Falta empatia. O brasileiro, tido como povo acolhedor, simpático e hospitaleiro, quase sempre demonstra uma falta de empatia enorme quando se trata dos próprios brasileiros. Seja pelos tempos extremamente polarizados ao abordarmos os assuntos políticos do país, seja por falta de entendimento sobre a real situação, essa pandemia na qual nos encontramos revelou que muitos brasileiros não pensam no todo, no próximo.
O pensamento que mais assombra muitas famílias durante essa crise do Coronavírus é perder um ente querido sem ao menos poder fazer alguma coisa para protegê-lo, uma vez que não dependem só dos próprios esforços para manter a família em segurança. Desde que tudo isso começou, esse é o pensamento que mais lateja na minha cabeça. Somente imaginar a ideia de perder alguém em minha família já é o bastante para tirar meu sono por dias, nunca soube lidar bem com perdas, apesar de sempre assumir a posição do que segura as pontas e conforta os mais expressivos.
Em minha casa somos quatro: eu, meu irmão e meus pais, agora que minha avó está completamente isolada em seu apartamento. Os três últimos pertencem ao grupo de risco - meus pais pela diabetes e minha avó pela idade – o que dá proporções enormes para essa pandemia na minha vida. Esse cenário despertou um extinto extremamente protetor em mim e me fez assumir muitas das tarefas essenciais da casa para limitar o risco de exposição deles à esse vírus, uma vez que meu irmão ainda não dirige e não pode dividir essa tarefa (o que não diminui de maneira alguma toda a ajuda e a função que ele assume dentro de casa ou a assistência que dá ao meu pai em suas madrugadas de mercado).
Há alguns anos eu quase perdi minha mãe para o Diabetes e aquilo foi uma das experiencias mais extremas e traumáticas na minha vida. Uma frase que uma amiga muito querida me disse uns dias atrás cabe perfeitamente nessa situação e voltou a fazer muito sentido agora nesse momento catastrófico que o mundo vive. “Nunca pensei que eu sentisse essa sensação de ‘perder’ a pessoa mais importante do mundo, tão cedo.”. Conviver com esse sentimento e essa angústia é horrível e me faz parar para refletir muito sobre minha vida, mas, o pior, é que ao tentar aliviar a mente e olhar para fora de minha janela, o que vejo acaba por me colocar ainda mais medo.
Essa foto foi tirada por mim na semana passada em um domingo. Não, longe de querer entrar no debate das pessoas que realmente precisam sair para trabalhar e não tem uma alternativa para manter sua vida e sua família estáveis, ela não foi tirada em uma segunda feira de manhã ou quarta, é um domingo. A Avenida Radial Leste lotada de carros durante um período de isolamento social é uma cena que dá muito medo e diz muito sobre a consciência do brasileiro, que agora se encontra no epicentro da pandemia quando se trata de casos e mortes diárias.
A sensação de impotência que essa foto me causou foi algo que me chocou muito. Fiquei imaginando se em uma das minhas idas ao mercado ou à farmácia uma dessas pessoas passou por mim e me contaminou sem querer; se ao chegar em casa, mesmo após uma metódica rotina de higienização eu trouxe esse vírus pra perto da minha família; imaginando que se algo acontecer, quais serão os sintomas ou complicações que podem aparecer. Porém, não me senti apenas impotente, um sentimento de raiva e revolta tomaram lugar em meu coração e não soube como lidar com aquilo. Em mim seria pouco provável que esse vírus causasse grandes estragos (e o meu histórico de atleta é bem mais verídico que o do “presidente”), mas nos meus pais, aquilo poderia ter consequências sérias demais.
Ainda falando em janelas, outra delas que me fez sentir a mesma coisa foi a que tem vista para o mundo: a rede social. A quantidade de pessoas que postam em seus perfis fotos e vídeos de “rolês” mais reservados na casa de amigos ou até mesmo de saídas para correr e andar de bicicleta durante esse caos é surpreendentemente maior do que achei que seria; não por duvidar que as pessoas desrespeitariam o isolamento, pois quanto a isso eu jamais estive cético, mas por não esperar que tudo fosse postado com tal naturalidade. O pensamento de que “se só eu der uma saidinha, de máscara, não vai afetar o país todo” é exatamente o que leva o Brasil a ter 144 vezes mais mortes diárias que a Argentina, por exemplo; é esse pensamento que coloca em risco a vida dos meus pais e avós e dos pais e avós daqueles que respeitam a quarentena.
Mais do que nunca esse é o momento de ficar em casa e cuidar dos que amamos, pois, cuidando dos nossos também estamos cuidando das outras famílias. Talvez ficar totalmente atualizado nas notícias seja algo que nos deixe pessimistas e angustiados, mas respeitar a quarentena e sair somente quando necessário não é uma brincadeira ou questão de ideologia política, é questão de vida ou morte. Fico imaginando quantas pessoas estão se sentindo como eu me sinto e é por elas que eu vou continuar debatendo com os que não ligam para o isolamento e, acima de tudo fazendo o que estiver ao meu alcance para respeitar a quarentena.