A universidade é das mulheres. De acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e o Censo da Educação Superior 2018, a presença feminina no ambiente acadêmico chega a 71,3% em cursos de graduação de licenciatura. Além disso, os resultados do Censo da Educação Superior 2019, divulgados em outubro de 2020, confirmam que a maioria dos concluintes de graduação é feminina – não superando a população masculina apenas nas áreas de Engenharia e Computação.
Apesar de serem a maioria nas universidades, as mulheres apresentam maiores dificuldades na procura por um emprego. Isso é o que aponta o relatório Education at Glance 2019, uma espécie de raio-X da educação divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, também tida como “clube dos países ricos”). “Embora a disparidade de gênero na educação favoreça as mulheres, a situação no mercado de trabalho é ao revés”, indica a pesquisa.
O relatório mostra uma das possíveis causas para essa dificuldade em encontrar um emprego. Segundo sua conclusão, a empregabilidade da população feminina brasileira, de 25 a 34 anos, com ensino superior é de 82%, caindo para 45% de chance se a candidata não tiver ensino técnico. Por outro lado, os homens com ensino superior apresentam uma taxa de empregabilidade de até 89%, caindo para 76% caso não tenham essa formação.
A universidade sob os olhos delas
Mesmo compondo a maioria dos universitários, as mulheres nem sempre possuem uma trajetória tão tranquila no ambiente. Enquanto umas lidam com os afazeres do lar e os estudos, outras ainda têm que enfrentar preconceitos e dificuldades no campo acadêmico.
“Fiquei desfalcada”
Com certa raridade, há mulheres mais novas que ingressam em uma universidade. É o caso de Maria Julia Bernardes, mulher negra que ingressou no curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) aos 16 anos de idade. Devido à sua capacidade intelectual avançada, “pulou” o primeiro ano do jardim de infância e foi direto para o segundo ano do fundamental I.
De acordo com a universitária, a questão da idade não foi um grande problema. Assim, ela relata que os únicos empecilhos foram as festas, as quais não podia frequentar por ser menor de idade até o terceiro semestre do curso. No restante, a aluna não identificou nenhuma diferença.
No entanto, Maria Julia relembra apenas um momento em que teve um contratempo por ser menor de idade, mas não na universidade. “A única vez que isso me prejudicou mesmo até agora foi em um concurso de estágio que prestei (…). O critério de desempate era a idade”, alega. Segundo ela, teve que usar uma vaga de cota racial no estágio, a qual não queria, já que tinha nota suficiente para o cargo. “Mas, por essa questão da idade, fiquei desfalcada, aí eu usei [a cota racial] porque, se não, eu não entraria”.
Maju, como gosta de ser chamada por amigos e familiares, não se lembra de viver episódios racistas no meio acadêmico. Por outro lado, não deixa de avaliar que a presença de mulheres negras nas universidades é baixíssima.
“Nascer mulher é todo momento ver te colocarem em ‘seu lugar’”
Renata Machado, mais conhecida como Renata Tupinambá, é jornalista e indígena. Por carregar seus ancestrais e orgulhar-se de ser uma Tupinambá, enfrentou preconceitos tanto na universidade quanto na profissão. No ramo acadêmico, inclusive, era a única estudante indígena do curso e sua terrível companhia era a invisibilidade.
Eu era a única estudante indígena no meu curso. Comecei em 2007 e fui até 2016, por trabalhar e fazer menos matérias na grade curricular. Alguns colegas de universidade buscavam entender e alguns nem sabiam de minha origem. Existia muita invisibilidade. Eu também era mais discreta (...) não me sentia à vontade em falar sobre certos temas, depois de um tempo passei a expor mais.
No trabalho, sua origem também foi alvo de discriminação. Em seu caso, contudo, a hostilidade era dupla, afinal, era mulher e carregava suas raízes indígenas. “Profissionalmente, sofri preconceito em alguns trabalhos que realizei por conta da minha origem. Em que era reforçado o discurso eurocêntrico de ‘indígenas serem preguiçosos’ ou que não teriam conhecimento suficiente. Sendo mulher essa pressão de que você precisa ser melhor três vezes no que realiza era maior (...) Não podemos normalizar a violência que sofremos”.
Por fim, Renata reflete que ser mulher e viver em uma sociedade patriarcal não é uma tarefa nada fácil. Aliás, reforça que a caminhada é cheia de pedregulhos. No entanto, cada marca e cada luta é motivo de orgulho, razão para jamais esconder a própria identidade. “Nascer mulher é todo momento ver querer te colocarem em ‘seu lugar’ ou no lugar que acreditam ser o seu. É sobreviver ao ódio e ranger dos dentes dos que não conseguem sentir alegria pelas conquistas femininas, que nunca são sozinhas, mas coletivas e por isso significativas. Sou muitas pessoas e sobrevivo por elas. Existe amor, alegria e dor na minha história e aprendi a não esconder cicatrizes”.
“Desistir nunca passou pela minha cabeça”
Ao ficar grávida aos 19 anos, no cursinho pré-vestibular, Raquel Grecco vivenciou os dilemas de conciliar a criação de um filho junto à faculdade de Medicina. Sendo assim, a estudante passou na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e casou no mesmo mês. Em junho do primeiro semestre, deu à luz ao seu primeiro filho.
Diante da situação, Raquel afirma que nunca pensou em desistir da faculdade. “Achei, em alguns momentos, que não fosse acompanhar, mas tive ajuda de grandes amigos e do meu marido. Mas desistir nunca passou pela minha cabeça. Ser mãe, médica e me casar sempre fizeram parte dos meus objetivos, o detalhe é que tudo aconteceu em 2 meses!”, confirma.
Na época, a obstetra morava em São Paulo e estudava em Mogi das Cruzes. Segundo ela, ia para a faculdade de dia e deixava Guilherme, seu filho, em um berçário próximo a sua casa. “Acredito que como se trata de minhas grandes paixões, não deixei as dificuldades se sobreporem à minha realização pessoal e profissional”, finalizou Raquel.
Essas são três histórias de mulheres com trajetórias diferentes. Mas uma coisa é certa: quando uma mulher decide ir à luta, nada, nem ninguém, a impede de atingir seu objetivo final.