No último domingo de março, o canal TNT transmitiu ao vivo a 94ª edição do Oscar, que contou com mudanças e muita repercussão. A premiação, normalmente marcada pela ansiedade do público, teve a entrega das estatuetas ofuscada.
Além das recentes adaptações na elegibilidade das indicações, o evento foi criticado por não transmitir determinadas categorias, como fotografia, montagem, melhor curta-metragem e maquiagem. O motivo, divulgado em uma carta pelo presidente da Academia, David Rubin, seria para manter a audiência engajada através de um tempo menor de transmissão. Ainda assim, a organização recebeu uma série de questionamentos sobre a atitude, pois para alguns espectadores, isso significaria dar mais importância a algumas categorias do que outras.
O jornalista e sócio produtor da Kurundu Filmes, Alexandre Petillo, considera a decisão uma desvalorização. “Acredito que eles poderiam encontrar uma forma mais criativa de otimizar a audiência, mas isso já seria um erro, porque quem assiste ao Oscar é quem gosta de cinema. A gente que gosta, reconhece.”
Apesar disso, a internet foi tomada por discussões sobre a natureza destas mudanças, afinal, a academia também depende do engajamento do público. Mauro Peron, doutor em Multimeios pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, indica ser muito cedo para avaliar se a decisão está correta, pois em virtude da pandemia, as quedas na audiência eram esperadas. “Talvez precisemos de mais tempo para avaliar qual direção as mudanças de transmissão seguirão, como vão se comportar as plataformas de streaming e como vai se comportar a realização cinematográfica.” Indica.
Ainda assim, algumas mudanças chegaram a ser bem recebidas. Um exemplo é a chegada das produções das plataformas de streaming que vem sendo adotada desde 2013, com o documentário The Square. O motivo de tanta felicidade é a indicação de filmes mais acessíveis e diversos. “Precisamos pensar que essa pandemia reduziu o público nas salas de cinema, um público que em parte passou a buscar com maior intensidade as plataformas de streaming”, explica Peron sobre as novidades.
Não é a primeira vez, porém, que a Academia introduz mudanças na premiação. ‘‘A chegada de algo novo é uma questão que sempre pode gerar surpresas ou dúvidas. Por exemplo, em 2019 a categoria de Melhor Filme Estrangeiro passa a ser substituída pela categoria de Melhor Filme Internacional, como uma forma de contemplar melhor uma diversidade’’, analisa Peron.
Já Petillo acredita que a grande virada da modernidade na academia foi com a premiação de Parasita, em 2020. “Mesmo que não seja um filme vindo de uma plataforma de streaming, porque a academia foi muito resistente, né? O espaço para produções mais ousadas vai continuar aumentando mas precisamos lembrar que os membros da academia não vão deixar de considerar esse cinema mais tradicional, mais difícil." Essa abertura ainda está acontecendo, e é gradual, bem como uma certa hegemonia sendo quebrada: a de sempre as produções dos mesmos estúdios serem indicadas. De certa forma, os créditos vão para produtoras como Netflix, Apple, Amazon e outros gigantes do streaming que se inseriram de forma lenta nas indicações e até mesmo entre os ganhadores.
‘‘Em relação aos novos estúdios, em primeiro lugar, é preciso observar que os contextos econômicos, sociais, políticos e culturais são fontes mobilizadoras que acabam por chegar nos filmes, mesmo que em velocidades diferentes. Então, novos contornos sobre a questão LGBT, as discussões raciais, a luta das mulheres e a causa ambiental têm articulado muitos cineastas ao redor do mundo. Em segundo lugar, é importante notar que os maiores conglomerados de mídia do planeta seguem o comando das grandes plataformas de streaming, como Disney, Amazon e Netflix. Então, ainda que as produções internacionais possam ter maior espaço nessas plataformas, penso que os gigantes do entretenimento tendem a comandar a centralidade da produção cultural norte-americana’’, comenta Peron. Petillo concorda, “essas plataformas abriram completamente esse mercado, porque o que é interessante não só do seu modelo mais jovem e diferente de fazer cinema é que eles também têm um público completamente diferente do tradicional, é muito mais diverso.”
A edição deste ano foi marcada por muito além de críticas e confusões. Existiram muitas indicações que sequer chegaram a passar nas telonas, mudança essa que ocorreu em 2021, quando deixou de ser necessário que as produções fossem exibidas nos cinemas para serem classificadas. Afinal, o mundo enfrentava uma grande pandemia que não permitia a abertura das exibições, tornando plataformas de streaming os grandes heróis.