Mudança. Todas as mulheres estão acostumadas a sentir na pele os impactos dessa palavra. Mesmo as mais descomplicadas, como um novo corte de cabelo ou a decisão de usar uma roupa diferente, na verdade, não são tão simples assim. Quase sempre, essas transformações são reflexos de uma mudança interior muito maior.

Mulheres que mudaram o mundo
Diversas mulheres protagonizaram mudanças importantes, impactando toda a humanidade. A energia solar, que pode ser a solução de uma possível crise elétrica no mundo, foi invenção de Maria Telkes, em 1947. A geladeira elétrica teve sua criação em 1914, por Florence Parpart. O Wi-Fi (Wireless Fidelity), indispensável nos dias atuais, foi desenvolvido pela atriz Hedy Lamarr - invenção que permitiu enviar torpedos durante a Segunda Guerra Mundial.
Em tempos de vacina contra o coronavírus, é importante lembrar de Letitia Mumford Geer, a responsável pela criação da seringa médica. E para comemorar essa, e tantas outras invenções de mulheres incríveis, nada melhor do que uma taça de champagne, bebida criada por Barbe-Nicole Ponsardin, a Madame Clicquot, nos anos 1800.
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”
O cantor e compositor Raul Seixas escreveu a música de sucesso “Metamorfose Ambulante” em 1988. A letra, que diz em partes: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, poderia muito bem ser o tema da vida de muitas mulheres, que preferiram - ou precisaram - passar por uma ou mais metamorfoses.
Há uma mulher ao seu lado que passou, ou ainda passa, por mudanças impressionantes. Modificações profissionais, a descoberta de uma doença, a transição para uma nova identidade, a maternidade ou a perda de um filho. Essas são apenas algumas das transformações que milhares de mulheres têm de lidar constantemente, muitas vezes sozinhas. Como é impossível colocar aqui o relato de todas as mulheres metamórficas, vamos conhecer a história de três: Adriana, Nicolly e Carolina.
Mudou de cidade, venceu um câncer e deu a volta por cima
Adriana Vieira, 46 anos. | Foto: REPRODUÇÃO/ INSTAGRAM
Adriana Vieira, de 46 anos, passou por três mudanças muito significativas nos últimos anos. A primeira ocorreu com 33 anos, quando mudou de Santos - SP, para Brasília - DF, a fim de ter uma nova experiência profissional no Ministério da Saúde. “Essa mudança me fez sair da zona de conforto, da farmácia que eu trabalhava por mais de 10 anos e que era uma empresa familiar. Eu precisava ousar, ir para novos caminhos e, para isso, tive a ajuda de uma prima que morava lá,” conta. Adriana lembra que a escolha que tomou foi dura, mas instigante. Entre os desafios dessa mudança estavam a gestão financeira e emocional, bem como a busca por qualidade de vida. “Aprendi a criar hábitos novos e não desistir com os primeiros obstáculos”, explica.
A segunda mudança de Adriana foi aos 44 anos, quando descobriu um câncer de mama. “Foi uma pane total, pois eu morava sozinha em Brasília. A família ficou mais tranquila quando fui tratar próxima deles, e isso foi um grande apoio para o meu pronto restabelecimento. Acho que fui apoiada, especialmente pela minha força, fé e pelo sentimento de amor, que cura tudo”, revela. Quando questionada sobre os desafios de enfrentar um câncer, ela esclarece que é vivenciar cada momento com coragem e força, para lutar contra pensamentos negativos.
A descoberta da doença também trouxe outras mudanças: “Mudei hábitos alimentares, busquei por exercícios e me organizei entre as consultas para viver com autocuidado, sem saber inicialmente o poder da autoestima e como ela pode nos levantar ou despencar de vez. É um momento em que o emocional precisa ser fortalecido. Busquei me acariciar de todas as vontades, eu sentia a minha própria beleza. O cabelo não era a minha maior preocupação. Sim, eu senti a perda, foi duro e hoje acho que foi necessário para sentir renascer uma nova pessoa,” relata. A partir da experiência, Adriana começou a trabalhar para desenvolver a autoestima de outras mulheres, fortalecendo o poder interno que todas têm dentro de si. Hoje, ela é Consultora de Imagem e diz que a profissão foi um presente em sua vida.
A terceira mudança é recente. Adriana perdeu o pai, vítima da Covid-19, no dia 5 de abril de 2020, exatamente no dia do seu aniversário. A morte do pai deixou a mãe de Adriana, de 82 anos, sozinha, e por isso apoiar a mãe é essencial neste momento. “Tenho me redobrado para não deixá-la só nessa pandemia. É um desafio organizar a minha vida e a nova vida da minha mãe nessa pandemia, inicialmente auxiliando de longe e de perto. Além disso, há os desafios relacionados à disciplina no tempo, de ter um tempo de qualidade para manter dois trabalhos conjuntos. Tenho usado as técnicas da Consultoria de Imagem para minha mãe ter autocuidado e equilibrar com carinho essa logística em casa”, afirma.
Para Adriana, todas as mulheres passam por mudanças e são representadas por suas escolhas e sonhos. Essas escolhas, por sua vez, traçam a nossa história e nos tornam únicas, sem parâmetros para comparações e, acima de tudo, dão força para lutarmos por nossos desafios. A Consultora de Imagem fez questão de deixar um recado para mulheres que estão passando por mudanças:
“Amplie a consciência de quem você é, sinta-se valorizada por suas experiências, pois o autoconhecimento acontece quando tudo não faz mais sentido e você começa a agir em busca do novo, seguir suas virtudes e valores é a melhor forma de seguir e batalhar por aquilo que te faz feliz. E se não percebemos, a vida fará algo para você entender, para sairmos do controle e sermos mais flexíveis na nossa mente, porque é ela que dá a força para mudarmos e a nossa vida fluir.”
Saiu de casa, tomou hormônios e conquistou a liberdade
Nicolly Pereira, 30 anos. | Foto: REPRODUÇÃO/ INSTAGRAM
Nicolly Pereira tem 30 anos e é uma mulher trans. A mudança já era percebida pelos amigos e familiares durante a adolescência, mas só se concretizou quando completou a maioridade. “Eu saí de casa com 18 anos. De lá pra cá, eu me transformei. Tomei hormônios, fiz programas e conheci a vida. Eu tive a minha liberdade. Quando eu voltei para a casa dos meus pais, já estava transformada.” Sobre o preconceito que sofreu, Nicolly expõe que foi mais discriminada na época em que era “gayzinha” do que quando se afirmou como mulher trans. “Como trans, sempre usei lugares públicos e nunca tive problema nenhum”, conta.
Anteriormente conhecida como Wellington, Nicolly aponta a falta de direitos para as pessoas trans como um grande e persistente problema.
“Não temos direito nenhum. Trans não podem trabalhar em bancos, em empresas. Já mulheres e homens, podem. As pessoas olham as mulheres trans com outros olhos. Por exemplo, eu cheguei a trabalhar no metrô (de São Paulo) por seis meses. Eu estava em transição, quando a supervisora teve preconceito comigo e encerrou o contrato”, desabafa.
Sobre uma esperança de melhora em relação à igualdade de gêneros, Nicolly acredita que ainda falta muito para que isso aconteça, e aproveita para relembrar que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo.
O transfeminismo, ou feminismo transgênero, é ainda muito recente, tendo uma presença mais forte na Internet e redes sociais. Sobre o movimento, Nicolly parece não conhecer muito. “Eu acho que deveria sim existir um feminismo trans, afinal todas as trans devem ter direitos iguais ao de qualquer outra mulher. A partir do momento que a mulher trans passa por uma transformação, ela é uma mulher também”, afirma. Sobre vertentes do feminismo que acolhem as pessoas trans, como o feminismo negro, ela diz não ter tido nenhum contato. “Eu nem sabia da existência desse grupo. Mas é muito bom que ele exista, porque eu sei que os negros ainda sofrem muito preconceito hoje em dia, e isso se assemelha à nós, trans”, e completa: “Um dia nós (trans e negros) vamos juntos vencer a sociedade preconceituosa”.
Com a experiência de quem passou por uma transição de gênero, Nicolly busca ajudar quem deseja fazer o mesmo: “Você tem que saber o que quer mesmo, porque não é fácil. Você tem que enfrentar tudo e todos. A sociedade é um lixo e está longe de aceitar por completo qualquer meio gay. Ainda temos que lutar muito”, completa.
Sofreu um aborto espontâneo e isso a tornou mais sensível e forte
Carolina Lau, 24 anos. | Foto: REPRODUÇÃO/ INSTAGRAM
Aos 24 anos, Carolina Lau passou por uma das mudanças mais terríveis que uma mulher pode passar: perder um filho. Carolina tinha 23 anos quando descobriu que estava grávida. Na época, ela morava com os pais e estava desempregada, assim como o namorado. A notícia foi um susto no começo, mas logo os planos para o novo membro da família começaram.
Infelizmente, em uma consulta de rotina, Carolina descobriu que havia sofrido um aborto espontâneo. “Com algumas semanas comecei a sentir um incômodo no coração, e algo me dizia que não estava tudo bem, mas pensei que fosse só receio de uma mãe de primeira viagem. Quando descobri que o feto tinha parado o desenvolvimento, vi que aquele incômodo no coração não era coisa de mãe de primeira viagem. Foram dias longos, pois o meu corpo não tinha expelido o feto. Carreguei por mais de 15 dias um bebê sem vida, dentro de mim”, conta.
Carolina revela que, apesar de receber muito consolo por parte de familiares e amigos, foram dias árduos, só dela. “Só eu e quem já passou por isso entende essa dor. Naquele momento a vida parecia injusta, que a dor nunca ia cessar. Ela não cessa, mas é amenizada”, confessa. Com a perda, vieram as mudanças interiores e os aprendizados. “Hoje entendo os planos de Deus e aceito. Aquele não era o momento. Me vejo uma mulher mais sensível e mais forte ao mesmo tempo. Após isso, me vejo com a capacidade de olhar pros dois lados da ‘moeda’”, explica.
A pandemia também trouxe mudanças para a vida de Carolina. Em janeiro de 2020 ela foi contratada por uma empresa, e dois meses depois, com o início do surto no Brasil, acabou sendo afastada. No entanto, apesar do afastamento, a empresa continuou pagando normalmente os funcionários, o que para Carolina é um alívio. “Me sinto uma mulher privilegiada. Sei quantas famílias sofrem com essa situação, porém, se fui atingida, foi o menos possível”, relata.
Em agosto do ano passado, mais uma transformação: junto com o namorado, Carolina abriu uma hamburgueria. Mas, apesar do bom retorno inicial, com a situação difícil do país, foi preciso devolver o imóvel ao proprietário. “Talvez aí a pandemia tenha nos atingido. Em dezembro o fluxo começou a cair, fisicamente. Estamos dando continuidade como delivery, mas, como disse, e graças a Deus, somos privilegiados pois se a pandemia nos afeta, é o mínimo, perto de tantas famílias que infelizmente passam fome”, afirma.
Pensando em ajudar quem foi mais prejudicado pela pandemia, Carolina está criando um projeto na hamburgueria, para arrecadação de alimentos. “Iremos isentar o cliente da taxa de entrega, em troca de um alimento perecível. Assim, ajudaremos as famílias necessitadas. Isso ainda não foi divulgado no perfil da loja, mas em breve será divulgado”, revela. Por mais difícil que seja relembrar os tristes momentos que viveu após a perda do bebê, Carolina é otimista com os aprendizados.
“Sejam receptivas às mudanças. Por mais que doa. Sejam resilientes. Toda mudança tem seus benefícios, por mais que machuque sair da nossa zona de conforto, é isso que nos transforma”, conclui.
Mulheres metamórficas
Como afirmou a “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher, primeira mulher a ocupar o cargo de Primeira-Ministra no Reino Unido, “existe dentro de si uma força capaz de mudar sua vida, basta que lute e aguarde um novo amanhecer.” Os relatos acima apresentam as mudanças como aprendizados e nos ensinam que nenhuma mulher deve ter medo de enfrentá-las, por mais difíceis que sejam. Todas as mulheres têm um pouco de Maria, Florence, Hedy, Letitia, Barbe-Nicole, Margaret, Adriana, Nicolly, Carolina e de tantas outras mulheres metamórficas incríveis. Que façamos como a lagarta, que passa por uma metamorfose, para enfim, voar!