Por Rodrigo Marques
Ao longo de décadas, o rock, um dos gêneros musicais mais emblemáticos da cultura pop contemporânea, tem testemunhado uma evolução em termos de representatividade das mulheres. Inicialmente relegadas aos bastidores, com o estrelato dado sumariamente aos homens, as mulheres têm desempenhado papéis cada vez mais proeminentes na cena do rock, desafiando estereótipos e redefinindo os limites do gênero musical ao longo de vários anos. De vocalistas a guitarristas, baixistas a bateristas, compositoras a produtoras, as mulheres têm desempenhado papéis essenciais na música. Artistas como Joan Jett, Rita Lee, Janis Joplin, Cassia Eller, Suzi Quatro e Patti Smith, entre muitas outras, emergiram como ícones, demonstrando talento e muita simpatia no palco.
É nesse cenário que se encontra Michelle Alves, vocalista e líder da banda de indie rock NBM (Nunca Beijei de Mochila). Recém formada em letras na USP, formou a banda ainda no primeiro ano de faculdade como um trio. Contou que desde pequena gostava bastante de música, mas só depois que seu pai a levou em um show do Iron Maiden em 2009 que se encantou com o rock. Começou ouvindo principalmente rock pesado, mas sentia que não se encaixava com estilo. Posteriormente, foi se encontrando melhor através do alternativo e o indie, pois eram estilos que conversavam melhor com sua personalidade. A partir daí, aprendeu a tocar violão/guitarra e começou a conhecer as grandes nomes do gênero. Sua artista favorita é a Stevie Nicks, do Fleetwood Mac.
Sua ideia inicial era uma banda normal, ou seja, não necessariamente ser só de garotas, mas encontrou dificuldade para achar outros membros. A maioria das pessoas da sua sala ouviam MPB ou sertanejo, só quando conseguiu furar a bolha social do seu curso que encontrou o que procurava, e curiosamente também eram garotas. Daniela é a baterista e fazia artes plásticas e a Marina, de psicologia, no baixo. No início, não ligava muito para os gênero dos integrantes, mas depois achou uma boa ideia. Uma banda de rock só de garotas universitárias, soou incrível. Começaram a ensaiar juntas depois das aulas e aos poucos fazer alguns shows pelo imenso campus da USP. Notou algo curioso em relação ao público, enquanto as outras meninas achavam um máximo, os rapazes ficavam divididos entre os que apoiavam e curtiam e aqueles que só iam por curiosidade ou tirar sarro.
Foi a primeira vez que percebeu que não seria tão fácil ter uma banda feminina. Por mais que fosse boa, precisava convencer também. Michelle passou a escrever músicas mais potentes poeticamente e melhorar as melodias. Mesmo chamando bastante atenção pelo campus, tocando até mesmo na rádio USP, ainda tinham que lidar com os narizes torcidos e surgimento de “haters” nas redes sociais. No fim, a perseverança começou a dar frutos. Conseguiram produzir uma demo com ajuda de colegas, chamando a atenção de produtores alternativos e independentes, organizaram shows em lugares com públicos maiores e estão prestes a lançar seu primeiro EP em estúdio. Para ela, foi gratificante depois dos problemas e as críticas enfrentadas ser recompensada por aquilo que lutou para conseguir, esperando ser a primeira de muitas. No momento, o trio compõe músicas para serem usadas em um futuro albúm inteiro.
Por outro lado, existem bandas de mulheres que usam as ideias e o engajamento feminista como forma de lutar, quase literalmente, por maior representatividade do rock entre as mulheres. O apoio do som punk, o principal gênero musical relacionado aos movimentos sociais institucionalizados, com os ideais “básicos” do feminismo: letras que falam de liberdade sexual, violência, relacionamentos abusivos e aborto, acabou criando um amálgama perfeito entre música e letras. Mesmo com as primeiras bandas surgindo ainda no auge do movimento (anos 1970 e 80), foi a partir dos anos 1990 que o feminismo realmente se popularizou dentro do punk, com o nascimento de um subgênero chamado Riot Grrrl (algo como “garota revoltada”, em inglês) – que culminaria na terceira onda feminista. Criado em Washington, nos Estados Unidos, o movimento apresentou pela primeira vez bandas exclusivamente femininas, como Bikini Kill, Tribe 8, Bratmobile e Hole, e tinha como objetivo criar espaços seguros para as mulheres e aumentar sua visibilidade dentro do punk, criando selos de música, fanzines e festivais exclusivos para elas.
Através desse mergulho em uma parte do submundo punk, está Edwiges Carvalho, guitarrista e vocalista do Menstruação Anarquika, também conhecida como Diva. Sua banda já tem mais de trinta anos de estrada e lançamentos de albúns, coletâneas e demos. Edwiges entrou em contato com o movimento punk ainda no final dos anos 80, quando via vários Punks em uma Praça no Teatro Clara Nunes em Diadema e sempre tinha admiração vendo eles, suas roupas, o visual. Começou a se aproximar e entender as ideias e a aprender do que se tratava o porquê de tudo aquilo, das bandas, dos zines e tals, foi aprendendo e se identificando com aquilo cada vez mais ao ponto de não conseguir ser ou viver sem isto.
Formou a banda em 1992, num momento em que o punk no Brasil estava em baixa, devido às brigas e o desinteresse público. O início foi bastante complicado devido aos altos cultos para manter coisas como equipamentos e local de ensaio, mas desistir estava fora de cogitação. Tentou até ter membros masculinos no grupo, mas abortou a ideia pois todas vez que tocavam, resultava em briga. O primeiro registro veio na coletânea "SP Punk Vol.1" , num convite feito pelo vocalista do Invasores de Cérebro, Ariel Uliana. No entanto, o primeiro albúm só viria a sair em 2009, chamado "Bazar dos Milagres", com quinze músicas autorais. As letras abordam tematicas como anarquismo, liberdade, igualdade e algumas ideias do feminismo moderno, como estupro, o patriarcado, a sexualidade, e o empoderamento feminino. No ano passado, em maio, o grupo lançou seu segundo disco, Maria Bonita. Atualmente o Menstruação Anarquika é uma das poucas bandas de mulheres punk feministas ainda em atividade nos palcos.