Por Arthur Rocha
Para Roberta Moura, o dia começa antes mesmo do sol nascer. O barulho do despertador ecoa no cômodo de seu apartamento na Zona Leste de São Paulo, onde vive com os filhos, Camila, de 17 anos e João, de 10. Ela precisa preparar o café das crianças em poucos minutos, ajeitar os materiais escolares e sair para mais um dia de trabalho como diarista. O cansaço pesa no corpo, mas a necessidade a empurra para frente. Dormir algumas horas a mais não é uma opção. Seu dia começa antes da maioria das pessoas e só termina ao apagar da cidade.
A diarista mora no distrito de São Mateus, junto com seus dois filhos, em um pequeno apartamento comprado com todo o trabalho árduo de Roberta. Todos os dias, ela caminha até o ponto de ônibus, sentido terminal Sapopemba, para atravessar a cidade até os bairros nos quais trabalha. A jornada no transporte público dura cerca de duas horas, e ela aproveita o tempo para descansar os olhos ou ocupar a mente com jogos no celular.
Quando chega ao apartamento de sua principal patroa, ela troca de roupa e inicia a faxina. O trabalho exige precisão: os vidros devem ficar sem manchas, o chão impecável e as roupas organizadas exatamente como a dona da casa deseja. A dona do local costuma deixar bilhetes com orientações e críticas. A diarista observa que raramente recebe um elogio. O silêncio, na maioria das vezes, significa que fez um bom trabalho.
A realidade de Roberta é compartilhada por milhares de mulheres no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 92% das trabalhadoras domésticas são mulheres, e a maioria delas atua sem registro formal. Além disso, estima-se que cerca de 75% das diaristas estejam na informalidade, o que significa que não têm acesso a direitos básicos como licença remunerada, férias ou aposentadoria. A cada dia trabalhado, vivem a incerteza do amanhã. Se por algum motivo forem dispensadas, não há nenhuma segurança financeira que as ampare.
Sem benefícios trabalhistas, Roberta não pode se dar ao luxo de adoecer. Em uma ocasião, teve febre alta, mas mesmo assim foi trabalhar. Quando tentou remarcar o dia, a patroa a ignorou, deixando a diarista de lado. Ela explica que a insegurança é constante. Se alguém decide dispensá-la, não há indenização ou garantias. Trabalhar doente é uma realidade recorrente. Não há opção de atestado, repouso ou recuperação. Cada falta significa menos dinheiro no fim do mês e mais preocupações
Durante o trabalho, as horas passam em um ritmo intenso. Entre um cômodo e outro, ela pensa nos filhos, que crescem num piscar de olhos. Camila quer fazer faculdade de enfermagem, mas já pensa em trabalhar para ajudar em casa. Roberta comenta que seu maior medo é que a filha desista dos estudos por necessidade financeira. Essa preocupação é comum entre mães solo em situação de vulnerabilidade, que veem seus filhos precisando amadurecer cedo demais para ajudar nas despesas da família. A educação, que deveria ser um direito garantido, muitas vezes se torna um privilégio.
Roberta cria os filhos sozinha desde que o pai das crianças abandonou a família. Segundo ela, o marido saiu para procurar emprego e nunca mais voltou. No início, esperou notícias, mas depois entendeu que ele não voltaria. Nunca recebeu pensão ou qualquer tipo de ajuda. Quando João pergunta sobre o pai, ela muda de assunto ou responde que ele precisou partir, já que o filho mais novo nem sequer chegou a conhecê-lo. O abandono paterno é uma realidade silenciosa que pesa sobre milhares de mulheres no Brasil. Muitas tentam recorrer à Justiça para garantir a pensão alimentícia, mas os processos são longos, desgastantes e, em muitos casos, não resultam em pagamento efetivo.
Sua irmã e vizinhos foram fundamentais para reerguer Roberta, já que, ao sair para trabalhar, a diarista não tinha com quem contar para suprir as necessidades de Camila e João durante o dia. Conforme crescia, a filha mais velha assumia uma postura protetora com o irmão mais novo. Roberta percebe que a filha, muitas vezes, se priva de coisas para garantir que João tenha tudo de que precisa. A menina gosta de estudar e sonha em ser enfermeira, mas já sente o peso da responsabilidade. Ela ajuda nos afazeres de casa e cuida do irmão enquanto ainda não volta do trabalho.
O caçula, por outro lado, sente falta da presença da mãe, mesmo compreendendo sua ausência. Às vezes, reclama que queria que ela estivesse em casa para brincar ou ajudá-lo com as tarefas escolares.
Segundo o Censo Demográfico do IBGE, realizado em 2024, de todos os adultos brasileiros que moram sozinhos com os filhos, 86,4% são mulheres. Tal informação aponta que mais de 10 milhões de lares brasileiros são chefiados por mães solo. E esse quadro se agrava no dia-a-dia das diaristas que estão nesta condição.