Leitores viram protagonistas nas páginas dos livros

Há diversos movimentos para que as minorias estejam presentes entre os aspectos da sociedade, inclusive dentro dos livros.
por
Sofia Luppi Palacine
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21/06/2022

Por Sofia Luppi Palacine

Entre as páginas amareladas dos livros, os personagens representam, de formas diferentes, a realidade que vivemos. Pessoas brancas, negras, amarelas, indígenas, cis, trans, heterossexuais ou da comunidade LGBTQIA+. Não só mostra que há uma diversidade entre as pessoas, como também deixa claro que a minoria muitas vezes não tem espaço na sociedade. Pode-se entrar em uma livraria e degustar dos universos escritos  tranquilamente, sem precisar se perguntar se aquela obra vai ter algum semelhante seu. Entretanto, as minorias, muitas vezes precisam pegar as migalhas, isso se sobrar algum pedacinho, deixadas em segundo plano. Contudo, é preciso ter fé: "representatividade'' virou uma palavra de ordem entre os leitores, principalmente os jovens,  nos últimos tempos. A cobrança pela existência de personagens e autores que fogem do padrão mundial no mercado editorial se torna mais forte a cada dia que passa.

O autor potiguar Pedro Ruas, que trouxe vida a história de Lucas e Pierre em "Enquanto eu não te encontro",  coloca como extrema importância a cobrança de leitores  por representatividade. “Por muito tempo, leitores foram colocados em um lugar de passividade, ou seja, de apagamento no sentido das tomadas de decisão. Hoje o público é protagonista. Em relação ao público jovem que me acompanha, um público atravessado pelo fortalecimento de pautas identitárias, essa exigência é uma constante fonte de aprendizado. Para mim, é também uma fonte de orgulho. O jovem é frequentemente visto como despolitizado e alheio, mas não é a minha experiência. Estar atento a uma produção cada vez mais diversa é não se tornar anacrônico e contribuir para que mais vozes habitam o imaginário coletivo através da arte”, entende.

Quem pensa que os negros e a comunidade LGBTQAI+ sempre tiveram um espaço no mundo literário, está enganado. Em seu livro de estreia, Rhuas colocou o amor entre dois homens como trama principal, além de exaltar o Nordeste brasileiro, que ainda é pouco valorizado. “Enquanto uma pessoa que pertence a minorias historicamente marginalizadas, eu sentia uma enorme necessidade de retratar minhas vivências ou vivências paralelas à minha que não via representadas em espaços da mídia e de poder(...). Percebi que precisava usar a minha voz, e isso não aconteceria se minhas obras não refletissem a diversidade em que estava imerso. Tornou-se uma questão de responsabilidade política para mim”, comenta Pedro. 

 

Pedro Rhuas / Acervo Pessoal
Pedro Rhuas / Acervo Pessoal

Navegar entre as diversas histórias traz muito mais do que conhecimento, traz vivência e empatia. Nas palavras expostas, o leitor mergulha profundamente na vida dos personagens e conhece seu melhor e seu pior, o que mostra de uma forma fictícia, muito do mundo real, fora das páginas.  A autora e leitora, Gabriela Sayuri, de 20 anos, tem ascendência asiática e disse que percebe que hoje em dia há uma certa quantidade de representatividade de sua descendência, mas não tanto quanto a representatividade LGBT ou negra. Ela ainda comenta: “Eu acho importante colocar representatividade. Acho que todos os leitores devem se identificar com pelo menos um personagem, seja de raça ou sexualidade.”

 

Gabriela Sayuri / Acervo Pessoal
Gabriela Sayuri / Acervo Pessoal

Não é somente dentro das histórias que as minorias precisam se mostrar, mas marcar presença entre os autores, que vivem essa realidade para poder expressar de forma correta sobre vivências desses grupos. A autora diz que nâo faz personagens negras ou lésbicas por nâo ter propriedade para tratá-los por nâo fazer parte desses grupos. "Claro que existe a leitura crítica, mas ainda assim não acho que é o suficiente. Quanto a minoria asiática, é sim uma coisa que eu posso falar sobre.” explica Sayuri. 

Clara Alves, autora do best-seller “Conectadas” comenta que escrever o livro foi uma forma de se entender como bissexual e de mostrar suas lutas. 

 

 

Clara Alves / Acervo Pessoal
Clara Alves / Acervo Pessoal
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A escritora também comenta sobre a identificação indígena em sua personagem e sobre a presença desse povo no mundo dos livros.

 

A 5º Edição da pesquisa Retratos da Literatura do Brasil, divulgada em 2020, mostrou que das 8.076 entrevistas realizadas com leitores de todo País, 48% são pretos. Apesar de uma quantidade expressiva, é possível contar nas estantes e não perder a conta, a quantidade de livros com protagonismo negro. O preconceito velado pode ser um dos grandes fatores que impede livros com protagonistas negros fiquem “hypados” (termo usado entre os leitores para indicar que a obra está famosa). Apesar de focar em sua descendência indígena, Clara Alves comentou sobre um episódio onde racismo está presente:

Os leitores viajam por diversos países, lugares místicos, vão para o passado e o futuro nas poucas ou muitas páginas de um livro. Nada impede de que se vejam retratados nessas palavras, não somente com a presença, mas também com os pensamentos ou até mesmo descobrir mais sobre si próprio, ao mesmo tempo que o personagem se descobre. A representatividade vai muito além de expor a presença da diversidade existente, é uma forma de exibir para quem não faz parte desse grupo minoritário uma realidade que não lhe pertence.  “Autores que fazem parte dessa minoria, ou que incluem representatividade das quais eles fazem parte, é importante para mostrar algo real. Autores que fazem parte dessas minorias atraem pessoas que se identificam, o que hoje é dia é muito importante para incentivar esse tipo de literatura, educando mais as pessoas que não entendem ou não sabem sobre o assunto”, ressalta Sayuri.

Em 2016, a escritora Helen Hoang, nascida na grande cidade de Minneapolis, em Minnesota, nos EUA, foi diagnosticada com Síndrome de Asperger, que está dentro do espectro autista. Ao escrever o livro “Os Números do Amor”, ela descreveu todos os sentimentos e vivências que uma pessoa com o transtorno enfrenta, mostrando uma realidade que grande parte da população mundial jamais saberia sobre. Realidades neurodivergentes e de PCDs são ainda mais raras nas folhas dos livros publicados. Nas livrarias do País não se encontram a mesma pluralidade cobrada por tantos, circulando e consumindo essas obras. Além da falta de identificação por parte das histórias, há fatores que complicam que pessoas possam consumir um livro.  A pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, mostrou que as pessoas de classe alta, apesar de uma quantidade pequena de leitores, consomem mais livros do que as classes baixas, que possuem uma quantidade de leitores maiores, mas que por conta do preço dos livros e também a falta de tempo para se dedicar, não conseguem adquirir as páginas escritas.  Ainda é ressaltado na pesquisa sobre o uso das bibliotecas brasileiras. Cerca de 34 milhões de pessoas frequentavam as bibliotecas em 2019, a maioria com o intuito de estudar e os leitores, que deveriam ser os mais interessados, acabam não frequentando esses espaços. Clara Alves chega a comentar que talvez a biblioteca seja um espaço de recepção para os livros representativos.

 

O produtor e escritor Felipe Cabral se viu em meio a uma polêmica por conta da capa de seu primeiro livro. Com o nome de “O Primeiro Beijo de Romeu”, ele viu e ouviu os julgamentos conservadores por conta de ter dois homens se beijando representados na capa. O autor comentou sobre alguns receios que podem existir com as histórias de minorias: “Acho que ainda há uma resistência por parte de alguns leitores heteros para lerem livros escritos por LGBTQIA+. Há uma ideia equivocada de que nossas histórias são escritas somente para que outras pessoas LGBTQIA+ as leiam. Como se fosse uma história que não vai dizer respeito a todo mundo e sim apenas à nossa comunidade. O erro está em esquecer que as histórias podem ser universais. Os conflitos e emoções humanas são capazes de gerar identificação com qualquer pessoa, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.” Para muitos, é impossível entender o sentimento de empoderamento de uma pessoa bissexual quando lê a frase “Não ignore metade do que eu sou só para colocar um rótulo em mim”, dita pela protagonista de Taylor Jenkins Reid em ‘Os Sete Maridos de Evelyn Hugo’. Ou mesmo pode se dizer do poder que uma pessoa autista sente ao ver Stella dizer que “Não quero que ninguém me enrole ou minta para mim por ser como sou. Não preciso que tenha pena de mim” no livro de Hoang. 

É preciso reconhecer que essa luta não é em vão e que tais exigências vistas nas vertentes literárias das redes sociais, não precisam vir somente de quem sente falta de uma imagem representativa.  Todos precisam aceitar e querer conhecer a variedade do mundo. Uma editora pode optar no estilo de letra, no tipo de papel e nas diversas possibilidades de diagramação para um livro, assim como as pessoas podem ser o que bem entenderem. O exemplar com páginas amarelas ou brancas possuem as mesmas chances de bombar entre os leitores e a minoria só quer estar entre os escritos e na lombada, independentemente do formato.

 

 

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