A eleição presidencial de 2018 foi marcada por desinformação, discursos de ódio e ataques a jornalistas. Os disparos em massa de conteúdo eleitoral em redes sociais foram amplamente usados para impulsionar candidaturas de múltiplos espectros políticos. O presidente Jair Bolsonaro contava com uma força-tarefa que continuou ajudando seu governo durante o mandato: o chamado gabinete do ódio.
Os pleitos municipais de 2020 reacenderam a chama eleitoral e as preocupações com a desinformação e o uso das redes sociais nas campanhas políticas. “Todos os analistas acreditavam que a eleição da internet ia ser em 2012 e fomos adiando isso até agora”, avalia Paula Bernardelli, advogada e especialista em direito eleitoral.
O livro “ A Máquina do Ódio”, da jornalista Patrícia Campos Mello relata a estratégia de diversos governos de extrema-direita ao redor do globo para minar o debate democrático através de milícias digitais. Os ataques a profissionais da imprensa preocuparam os veículos de comunicação, que precisavam garantir a segurança dos jornalistas e checar as fake news.
“É necessário entendermos que o objetivo da internet não é ser um ambiente democrático. Temos quatro empresas que dominam este território e precisamos caminhar rumo a regulação das redes no Brasil”, afirma Bernardelli. Apesar dos esforços do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a tarefa de combater a desinformação é complexa. “ A lei geral de proteção de dados é nossa aliada no combate a Fake News, porém é complicado chegar nos grupos que realmente estão disseminando notícias falsas. Tem pessoas que compartilham essas informações e nem sabem que estão reproduzindo um conteúdo falso.”
Em menos de 24 horas, Vitor Mershman, 26, foi impactado por campanhas de três candidatos diferentes nas suas redes sociais. Em 2018 o TSE regulamentou o uso de impulsionamento de campanhas eleitorais na internet, que exige que todo investimento seja reportado à justiça eleitoral e realizado diretamente com as plataformas, sem uso de terceiros, robôs e penalizando a propagação de notícias falsas. Para Vitor, no entanto, a maior fonte de conteúdo eleitoral que ele recebe no meio digital, ainda vem do compartilhamento de sua rede de amigos e, mesmo consumindo conteúdo apenas de conhecidos. Ele precisou adotar os próprios critérios de checagem para não compartilhar notícias falsas. “Se é uma informação que vou compartilhar, eu checo nos principais jornais e notícias”, afirma.
É no ambiente digital que a maioria dos jovens eleitores acompanham as propostas de governo dos candidatos, que, por sua vez, têm investido cada vez mais em campanhas de impulsionamento de conteúdo. Desde as últimas eleições presidenciais que a estudante de administração, Amanda Saran, segue Guilherme Boulos nas redes sociais. Segundo ela, é o melhor jeito de se aprofundar nas propostas do candidato, já que ele não tem muito tempo de propaganda eleitoral na televisão, e acompanha sua movimentação “principalmente no instagram, onde ele posta bastante conteúdo”, acrescenta.
O candidato do PSol é o mais popular da internet, como aponta o Índice de Popularidade Digital (IPD) elaborado pela Quaest, e já gastou R$50.000,00 apenas na plataforma de anúncios do Google. Em segundo lugar no IPD vem Arthur Do Val, cujos gastos com impulsionamento chegaram à R$95.000,00, mas que, segundo o índice, ainda está longe de alcançar a popularidade do candidato do PSol. Em contrapartida, Celso Russomano, que já gastou mais de cem mil reais em campanhas digitais e lidera as pesquisas de intenção de voto, sofreu uma queda de 24 pontos no último mês, ficando em quarto lugar no IPD.
Gabriel Finamore, formado em Relações Públicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e atual responsável pelas estratégias de Relações Públicas adotadas na campanha da candidata à vereadora Bella Oyaa, do PL, afirma que as redes possuem um papel fundamental dentro do processo eleitoral, sendo um ambiente democrático para todos.
“A rede social permite que você tenha visibilidade ampla independente de sua condição social. Querendo ou não, é uma plataforma gratuita e para todos. Claro, não são todas que têm acesso a ela. Porém, ela traz visibilidade a causas menores e contribui muito com o processo democrático em nosso país” - defende Finamore.
Por comporem um ambiente tão democrático, as plataformas acabam por se tornar um meio para a propagação de diversos assuntos, incluindo todo tipo de manifestação política, seja ela por meio da veiculação de notícias jornalísticas e até mesmo através de campanhas por parte de grupos sociais, como Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
“As pessoas estão mais atentas e votando em pessoas que, de fato, representam seus interesses. Periferia votando em gente da periferia, mulheres votando em mulheres. E as redes têm nos aproximado muito, porque ela tem mostrado figuras que lutam pelas mesmas causas do público. ”, finaliza o representante de relações públicas de Bella Oyaa.
A diminuição de debates na televisão aberta elevou a importância das redes sociais nas eleições. Múltiplos candidatos ao pleito municipal paulistano participaram de debates que foram transmitidos via Facebook ou Twitter. Até agora, apenas o canal Bandeirantes realizou o evento.
Para o doutor em ciências sociais e cientista político, Gustavo de Oliveira Coelho de Souza, as redes sociais exercem atualmente uma função que já pertenceu inteiramente a outros veículos de comunicação, mas de forma distinta:
“Esse modelo de ‘estratégia’ política foi utilizada tanto nas eleições de Trump, quanto na de Bolsonaro e houve a mesma tentativa na Índia, mas a justiça eleitoral daquele país interviu e criminalizou essa prática. Dito isso, as práticas do uso da rede sociais nas eleições estão substituindo os palanques e o horário político obrigatório e esse processo, em si, não é ruim”, opina o acadêmico.
Bernardelli discorda e afirma que pelas características sociais do Brasil, os debates em emissoras de sinal aberto continua sendo o melhor canal dos candidatos com a maioria dos eleitores. “O Brasil é um País profundamente desigual, menos da metade dos brasileiros tem acesso a internet banda larga. A televisão aberta é amplamente democratizada pois a maioria dos brasileiros tem acesso a uma televisão, então estaríamos excluindo uma parcela considerável da população brasileira.”