Elevado número de partidos na ALESP não significa pluralidade de ideias

Segundo especialistas, decisões, coligações partidárias e método tucano de governar continuará com os Republicanos
por
Gabriel Porphirio e Rafaela Reis Serra
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08/12/2022

 

Plenário Juscelino Kubitschek. Foto: Rafaela Reis Serra

Os responsáveis por discutir o futuro das leis na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) são os 94 deputados estaduais, divididos em 21 partidos. Lá dentro todos esses partidos buscam coligações e acordos com governo ou outras forças, buscando a manutenção de suas permanências. Na prática, os partidos mais influentes são os que aprovam e desaprovam as Leis.

Os interesses políticos nem sempre são os mesmos dos cidadãos que elege seus representantes. Esse grande número de partidos, resultando em uma grande disputa de poderes, mais ajuda ou atrapalha na tramitação de Leis no Estado?

Distribuição da Casa

Compondo as três maiores bancadas, em primeiro lugar vem o Partido Liberal (PL), com 17 deputados, o Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB) com 13, e o Partido dos Trabalhadores (PT), com 10. Dos três partidos citados, dois deles são considerados de direita.

Os 54 demais políticos pertencem aos 18 partidos restantes que completam a Assembleia, sendo o União Brasil, Republicanos, Podemos, PP, PSD, MDB, PSOL, Cidadania, Novo, PDT, PCdoB, Avante, Solidariedade, Patriota, PRTB, Agir, PSB e REDE. Todos têm menos de dez representantes.

O PSDB esteve no comando do Estado de São Paulo por quase 30 anos. Rodrigo Garcia (PSDB) ficou em terceiro lugar nas últimas eleições, e no segundo turno, apoiou a candidatura de Tarcísio de Freitas, do Republicanos.

Desde 1995 que os tucanos governam o Estado de São Paulo, chegando ao fim em 2022, com a eleição de Tarcísio de Freitas. Neste período, dos 16 presidentes da Assembleia Legislativa, 14 eram deputados pertencentes ao PSDB. Atualmente, quem comanda a Casa é o deputado Carlão Pignatari, também da legenda.

Presidencialismo de coalizão e o “centrão”

Para Victor Guerreiro, cientista político pela Universidade de São Paulo (USP), o presidencialismo de coalizão - termo usado quando partidos e/ou governos se aliam em troca de favores ou acordos - é o que justifica essa Assembleia, que para ele é “aparelhada”: “Uma vez que o governo tem uma obrigação moral de dar recursos para os partidos nas Câmaras, os integrando ao governo, a fim de ter maioria nas votações.

Um grande número de partidos pode ser um contratempo nesse caso. Para o governo é interessante ter a maioria dos partidos a seu favor, mas isso significa que deverá haver muitos acordos. “Quanto mais partidos diferentes tiver, mais há uma dificuldade de controlar os interesses e formar uma coalizão de governo”, afirma o cientista político.

“Para se formar coalizão, se faz de tudo e esse tudo é ruim para a democracia”, afirma Daniela Costanzo, mestra em ciência política pela USP e pesquisadora pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

Costanzo, que estuda formação de coalizão de governo, comenta que, para formar essa coalizão, vem se renunciando a alguns princípios, como transparência e ética na política, permitindo a existência de esquemas como o orçamento secreto.

O presidencialismo de coalizão surge como um termo criado pelo cientista político Sérgio Abranches, em 1988, logo após implementada a constituição atual. Além de significar o ato de fechar acordos e fazer alianças entre forças políticas, ao longo do tempo foi-se entendendo que os pactos são normalmente feitos com a finalidade de ocupar cargos em um governo.

Grande parte dos parlamentares se juntam em uma grande base governista, o tão falado “centrão”, no qual se aliam para ser governo. E isso pode ser um grande problema porque, dessa forma, não há oposição, é o que afirma Costanzo, citando o filósofo Marcos Nobre. “Isso é ruim para a democracia. Quem ganha, leva tudo e não há abertura para ouvir outras vozes”, acrescenta.

A cientista política os denomina de partidos “fisiológicos” - de “aluguel” ou centrão - que são aqueles que dominam a política brasileira há muitos anos. Segundo ela, “conhecem o jogo democrático, não tem ideologia, estão sempre governando com quem está no poder e tem base eleitoral no interior do país.”

“Pode mudar o Executivo, mas muita coisa fica travada nas assembleias. Isso também tem um certo custo de corrupção, porque para esses partidos o principal objetivo não é fazer política pública, não é mudar, não é ter uma ideologia, é sua permanência no poder”, finaliza a cientista política.

Foto: Rafaela Reis Serra

O deputado Carlos Giannazi, líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na Assembleia Legislativa, reflete sobre a falta de firmeza ideológica e com a coisa pública de fato de alguns partidos da Casa. “Muitos deles não têm esse perfil [de firmeza ideológica], uma boa parte desses partidos. Então são partidos frágeis do ponto de vista ético, do ponto de vista moral e do ponto de vista histórico”, afirmando que se fossem realmente comprometidos, a quantidade de partidos não teria problema algum, sejam eles de direita ou esquerda.

“Se o partido tem uma ideologia, tem uma proposta. É logicamente que como isso não acontece, muitos deles são oportunistas, são partidos de aluguel. Isso sim enfraquece a democracia, pela falta de compromisso deles”, reflete o deputado pessolista.

Para Guerreiro, na Alesp a formação de coalizões ocorre de uma forma um pouco mais única em relação a outros poderes legislativos no país. Uma vez que, ao longo dos 30 anos de governo do PSDB, o partido desenvolveu “uma capacidade de articulação e coordenação de maiorias na Assembleia que não os traz muita dificuldade”.

Em teoria, o que realmente impacta na tramitação de um Projeto de Lei (PL) na Assembleia são os Colégios de Líderes - reuniões compostas pelos líderes da Maioria, da Minoria, dos partidos, dos blocos parlamentares e do Governo, para decidir quais pautas devem ser prioridade nas votações.

Dessa forma, quando há proposta vinda por um deputado sem apoio, é muito fácil de ser barrado. Já que para cada partido há um líder do partido, e esse líder tem praticamente o poder de veto. Entretanto, quando vem de um aliado ao governo, “é atropelo”, como diz o cientista social, porque ele terá apoio da coligação.

Victor Guerreiro comenta que a única função prática que a bancada da minoria consegue ter é alguma atribuição de cargo e de mais uma oportunidade de fala no plenário. “Quem decide mesmo é o colégio de líderes”.

Sendo oposição

Líder da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Alesp e ex-líder da Minoria, Márcia Lia, exemplifica que no governo de João Doria (à época, do PSDB) as dificuldades eram muito grandes pelo fato de ele sempre vetar os projetos do partido. “Muitas vezes a gente aprovava por unanimidade, e o Doria vetava”.

Para Lia, entretanto, na maioria das vezes é parte do jogo democrático. “Acredito que a dificuldade exista porque é normal. Por exemplo, eu sou contra a privatização. Se eu estiver dialogando com um deputado do Partido Novo, ele é a favor. Portanto, teremos que, em alguns momentos [...], ter um jogo de cintura para negociar”.

Acerca do impacto que o número de partidos tem na Assembleia, a líder do partido na Alesp vê de forma positiva a situação, comentando que do jeito que está atualmente existe mais possibilidades de negociação, visto que há mais pessoas para trazer ao seu lado.

Porém, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) comenta que é muito ruim ser oposição, porque na hora da votação eles perdem. “Nas votações, logicamente, matematicamente falando, a gente perde, porque nós somos minoria, o nome já diz.”

O parlamentar finaliza dizendo que na Assembleia só há praticamente três partidos de oposição: o  PSOL, PT, e PCdoB. “Os outros em alguma medida sempre acabam votando com o governo, ou já votaram.”

Diferentemente do PSOL, o PT ainda possui força, mesmo sendo oposição, pois o PSDB e o PT negociavam acordos de proporcionalidade: o PSDB fica com a presidência da Casa e o PT com o 1º Secretariado, hoje com Luiz Fernando (PT), além de serem líderes da minoria. Ainda há as 2ª, 3ª e 4ª secretarias, permitindo mais cargos para os partidos com maiores bancadas.

Sendo governo

Já para Adalberto Freitas, deputado do PSDB, é em uma democracia com menos partidos que se vê eficiência nas aprovações de Projetos de Lei, citando como exemplo os Estados Unidos, onde o Congresso compõe-se por apenas dois partidos, o Partido Democrata e o Partido Republicano.

“Com muitos partidos, como é o caso na Alesp, o tempo de tramitação dos projetos de leis é muito grande, isso por conta do grande conflito de interesses entre as forças políticas”, explica.

Todavia, o deputado não rejeita totalmente a forma como as coisas ocorrem no Brasil. Para ele a margem de erro na aprovação de uma lei aqui é muito pequena, justamente por haver várias pessoas para divergir.

“Às vezes até dentro da nossa bancada há divergências nos debates [...] então não há muita diferença entre o PSDB, que tem 13 representantes, e o PSOL com três. Porque no final todos deverão discutir”.

Menos é mais

A advogada e política, Janaina Paschoal, eleita em 2018 com o maior número de votos da história do país, pelo Partido Social-Liberal (PSL) - a maior bancada à época - hoje é liderança do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), formado apenas por ela mesma. Ela acredita que os deputados devam falar apenas por eles, defendendo as candidaturas avulsas.

Sobre a influência de um partido grande ou pequeno na Alesp, a advogada diz não haver muita diferença, dependendo muito mais da presença e participação do líder. “Não vejo o partido com tanta força assim. Eu já liderei um partido muito grande, hoje lidero um pequeno. Não mudou nada, sigo me manifestando igualmente”, declara Janaina.

Qual o futuro da Alesp?

No momento que se é eleito, o político já forma sua coalizão antes mesmo de assumir. O governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), já formou a dele, poucos partidos não declararam apoio e tem aqueles que já estão na oposição.

O futuro governador já tem maioria simples e falta muito pouco para ter uma maioria qualificada, o que se precisa para se aprovar os projetos mais complicados.

Para Costanzo, há de se observar que havia um domínio muito forte do PSDB em São Paulo que agora caminha para um bolsonarismo.

O presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), foi procurado pela reportagem, mas sua assessoria alegou estar sem agenda para conceder entrevista.

Outros deputados do PSDB e membros do centrão foram procurados, porém, alegaram estarem em campanha eleitoral, sendo alguns no interior, e preferiram não se manifestar.

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