Por Manuela Troccoli
Em meados de 1830, em Nova York, surge um marco na história das produções teatrais e cinematográficas da época: o “blackface”. A prática consistia em uma pessoa fenotipicamente branca pintar o corpo com o intuito de escurecer a pele, para representar personagens pretos nos teatros. Seria muito mais simples, é claro, utilizar um artista preto. Contudo, o racismo que demarcava essa época se estendia também para a indústria teatral, que não aceitava a presença de artistas pretos, que eram então proibidos de subir aos palcos. As consequências da prática são óbvias e lastimáveis: reforço de ideologias racistas e marginalização de parte da sociedade.
Em meio ao mesmo cenário e buscando seguir a mesma ideologia de escalar atores brancos americanos para papéis de personagens não-brancos internacionais, surgem então outras práticas: ‘Whitewashing’ ou ‘embranquecimento’ e ‘YellowFace’. O primeiro termo, por sua vez, surge para dar nome a prática das produções que substituem pessoas de outras etnias (sejam negros, asiáticos, pardos, latinos, entre outras) por pessoas brancas. O ‘YellowFace’ diz respeito a uma forma de maquiagem teatral usada por artistas brancos para representar uma pessoa com etnia Leste Asiática ou Neo Oriental, assemelhando-se à prática de blackface com afro-descendentes. Através do conhecimento destas práticas é possível notar uma tentativa de monopólio do entretenimento partindo pelos brancos americanos, que se dedicavam, a todos os custos, a dominar as produções: nem que aquilo custasse marginalizar e ignorar outras etnias e pessoas.
Ao longo dos anos e das conquistas dos grupos étnicos que manifestam por seus direitos, é possível notar uma maior presença hoje em dia de pretos e asiáticos nas produções. Atores muitíssimo bem conceituados como Lázaro Ramos e produções renomadas como “Parasita”, reforçam a ideia de maior participação de todos na indústria, mas ainda não é ideal, visto que todavia grande parte das produções famosas é tomada por brancos americanos. Apesar de ser verdade que o espaço para todos se apresentarem cresceu, ainda muito é deixado a desejar: principalmente quando estamos dizendo a respeito da população latina.
Em um estudo realizado pela Universidade do Sul da Califórnia (USC), foi revelado que 73,7% dos personagens com diálogo ou nome nos filmes com maior bilheteria entre os anos de 2007 e 2018 eram brancos. O estudo também atestou que latino-americanos são uma das minorias menos representadas nas telonas, já que apenas cerca de 3% desses papéis representavam latinos. Além disso, a universidade analisou que a quantidade de produtores e diretores latinos nas películas de maior bilheteria não passava dos 4%.
Trazendo para mais perto, podemos iniciar nossa reflexão acerca do Oscar (The Academy Awards ou The Oscars, em inglês), que é uma cerimônia de premiação do cinema e reconhecido atualmente como a principal premiação da categoria existente no mundo. Foi fundada em 1927, e teve sua primeira cerimônia realizada em 1929. Até hoje, muito mais de 2 mil americanos ganharam prêmios do Oscar - e em contrapartida os latinos, que apesar de disputarem vagas e prêmios, tiveram poucas conquistas. 18,7% da população americana é constituída pelos latinos, somando mais de 62 milhões de habitantes. De onde poderia então vir tanta marginalização dessas pessoas, em um país que supostamente deveria ser palco para todos mostrarem seus talentos.
Para Leonardo Asvolinsque Peixoto Ferraz, aluno do sétimo semestre do curso de cinema da FAAP, Hollywood está longe de ser sinônimo de diversidade e representação de minorias: “Observando em sentido amplo o cinema Hollywoodiano é uma máquina de produtos. Claro que isso não tira o mérito de suas produções, porém é essencial ter em mente que nenhuma produção de larga escala é voltada única e exclusivamente para a celebração de certa etnia, classe social ou identidade sexual. Os grandes estúdios de Hollywood capitalizam em cima da necessidade de representação no meio midiático. Suas produções funcionam como vitrines forjadas que buscam primordialmente o lucro”.
Tendo isso em vista, é possível concluir que o cinema de Hollywood tem um único e principal objetivo: produzir aquilo que vende para sociedade, afinal, é como se sustentam. Seria então uma questão também da sociedade a falta de presença latina nas telas?
Neste momento, não se pode apagar a história; Leonardo afirma que “a hiper mercantilização do cinema no século XX em solo Americano e a criação de uma indústria bilionária às custas da sétima arte impõe a hegemonia ideológica em todo ambiente ocidental. O brasileiro não cresce assistindo produções brasileiras, mas sim produções americanas. A exclusão do consumo ocorre cedo. Basta observar o lançamento do último filme do herói (ou qualquer coisa que o valha). Todas as salas de cinema são tomadas para a única exibição de um filme estrangeiro. Assim, por consequência esse movimento sufoca o que já está fraco; Mesmo as leis de incentivo são incapazes impor a uma dinâmica de consumo cultural doméstico. Esse é o fato histórico, somos marginalizados em nosso próprio ambiente cultural”.
Outro ponto interessante a se pensar é o estereótipo ao qual o latino geralmente é submetido nas produções. Sempre a ideia de galanteador ou criminoso, os personagens não parecem ter uma personalidade que vá muito além disso. “(...) volto a frisar que a postura do latino bandido, ou o latino “Don Rujan” está inserido no bolso arquetípico de consumo americano. Durante décadas se formou essa imagem por meio de repetição estética até ela ser cristalizada na narrativa cinematográfica. Esse movimento só transpõe a falta de tato do cinema americano para com a identidade Latina.
Quando tratamos de mulheres, a presença de latino-americanas em festivais cinematográficos de fato começou apenas em 2019, quando Yalitza Aparicio disputou o Oscar de melhor atriz, marcando a primeira vez em 14 anos que uma mulher latino-americana concorre ao prêmio. Sobretudo, a única vitória do sexo feminino neste contexto falando sua própria língua foi a italiana Sophia Loren, por "Duas Mulheres", em 1962.
Através da entrevista e das análises é possível concluir que existe uma falta de presença latina relevante dentro das telas e também fora delas. O preconceito é enraizado, uma vez que existe uma dificuldade de achar desde PRODUTORES latinos até verdadeiros CINEASTAS. O caminho a percorrer é longo; porém deve ser observado. Entre tantas críticas sociais que percorrem o cotidiano, esta certamente é uma questão que precisa ser tratada com mais ênfase.