A importância do acesso a alimentos para quem vive nas ruas

As várias formas da distribuição de alimentos para pessoas em situação de rua
por
Rodrigo Silva Marques
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03/05/2024

Por Rodrigo Silva Marques

 

Viver em cidades grandes sempre tem pontos positivos e negativos. Lugares onde o tudo e o nada se encontram. Miséria e riqueza. E uma das que melhor representa isso é São Paulo (capital). Uma metrópole que ao mesmo tempo em que se vê aqueles que moram em casas ou apartamentos de luxo e desfilam com carros caríssimos, têm pessoas marginalizadas pela sociedade que sequer tem condições de ter um abrigo. Mas nos últimos anos, a situação está ficando cada vez mais alarmante.

Não é de agora que se constata um aumento crescente no número de pessoas em situação de rua na capital de São Paulo. Entre dezembro de 2012 e dezembro de 2023, o número de pessoas que vivem nas ruas da capital aumentou quase 17 vezes, passando de 3.842 para 64.818. Um dos principais motivos por ter alavancado tanto esse número foi a pandemia do COVID-19 (no período entre 2020 e 2022). Média de idade dessa população varia entre os 40 e 60 anos.

Para tentar dar suporte a esta classe extremamente vulnerável de pessoas, existem diversos tipos de programas de ajuda. E uma das formas para garantir ajuda é através da distribuição de alimentos, não só pelo governo, mas por iniciativas de ONGs, igrejas, escolas e até de pequenas instituições ou empresas. Muitas instituições estão suprindo boa parte das brechas assistenciais deixadas pelo poder público.

Uma delas atua no bairro da Mooca. É a "Voluntários no Bem". Ela realiza distribuição de alimentos e seu Tônio é quem explica a importância da atividade da instituição. "Pode ser idiota o que vou dizer, mas ainda é muito lindo e ajuda muito de nós que estamos nessa situação muito ruim. Eu estou nesta m**** já faz alguns anos. É como um presente de Deus ter essas pessoas aqui", considera.

Seu Tônio, 57 anos, é um ex-viciado em crack, e diz que foi despejado do lugar onde morava por falta de dinheiro, pois usava tudo para comprar a droga. Quando o expulsaram de casa, não tinha o que comer, pensava muitas vezes que morreria de fome, o crack o tirava isso. Afirma ter ficado dias sem comer por causa disso. No início, não sentia, mas depois do efeito da droga acabar, a fome voltava com força. Para ele muitos usuários acabam morrendo por desnutrição devido a sensação prazerosa que causa uma inibição das suas necessidades básicas, como comer e dormir. 

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Seu Tônio (ao centro) ao lado de outros moradores de rua com suas marmitas

Outro caso peculiar aconteceu junto com os voluntários da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto no Tatuapé. Diferente da Mooca, o Tatuapé não tem tantos focos de moradores de rua, devido a presença de polícia em pontos de concentração, como praças, portas de igreja, terrenos em construção, ponto de ônibus etc. Por isso, a distribuição de alimentos foi em um espaço fechado na Santa Ifigênia, onde ocorreu a entrevista.  Tainá, chorando, disse que  nunca teve muitas coisas para comer e revirava sacos de lixos que ficavam perto de bares e padarias para achar qualquer coisa que servisse de alimento. Para ela receber alimentos é bem melhor do que comer do lixo. 

Vinda de uma família conturbada, Tainá fugiu de casa quando viu a mãe ser espancada brutalmente pelo namorado, e como não foi atrás dela na época, presumiu que ela tinha morrido. Até hoje não sabe se sua mãe está viva. O namorado sempre batia nela e ficava a ameaçando de bater e matar. Um demônio, disse. Mas as dificuldades de viver na rua logo vieram e teve que dormir em bancos em dia de frio. Afirma ter sido aliciada várias vezes por bêbados e mendigos que estavam "noiados". Ela afirma que muitos podem dizer que era melhor ela ter ficado em casa, mas preferiu comer lixo do que acabar morrendo.

No entanto, há pouco menos de um ano ela foi, em suas próprias palavras, “abençoada.  Ela conta que havia uma ONG, que não recorda o nome direito, que acolhia moradores de rua e levava para alojamentos para morar lá. Foi a primeira vez em 13 anos que tinha um teto e, emocionada, deu graças a Deus por ainda existirem pessoas que pensam nas outras com um pingo de bondade. No final de 2023, o governo de São Paulo. em conjunto com outros munícipes, órgãos e instituições governamentais e não governamentais iniciaram um processo de acolhimento para pessoas adultas, em situação de rua, a partir dos 18 anos, respeitando suas condições sociais e diferenças de origem, com o objetivo de acolher a pessoa em situação de rua, oferecendo proteção integral, escuta e condições para o fortalecimento de sua autonomia, contribuindo para o seu protagonismo e possível superação da situação de rua. 

A Pastoral do Colégio Espírito Santo realiza um trabalho de ajudar refugiados e imigrantes em situação de rua e desabrigados sem dinheiro. Como é o caso de Angel, venezuelano, que com a ajuda do professor Tino de Lucca na tradução, conta ter vindo para o Brasil com apenas uma coisa em mente: sobreviver, ou ao menos tentar. 

Ele conta que era uma luta para viver pois as coisas eram absurdamente caras. Ele tinha poucas coisas que podia comprar com os bolívares (nome da moeda na Venezuela) que tinha. Angel, que atualmente tem 22 anos, vivia a partir de salário mínimo (cerca de 130 bolívares (25 reais), um valor abruptamente esmagado por mais de 500% de inflação acumulada no país. Ele disse em poucas palavras, que fugiu do país, não podia viver daquele jeito mais. Era tudo ou nada.  Angel deixou o país no final de 2023, e chegou a São Paulo em fevereiro. Através da ajuda de algumas caravanas, e o que sobrou do seu dinheiro, com passagens de ônibus. Uma das poucas coisas que trouxe foi uma barraca para dormir, pois não iria ficar nos refúgios de imigrantes na Amazônia.

Chegando em na capital começou a tentar arrumar alguns trabalhos como Motoboy, o mesmo que exercia em seu país, mas usando uma bicicleta. Aos poucos, viu que as pessoas de São Paulo podem ser boas também. Quando começou a trabalhar como entregador algumas pessoas o ensinaram a andar de moto para ele fazer as entregas.

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Fotografia de Angel

Mas, por conta do baixo salário, ainda não conseguiu se ajeitar ainda. Praticamente ele dorme em sua barraca embaixo de viadutos ou ao lado de prédios. Conta que ainda não tem o suficiente para comprar muitos alimentos e obviamente passava fome às vezes, e que a Pastoral do Colégio ajuda refugiados e imigrantes. Foi a primeira vez em um que comeu arroz com feijão e carne "tão bem feitos".  

Esses foram apenas três relatos de algumas pessoas em situação de rua na cidade São Paulo, independente do motivo, a condição e o estado da pessoa, ainda continuam altamente vulneráveis. Mesmo que as ajudas humanitárias e os  pequenos gestos de oferecer algo que está sobrando em casa sejam importantes, o pontos de vista dessas pessoas também é importante para entender suas opiniões e perspectivas ao que tem sido feito para ajudá-las, sobretudo para terem acesso a alimentos.

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