pergunto, em que momento o povo brasileiro se tornou isso? Em que momento assuntos como respeito às mulheres, apreço pela vida e direitos básicos humanos, se tornaram relativos e temas de debate na mesa de jantar?
É indignante, é frustrante, é decepcionante. É compreensível que falte uma sensibilidade de otimismo na mente dos brasileiros. É compreensível que questões gerem ansiedade, como por exemplo: Será que o povo brasileiro, em todas as suas tribos, cores e formas, merecem essa realidade? Será que um dia, seremos capazes de, mesmo que por um campeonato de futebol, sentir orgulho e amor pelo país que é nossa casa?
Mas, é nesse desabafo, que eu não posso deixar de me comover e agradecer por todos aqueles brasileiros que se vestem de coragem, acordam todos os dias, enfrentam as notícias do Brasil e do mundo e vão a luta, mesmo que seja uma batalha interna, mesmo que seja uma batalha dentro de casa. Que não se deixam levar por falsas promessas, por falsos discursos, falsos moralismos ou pela falta de empatia. Pessoas que usam a mesma rede social do médico famoso e as transformam em ferramenta de transmissão de verdade, de informação e de responsabilidade. Pessoas que são vozes lúcidas que mostram para corações aflitos (como o meu), que a arte é sim necessária, que há sim pessoas que se importam com a vida, com as mulheres, com os negros e com os indígenas, e que o amor é sim capaz de salvar o Brasil dele mesmo.