O Brasil tem 150 mil mortes por coronavirus: o que as pessoas que ainda tem medo da doença estão fazendo?

Apesar do futuro ser um ponto de interrogação, a pandemia serve para muitos refletirem sobre o presente
por
Sofia Andreassa
|
10/09/2020

Há mais de oito meses o novo coronavírus deixou de ser um problema apenas dos governos estrangeiros e sua população, mudando de maneira radical e repentina a vida de todos os brasileiros por um período longo e de muita incerteza. Dia 26/02, quando foi reportado o primeiro caso oficial da doença no país, era impossível dizer como que as coisas seriam nos próximos meses pois era a primeira vez em um século que o futuro de toda a espécie humana ficava completamente  a mercê de um ser invisível aos olhos. 

É correto afirmar que uma parcela ínfima da população mundial atual já era nascida quando a Gripe Espanhola matou 50 milhões de pessoas (extra-oficialmente se estima que o número de mortes em decorrência da doença pode chegar a 100 milhões de pessoas), então a pandemia do COVID-19 é praticamente a primeira vez que muita gente está vendo o ser humano em uma posição de inferioridade - já que ainda não somos capazes de controlar o vírus.

Encarar o desconhecido nem sempre é uma tarefa fácil e, só no Brasil, foi registrado um aumento de 300% na busca por termos relativos a ansiedade, segundo o site de buscas Google. Em relação ao semestre anterior, pesquisas específicas sobre crises de ansiedade subiram mais 5000 por cento só entre Janeiro e Julho deste ano.

 Por uma série de fatores que vão desde movimentos negacionistas até a postura muitas vezes irresponsável e inconsequente do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), a pandemia se tornou um assunto polêmico e o cerne desta questão é o isolamento social. O estado de São Paulo tem medidas de isolamento vigentes desde o dia 24/03 e chegou a ter quase 60% de adesão no feriado da Páscoa, mas desde março o governador João Dória (PSDB) sofreu duras críticas por uma parcela da sociedade que acusava o governador de querer falir o estado mais rico da federação. As medidas de isolamento social não duraram nem três meses, já que no início de Junho o governador anunciou as primeiras medidas de afrouxamento do isolamento social.

Segundo balanço divulgado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), o movimento nas estradas do feriado prolongado de 7 de Setembro foi igual ao de qualquer outro feriado sem pandemia. Imagens de praias e bares lotados invadiram as redes sociais revoltando os usuários que afirmam se sentir 'trouxas' por ainda cumprir o isolamento e aproveitaram para 'cutucar' os opositores das medidas. 

 

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Print Twitter 02Para esta matéria, foram entrevistadas três pessoas que contaram um pouco das suas impressões acerca de temas como o isolamento social, a resposta do Governo Federal e, principalmente, como é lidar com a passagem do tempo em um ano que parece que simplesmente não aconteceu ao mesmo tempo que passou em um piscar de olhos.

A auxiliar contábil Sandra Galasse (56) está passando o período de  isolamento social na sua casa no interior de São Paulo e diz que por mais angustiante que seja esse período por conta das incertezas, estar em um lugar confortável e que goste ameniza a situação já que ela mesma desconhece a palavra 'tédio' e está sempre cuidando da casa, especialmente do seu jardim, e isso ajuda a se distrair e o tempo a passar mais rápido. 

Sandra mora sozinha, mas não é como se ela não tivesse nenhuma companhia: ela tem três cãezinhos que não desgrudam da tutora. Os três são cachorros sem raça definida (SRD) e apesar de assustarem pelo tamanho (Otávio, o maior deles, pesa em torno de 45kg), são extremamente carinhosos e estão adorando o tempo a mais que estão passando juntos “Quando eu preciso ir ao supermercado e eu volto para casa parece que fiquei dois meses fora e não só duas horas”. 

 Ela também afirma ter se reconectado consigo mesma e usado o tempo para refletir sobre os planos para o futuro e repensar as prioridades “Quase mil vidas têm sido interrompidas todo os dias por um vírus que existe há menos de um ano e eu não consigo deixar de pensar no que essas pessoas deixaram de fazer esperando o momento certo”

Pedro Porto (42) passa pela situação oposta da Sandra: com dois filhos pequenos em casa (Pedro de 2 e Maria Clara de 5), viu sua rotina virar de cabeça para baixo quando ele e sua esposa precisaram passar a cuidar dos filhos em tempo integral. O casal tinha acabado de colocar o caçula na escola e lamentou que a pandemia chegou no momento em que ele tinha acabado o período de adaptação e já avisou que os filhos só voltam para a escola depois da vacina: “Quando a Maria Clara entrou na escola ela passou uns seis meses ficando doente o tempo todo e isso é normal, imagina com o coronavírus? Acima de tudo quero meus filhos saudáveis”.

Ele trabalha presencialmente meio período três vezes por semana em uma repartição pública e diz estar sendo um desafio conciliar o trabalho dele, da esposa e a criação dos filhos já que as crianças precisam entender que apesar do pai estar em casa, ele não está disponível: “No trabalho, pedi para evitarem me ligarem para assuntos muito longos porque se não é aquela coisa: eu atendo o telefone e algum deles começa a gritar ‘papai, papai’ e fica uma situação chata para mim porque parece que não sei dar educação para os filhos e chato para quem liga porque parece estar se intrometendo em uma situação delicada.” diz o funcionário público que afirma estar consumindo mais conteúdos de humor e ter se afastado um pouco dos noticiários para ainda conseguir ver alguma esperança “Não que eu ache que as notícias são mentiras e os números são inventados, mas eu acho que criaram uma narrativa horrível em cima de tudo." 

Porto completa dizendo que apesar de ser um período difícil, terá boas lembranças quando tudo isso acabar e se tornar uma página virada na história da humanidade “Eu estou adorando poder passar mais tempo com os meus filhos, principalmente com a Maria Clara que está se alfabetizando agora. Eu me aproximei muito dos dois, sei que em 20 anos nós três vamos olhar com saudades para estes dias, apesar de tudo”.

Atividade de Alfabetização

Quando trata da educação dos pequenos, a professora de ensino infantil Tabata Siqueira (28) diz que esse é o maior desafio da sua carreira, mas que só explicitou um problema que já existia antes, a falta de comprometimento dos pais na educação dos filhos: “O comprometimento com a educação dos filhos é cada vez menor e quando a gente vê um pai ou uma mãe que faz lição com o filho e que conversam com a gente sobre alguma dificuldade, dá vontade de abraçar e dizer ‘obrigada por se importar com seu o próprio filho, isso vai fazer diferença na vida dele!”

Professora em uma escola bilíngue de uma rede canadense, Tabata diz que é importante os pais fazerem os filhos entenderem, na medida do possível, que isso não é férias e uma maneira de fazer isso é colocando eles para assistir as “lives” que as professoras fazem: “Tenho alguns alunos que no ambiente doméstico se desenvolveram muito e é bonito ver isso porque você sabe que aquela criança tem um bom ambiente para se desenvolver”, mas isso vem com muitas horas extras e nenhuma compensação financeira: “Eu tenho trabalhado umas 15h todos os dias e ainda sou obrigada a escutar do meu marido que eu só monto Power Point. Que raiva! Eu sempre respondo que ele não aguentaria um dia no meu lugar”.

 

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