São Paulo conta com 46 candidaturas coletivas registradas, das quais 33 são para deputado estadual, 12 para deputado federal e uma para senador nas eleições deste ano. Esses movimentos estão filiados a partidos de esquerda e centro-esquerda. Partidos como o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PT (Partido dos Trabalhadores), contam com um pouco mais de 40% das candidaturas coletivas registradas.
O número de candidaturas coletivas quintuplicou em comparação com as eleições de 2018, em São Paulo. Na última corrida eleitoral, 18 mandados coletivos concorreram a cargos no Legislativo, enquanto neste ano o número chegou a mais de 40 candidaturas. Esta modalidade se popularizou por possibilitar ao candidato um meio mais competitivo para disputar as eleições.
Os coletivos, que surgiram como uma alternativa aos cargos individuais, visam à descentralização do poder e o aumento da representatividade e participação popular. São formados por pessoas com um propósito político comum, que se organizam e escolhem um membro para representá-las no congresso. Desta forma, além do titular do mandato, os demais integrantes também participam das tomadas de decisão.
Dentre as principais causas desses movimentos estão: a luta pelo direito igualitário das mulheres, a luta antirracista, a luta pró-LGBTQIA+ e a luta pela educação de qualidade.
Uma dessas candidaturas é a do movimento Povo da Cultura, que concorre pela primeira vez a um cargo na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) pelo PSOL. O movimento, formado por representantes de diversos movimentos culturais de São Paulo, atua pela valorização da cultura enquanto principal foco de enfrentamento aos diversos preconceitos da sociedade, como o fascismo e o racismo.
Para Bruna Reis, co-deputada do Povo da Cultura, a ideia de um mandato coletivo é de permitir um espaço aberto à participação popular constante, seja por meio da chapa, do coletivo, ou até mesmo dos conselhos estaduais e regionais: “É essencial um Mandato Coletivo da Cultura que institua mecanismos de participação, acolhendo diversos lugares de fala, contextos territoriais e somando vivências e experiências de diferentes atores, para que os processos se construam de forma plural”
A doutora em direito político Roberta Gresta, vê o modelo atual positivamente: “O modelo atual de ‘candidatura coletiva’ têm permitido que pautas transversais aos partidos políticos aflorem no debate eleitoral e se fortaleçam, o que é benéfico à diversidade e, portanto, à democracia”
“Temos visto experiências ricas em que os chamados 'co-candidatos' ganham visibilidade durante a campanha, integram posteriormente o gabinete da pessoa eleita. Isso aumenta a identificação social do mandato e pode servir como celeiro de lideranças e de futuras candidaturas”, exemplifica a doutora.
Entretanto, Acacio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional, questiona o modelo destas candidaturas: “Os mandatos coletivos têm mostrado pouca efetividade no cumprimento de um dos seus propósitos, que é a descentralização de poder, uma vez que, na maioria dos casos, o titular do cargo exerce hierarquia sobre os demais ‘co-titulares’, o que faz com que, na prática, estes sejam assessores iguais aos demais”
Apesar de terem ganhado força, ainda não foram regulamentados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ano passado, o TSE autorizou o uso do nome do movimento ao lado do “titular”, pois mesmo que a proposta seja de uma candidatura coletiva, o mandato ainda é individual, de acordo com a lei eleitoral.
A não regulamentação dos coletivos, junto com a sua popularização é outro fator que pode gerar dúvida em relação à integridade e seriedade destes grupos. Para Acacio, a falta de regulamentação torna o mandato coletivo uma mera narrativa eleitoreira, sendo usado por alguns apenas para facilitar o êxito eleitoral.
“Após a devida regulamentação, a sistemática será válida, especialmente com vistas a tornar mais plurais as discussões legislativas, além de possibilitar disputas eleitorais mais paritárias”, afirma Acacio.
Por outro lado, para Roberta, a regulamentação dos mandatos coletivos pode pôr em xeque uma regra basilar da democracia ao interferir no peso dos votos: “Se grupos poderem concorrer com vários candidatos, isso multiplicará o peso de quem votou no grupo, já que em lugar de eleger um único candidato com um voto, o eleitor elegeria vários”
“O grupo também levaria vantagem sobre a candidatura uninominal se pudesse continuar concorrendo caso um de seus componentes fosse declarado inelegível”, explica a doutora. Por isso, Gresta vê o modelo atual de "candidatura coletiva” positivamente: “Acredito que o mais equilibrado é manter as regras como são hoje: candidaturas individuais, mas com ampla possibilidade de se identificarem com coletivos e movimentos políticos cujas pautas representam”
Para Cris Banhol, do mandato “Educação e Luta”, as possíveis divergências que poderiam ocorrer dentro do movimento não seriam a principal dificuldade: “Assim como nosso partido, o PSTU, nós nos organizamos a partir do centralismo democrático. Ou seja, temos a mais ampla democracia interna para apresentar posições, encaminhamentos e divergências”. Cris conclui dizendo que a falta de tempo e de recursos são problemáticas, mas que podem ser encaradas por meio da total dedicação e organização por parte de seus membros.
“As candidaturas coletivas têm como base principal a união de propósitos de pessoas que até pouco tempo não habitavam o universo político”, esclarece Acácio.
Para Aldenis Dias dos Santos, candidata às eleições federais deste ano pelo coletivo “Mulheres em Todas as Lutas”, e que vivencia a prática democrática do coletivo, a discussão é fundamental. “Os eventuais conflitos são aqueles próprios da luta coletiva. Vivemos em uma sociedade, que um dos tripés dela, uma sociedade pró-lucro, é o individualismo, é a competição. A experiência de mandato coletivo vem para quebrar isso, sendo a única forma de resolução o debate e a discussão"