Número de candidatos indígenas aumenta, porém representatividade segue baixa

Após anos sem representatividade, os povos indígenas já conseguem observar algumas mudanças dentro da política, mas ainda não se tornou o suficiente
por
Rafael Monteiro Teixeira e Renan Mello
|
05/10/2022

 

São Paulo é um dos Estados com mais candidatos indígenas, contando com 7
candidaturas, ficando atrás de Roraima (29) e do Amazonas (18), estados onde a
presença indígena é muito maior que a de São Paulo, porém a representatividade
segue baixa. 

De acordo com o IBGE, no ano de 2015, São Paulo é o 3º Estado com o maior
número de indígenas, com 41.794 índios, ficando atrás do Amazonas (113.391) e do

Mato Grosso do Sul (73.295). Partindo do número total da população, estima-se que para existir uma representatividade válida dentro do contexto político, seria
necessários 11 candidatos eleitos dentre aqueles que ocupam alguma cadeira no
poder administrativo do Estado.

Mesmo tendo uma grande concentração de indígenas no Estado, eles ainda acabam
sendo por muitas vezes invisíveis diante dos poderes públicos e da sociedade, o que
geralmente os deixam em situações de vulnerabilidade social, pois são colocados em
pequenas regiões que se mostram insuficientes para expandir e até mesmo manter
sua cultura.

Com isso, muitos povos indígenas, que moram em São Paulo, acabam sofrendo com
insegurança alimentar, mesmo aqueles que já possuem suas terras já regularizadas.

Esses problemas são históricos, pois até a constituição de 1988 eles não eram nem
considerados cidadãos plenos, sendo tutelados apenas pelos seus estados. E mesmo
após a constituição de 88 que garantiu alguns direitos para os povos indígenas, eles
ainda continuam sistematicamente tendo seus direitos violados, inclusive por
propostas parlamentares.

Isso acontece por conta da falta de pessoas dentro da política que têm contato com a
realidade dos povos indígenas.

Indígenas e sua participação na política de São Paulo

 “Não podemos deixar os povos indígenas nas mãos de pessoas que nunca pisaram
em um território indígena, que nunca soube o que uma mulher indígena passa” diz a
co-candidata do PSB, Vanusa do conselho Kaimbé, do movimento nacional dos povos
indígenas, sobre a representatividade dos povos nativos na política de São Paulo.

co-candidata
Vanusa Kaimbé (Arquivo pessoal)

A co-candidata ainda complementa que a política brasileira de um modo geral é um
lugar hostil e machista, onde a maior parte das pessoas que a compõem são homens
brancos que nunca viveram o que muitos brasileiros vivem.

Para ter uma maior representatividade na política de São Paulo, não é necessário
apenas um candidato, deputado ou senador indígena, mas é necessário ouvir tais
comunidades para saber quais são suas prioridades e também ouvir os coletivos
desses povos em São Paulo antes de tomar decisões que os afetem.

O maior problema é a falta de incentivo e de apoio para candidatos desse tipo, pois
muitos deles acabam desistindo no meio do caminho por conta desses fatores. A
política em si não tem abertura para as classes populares, então acaba sendo difícil de
fazer campanhas políticas onde poucas pessoas irão apoiar. 

Mesmo assim, algumas pessoas, vendo como os povos indígenas são tratados pelos
atuais gestores do país, arrumam forças para continuar tentando ingressar na vida
política e mudar esse cenário.

“Decidi entrar na política quando eu vi o que o governo atual anda fazendo com os
indígenas, os aniquilando completamente com políticas sem punição para as pessoas
que invadem suas terras” diz Vanusa, sobre sua decisão de entrar na vida política.

Outro despertar para ela, foi quando estava sendo discutido a PL da morte - onde
transferia a responsabilidade de terras indígenas para o legislativo, onde agora seria
permitido tirar os índios das terras que já os pertenciam a décadas – e ela notou
apenas uma única indígena, além da própria votação acabar com 70% de votos a
favor desse projeto de lei.

Uma de suas propostas é trabalhar em favor da vida indígena, focando no bem estar e
respeito a sua cultura, Vanusa finaliza a sua proposta com seu lema de campanha
“Juntos pela vida”.

PSOL e sua representatividade indígena

Chirley Pankará, candidata do PSOL, também conta sobre sua dificuldade de
ingressar na política, dizendo que estar nesses espaços é como romper bolhas muito
difíceis de serem rompidas, pois a política no estado já é assim há muito tempo, sendo
difícil de ser mudada.

Chirley
Chirley Pankará (Arquivo pessoal e Divulgação)

Caso Pankará seja eleita, ela seria a primeira mulher indígena a ocupar um lugar na
assembleia legislativa do Estado de São Paulo como deputada estadual, tendo em
vista que Vanusa é uma co-candidata. “Seria uma representatividade enorme pois eu
fui escolhida pelos povos indígenas, tanto os que vivem nas aldeias como os que
vivem dentro do contexto urbano, para os representar”.

O PSOL é um dos partidos políticos onde mais possui representantes indígenas em
todo o Brasil, com 15 candidatos, utilizando de sua base de apoio para fortalecer
essas candidaturas. É um começo para essa representatividade, mas ainda é muito
pouco para de fato ajudar esses povos.

Para isso, eles precisam ser mais envolvidos e ouvidos quando é necessário que
políticos tomem decisões que os afetem, tratando-os com respeito e utilizando do
diálogo para tal. “Geralmente são partidos de esquerda que se preocupam com os
povos indígenas” complementa a candidata do PSOL.

“Pretendo fazer o que os povos indígenas demandarem, a minha candidatura a todo
momento foi construída com eles. Então eu irei levar as questões ambientais, de
saúde, de educação, de soberania alimentar e a cultura desses povos no Estado de
São Paulo”, diz Chirley sobre as principais pautas que ela aborda em sua campanha.

Ela ainda complementa que essas não são suas propostas finais que ela pretende
abordar quando for eleita, mas sim uma base, e caso surjam outras necessidades, dos
povos indígenas, que sejam mais urgentes trazer como pauta para a assembleia
legislativa de São Paulo. 

Como os indígenas podem garantir seu direito político

“Entendo que a maior falha dos políticos atuais em relação a esses povos é não
cumprir ou assegurar seus direitos que já estão prescritos na constituição, propondo
por muitas vezes, coisas que vão contra.” Diz Roberta Hesse, antropóloga, que faz
trabalhos junto a índios do povo Xingu.

Principalmente nos últimos anos houve uma escalada na flexibilização de leis que
incentivaram o garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, violências físicas e
psicológicas contra eles, além do desmantelamento da FUNAI, órgão responsável por
questões indígenas.

“Penso que os políticos deveriam ler o capítulo indígena da constituição e atuar com
base nela, pois as leis sobre como as terras indígenas precisam ser demarcadas,
como devem ser escolas indígenas, assim como a saúde deve ser providenciada para
eles já estão lá, só precisam ser postas em práticas”, finaliza a antropóloga.

Para a antropóloga e cientista política Cristiane Martins a elaboração e implementação
de políticas públicas que assegurem que garantam aos indígenas o direito à terra, a
proteção de seus territórios, acesso aos serviços básicos e fazerem os recursos
públicos chegarem a esses povos.

“Primeiramente, é fundamental aceitarmos que as políticas públicas voltadas para os
grupos indígenas devem ser protagonizadas por eles, desde a sua elaboração até a
implementação. Para esta, é fundamental viabilizarmos as candidaturas nas esferas
municipais, estaduais e federais ``, completa Martins.

Ela ainda complementa que as maiores dificuldades desses povos para entrar nesse
meio político estão justamente atreladas às dificuldades sociais, ambientais, de saúde,
econômicas e de acesso aos direitos fundamentais de base.

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