A luta das mulheres descendentes de asiáticos contra o estereótipo étnico

A mulher amarela sofre com padrões racistas, xenófobos e machistas. Mas essas questões aos poucos estão ganhando visibilidade e sendo discutidas em todos os ambientes
por
Heloisa T. Shibuya
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22/03/2021
Foto:  Jéssica Yumi e Celina Tanaka para ensaio sobre o anti-amarelo
Foto:  Jéssica Yumi e Celina Tanaka para ensaio sobre o anti-amarelo

São muitos os estereótipos que perseguem as mulheres de origem ou descendentes de asiáticos no mundo todo e em todos os momentos da vida. À primeira impressão, são consideradas fofas, delicadas e tímidas. Já nos estudos, elas são inteligentes, com as melhores notas e sempre boas nas áreas de exatas. Nos relacionamentos e no sexo, são exóticas, submissas e silenciosas.

Quando se é uma mulher amarela (nome dado às pessoas de origem ou descendentes de asiáticos) no Brasil, a situação não muda muito. Grande parte dos descendentes de asiáticos, ainda tem dúvidas sobre a sua cor, sua identidade em si. Em um país em que é considerado o lugar com mais japoneses e descendentes fora do Japão, somando uma população com mais 2 milhões de pessoas, apenas 1,1% dos brasileiros se consideravam amarelos, enquanto 42,7% se declararam como brancos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2019. “Eu sempre tive dificuldade de me enxergar com uma mulher amarela porque não entendia essa classificação. Eu olhava para a minha pele achava que era branca, eu falo português como primeiro idioma, nasci no Brasil e sou o clichê de uma paulistana. Ao mesmo tempo venho de uma família em que ambas as partes seguem religiões japonesas (Budismo e Tenrikyo), sempre estive muito conectada com a cultura de Okinawa (ilha do extremo sul do Japão) e é inegável que tenho o fenótipo asiático”, diz a artista Tatiana Matsumoto. Ela também conta que chegou a odiar sua descendência por não se ver representada na televisão e nas revistas. “Mesmo estudando em uma escola com muitos alunos e funcionários de família japonesa, ver essas pessoas não era suficiente. Quando, raramente, um asiático aparecia na TV era sempre carregado de estereótipo: o imigrante que fala um segundo idioma errado e apesar de ser muito inteligente também é atrapalhado, ou extremamente sério e apático. Essa imagem ignora a as gerações que nasceram no Brasil e que além de terem o português como língua materna se identificam muito mais com a cultura brasileira. Desconsidera que os asiáticos são plurais, que cada indivíduo tem sua personalidade e preferências”, afirma.

O machismo, junto do racismo e da xenofobia, forma o psicológico das mulheres amarelas desde a infância. Nas escolas, há uma pressão de que elas devem ter as melhores notas e são especificamente boas em matérias como matemática, física e química – mito conhecido como “mito da minoria modelo”. Essas meninas não se veem representadas em nenhum local e quando isso acontece, há sempre um padrão extremamente preconceituoso.

Depois, quando adultas, passam pela fetichização, algo recorrente no mundo inteiro. “Já recebi comentários do tipo ‘meu fetiche é ficar com uma japa’”, diz Bianca Uemura, estudante de administração, que por mais que seja mestiça (descendente de japoneses somente por parte de pai) e que algumas pessoas notem essa miscigenação, ainda assim ouve frases desse tipo.  Não só Bianca, mas também Tatiana conta sobre como são as situações que passa por conta da fetichização. “Quando os homens querem demonstrar interesse, dizem que as japonesas têm uma beleza ‘exótica’ e admiram que somos ‘obedientes’, reforçando a cultura eurocêntrica e o estereótipo de submissão. Então fazem comentários não solicitados sobre nossos corpos: sobre termos mais ou menos peitos, ou bunda, ou coisas mais invasivas ainda. E finalizam dizendo que por sorte somos da preferência deles”.

Existe até mesmo um termo para designar homens que só se relacionam com asiáticas: o yellow fever, que tratam as mulheres como objetos sexuais. O enredo é o de sempre: começa com o flerte inocente e vai evoluindo para um relacionamento abusivo, em que o parceiro tenta controlar o que ela fala e pensa, onde pode ir e com quem conversa. Esse domínio se estende na cama. Isso não é à toa, visto que segundo dados de uma pesquisa do Instituto Datafolha de 2017, 49% das mulheres amarelas admitem ter sofrido assédio sexual e essa ocorrência é maior do que em outros grupos.

A luta feminista, por muitas vezes não inclui a questão da mulher asiática. Poucas pessoas conhecem mulheres amarelas que se levantaram contra o machismo. A jornalista japonesa Kanno Sugako (1881-1911), foi a pioneira na discussão de gênero em seu país, mas foi condenada à morte por suas ideias revolucionárias. Outra ativista foi a escritora chinesa Qiu Jin (1875-1907), que criou na virada do século, um jornal com pautas empoderadoras. Após ser acusada de tramar golpe contra o governo, foi decapitada em praça pública se tornando a primeira mártir feminina da Revolução Chinesa de 1911.  A partir dos anos 1970, imigrantes e descendentes passaram a relatar suas vivências em países ocidentais e hoje, os Estados Unidos concentram as principais ações.

Entretanto, o reconhecimento continua baixo e o que era uma discriminação velada, foi escancarada recentemente. No dia 17 de março de 2021, houve um ataque a centros de massagem na cidade de Atlanta, nos EUA, em que 8 pessoas morreram e seis delas eram mulheres asiáticas. O atirador, segundo um oficial policial, disse que suas ações “não foram motivadas racialmente”, mas foram causadas por “vício sexual”. A declaração foi recebida com incredulidade por várias mulheres asiático-americanas, em que o racismo e o machismo sempre estiveram totalmente ligados. O acontecimento levou a protestos em várias cidades do país, sendo eles digitais e físicos. A hashtag “stop asian hate” (pare com o ódio contra asiáticos, em tradução livre) foi levantada nas redes sociais.

Foto protesto
Anthea Yur (ao centro) lidera manifestantes em Minnesota. Foto: KEREM YUCEL/AFP

Esse acontecimento trouxe a discussão, não só sobre a discriminação contra amarelos, mas também a questão do machismo que persegue a mulher de origem ou descendente de asiáticos. No início da pandemia de covid-19, também foi levantada a hashtag “eu não sou um vírus”, após pessoas amarelas terem sido agredidas verbalmente e fisicamente, com a justificativa de que a culpa da pandemia fosse delas.

Apesar das mulheres amarelas estarem ocupando espaços, anteriormente ocupados por pessoas brancas, ainda há um caminho longo a ser trilhado. Tatiana acredita que a situação melhorou um pouco, mas ainda falta muito em todas as áreas. “A situação melhorou um pouco, mas ainda falta muito em todas as áreas. Falando da minha vivência na arte, vejo que as mulheres de descendência asiática são mais lembradas quando há um tema sobre Japão, China, etc. Vejo eventos sobre feminismo e diversidade que não incluem nenhuma mulher de descendência asiática. Como o meu processo de aceitação envolveu a representatividade, acredito que esse seja um dos melhores caminhos para que outras mulheres nipo brasileiras consigam fazer as pazes com a própria identidade”, diz ela.

As transformações sobre o tema que envolve a mulher amarela, podem estar indo em passos curtos e lentos, mas no futuro elas vão impactar as gerações a se sentirem livres e deixarem de ser invisibilizadas pelos padrões criados e impostos por pessoas não amarelas.

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