As mulheres iranianas precisam ser salvas pelo nosso feminismo?

É importante contextualizarmos as lutas para entender as demandas de diferentes culturas
por
Beatriz Leite
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27/04/2020

 

Vida Movahed protestando contra o uso compulsório do Hijab na Revolution Street. Salampix/ABACAPRESS.COM
Vida Movahed protestando contra o uso compulsório do Hijab na Revolution Street. - Foto: Salampix/ABACAPRESS.COM

No final de 2017, Vida Movahed, uma mulher iraniana amarrou seu hijab (um véu que as mulheres islâmicas usam) na ponta de uma vareta, como uma bandeira, e ficou de pé na rua Enghelab (que em inglês significa Revolution Street), no centro de Teerã. Essa foi uma forma que Vida encontrou de protestar contra o uso compulsório do véu no país. Seu protesto motivou outras mulheres a fazer o mesmo e o movimento ficou conhecido como Girls of Revolution Street (garotas da rua Revolução). 

O Irã é uma república teocrática islâmica governada segundo as leis da sharia, que se baseia nos livros sagrados do Islã: o Alcorão e a Suna. E, um dos preceitos da religião é o uso do véu pelas mulheres. Por isso, Vida e todas as mulheres que adotaram esse movimento de desobediência civil foram presas. 

Os protestos e a obrigatoriedade do uso do hijab levam a muitas feministas ocidentais a olhar as muçulmanas como mulheres subjugadas e que não podem fazer suas escolhas. Porém, Franciosy Campos Barbosa, antropóloga muçulmana que escreveu o artigo “Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade” acredita que o uso do véu não torna a mulher socialmente submissa. Ele tem uma razão religiosa e o feminismo ocidental colocar que para a libertação das mulheres é necessária a retirada do hijab, é deslocar todo o contexto social que o país vive. Mas a antropóloga reconhece também que haver uma punição por não usar o véu é controverso: “o lenço, apesar de ser uma obrigação alcorânica, não está escrito que um homem tenha que obrigar a mulher a usar. A partir do momento que ela não coloca por vontade própria, é uma imposição da lei daquele país, eu acho complicado.” 

Após o movimento Girls of Revolution Street, começaram a aparecer diversos textos de feministas ocidentais falando como é necessário apoiar a ação, como se fosse “o nascer do feminismo” no Irã. Porém, Franciosy acredita que isso ocorre porque a cultura ocidental estigmatiza a vestimenta islâmica e não a vê como uma expressão da religiosidade, identidade e da própria liberdade das pessoas daquele local. Além disso, não se buscou entender a expressividade desse movimento entre as mulheres daquele país. 

Mas, antes mesmo desses protestos, tanto o hijab como outras vestimentas islâmicas já eram estigmatizadas pela mídia e cultura ocidental. Em 2010, baseando-se no projeto de lei nº 524, o governo francês proibiu o uso da burca e do niqab (vestimentas islâmicas usadas em diferentes regiões) em lugares públicos. Novamente, em 2016, quando o “burkini”, o traje de banho que cobre quase todo o corpo usado pelas mulheres muçulmanas, teve seu uso proibido pelas autoridades municipais de 12 balneários franceses. O governo francês justifica essas duas atitudes como formas de  preservar a laicidade do Estado e proteger as mulheres muçulmanas de uma “escravização”. A proibição teve apoio de feministas e de setores denominados mais progressistas. Mas isso não seria ferir a liberdade religiosa dessas mulheres?

Sobre essa suposta falta de liberdade das muçulmanas, Franciosy argumenta que muitos direitos das mulheres estão garantidos pela própria sharia, como o direito ao voto, que é garantido às mulheres desde o século VII. Na França, as mulheres só conquistaram esse mesmo direito em 1945. 

A pesquisadora afirma ainda que no Irã, qualquer movimento que busque respeito aos direitos já garantidos às mulheres na sharia, pode ser enquadrados como um tipo de feminismo. “Mas eu tomo muito cuidado com os termos, porque a ideia de feminismo é uma ideia muito mais ocidental. E não foi o ocidente que ensinou as mulheres a lutarem pelos seus direitos”.

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