Jordan pega a bola a seis metros da cesta. Vê o companheiro bem posicionado no lado esquerdo. Duas quicadas, infiltração e marcação dupla. Pensa exatos dois segundos no que fazer. Joga-se para trás e faz um arremesso caindo para escapar da forte defesa adversária. A bola fica no ar quatro segundos. Chuá.
A cena é meramente fictícia, mas quantos “Jordans” não se inspiraram no grande Michael Jordan, maior jogador de basquete de todos os tempos para seguir algo na vida. A cena pode ter acontecido no Tenement, conjunto habitacional em Taguig, que fica na Grande Manila, nas Filipinas.
Com mais de 1.500 moradores, o conjunto abriga diversas famílias que não tem nenhuma condição financeira. Vivem sem água encanada, luz elétrica e são ameaçadas de despejo há 10 anos, por conta das precárias condições do prédio, em uma região com alto índice de terremotos.
Jovens de todas as idades viram no basquete um refúgio para fugir da marginalização a que estão expostos. Viram no esporte uma saída das drogas, violência e preconceito. Em quadra, todos são iguais. O esporte é a busca de uma vida melhor.
“Muitos dão o início ao esporte por conta das drogas, como forma de fuga delas. Quando a pessoa entende que está se afundando, perdendo amigos, família, tempo, vai em busca do esporte, essa válvula de escape, a substituição de vício”, comenta Amanda Raposo, psicóloga formada pela PUC-SP.
O caso dos jovens que construíram a quadra de basquete nas Filipinas é somente mais um de vários que são encontrados também no Brasil. As drogas e a violência descobrem caminho fácil de circulação nas favelas e zonas mais pobres da sociedade. Aí é que o esporte surge como ponto de virada.
“Podemos lembrar a história do Ronaldo (Nazário). As oportunidades aparecem por conta do esporte, se não fosse isso, ele não teria chegado onde chegou. Praticamente todos os grandes nomes do esporte surgem de zonas periféricas. Ele é fundamental porque mesmo uma pessoa de classe social inferior consegue se igualar a qualquer outro cidadão”, explica Ricardo Bulgarelli, comentarista dos canais ESPN.
O movimento “Salve o Tenement” foi criado em 2010 para ajudar na preservação das famílias que moram no prédio construído na década de 1960 e que tem 671 apartamentos em sete andares. Vários astros do basquete ajudaram o conjunto habitacional, entre eles LeBron James e Kobe Bryant, que foi homenageado após sua morte, com a quadra do local sendo pintada com a figura do ex-jogador do Los Angeles Lakers, na NBA, liga de basquete norte-americana, e sua filha, Gianna, vítimas de um trágico acidente aéreo em janeiro deste ano.
O basquete salvou a vida dos jovens, assim como outro esporte trouxe um futuro melhor para Michael, hoje atacante do Flamengo.
O jogador foi várias vezes detido por conta de posse de drogas em Goiás. Viu no futebol seu refúgio para escapar dos males.
“A pessoa deixa a rotina do vício e introduz o esporte. Ao longo disso começa a aprender a ter autocuidado e saúde. Entendeu que a droga não traz nada positivo. Esporte traz bem-estar momentâneo, algo que existe nas drogas também”, salienta Amanda.
“Esporte ensina valores, respeito e convivência em grupo, ajuda muito a manter crianças e jovens longe dessa realidade”, adiciona.
Michael entendeu isso. Passou por clubes pequenos do estado do centro-oeste até chegar ao principal time da região, o Goiás. Fez um excelente Campeonato Brasileiro, em 2019, e foi adquirido pelo Flamengo. O futebol mudou a vida.
Para Bulgarelli, o Brasil ainda sofre em conciliar e reforçar a importância do esporte nas favelas e vê outro ponto como aliado importante das atividades esportivas.
“Perdemos uma grande oportunidade com a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 de aproveitar melhor e conscientizar todos de ter o esporte como inclusão. Ele faz com que a pessoa tenha a oportunidade de se tornar um cidadão melhor, ter mais disciplina, superar barreiras e adversidades”.
“Não adianta ter o esporte como ferramenta de inclusão social, se não tiver educação – os dois juntos é que podem transformar a sociedade”, completa.
O basquete nas Filipinas. O futebol no Brasil. Esportes não faltam. Problemas na sociedade, idem. Mas quando o esporte anda junto ao afastamento das drogas e da violência, o futuro certamente será melhor...
Nas Filipinas, no Brasil, no mundo e na vida.