Gostaria de vir aqui e escrever que durante esta pandemia tenho visto ônibus desocupados, ruas vazias e supermercados onde as pessoas mantém a maior distância possível. Gostaria de contar que estão todos muito engajados a fazer o necessário para evitar contato social e desacelerar a contaminação. Gostaria de poder falar que temos um presidente consciente da situação, que não está poupando esforços para proteger a população.
Queria muito poder falar de tudo isso. Mas eu sou jornalista, não uma escritora de ficção. Por isso tenho que vir aqui contar que as ruas estão cheias e os ônibus estão lotados. Contar que ontem vi um grupo, sentado na frente do supermercado, em uma roda, dividindo cerveja; sem máscaras, sem proteção, sem cuidado, sem responsabilidade social, sem nada. Tenho que contar que a cada absurdo que o presidente da república diz e faz me deixa estarrecida. Tenho que contar que a cada dia que vejo a atualização dos novos casos da doença, dos novos óbitos, eu choro.
Ser jornalista em tempos de pandemia é continuar fazendo todos os esforços necessários para que a informação não deixe de circular, apesar de todos os pesares. Alguns dizem que só servimos para empilhar os corpos e colocá-los na frente das câmeras. Às vezes sim. Agora, infelizmente, é uma dessas vezes. Mas não é só mostrar por mostrar. É mostrar buscando que o mínimo de consciência brote na cabeça dos mais descrentes. Nós sabemos que pessoas morrem todos os dias. Mas não assim. E temos que mostrar para que isso fique claro.
Jornalismo é um serviço essencial e informação correta e apurada é vital para ajudar no combate ao novo coronavírus. Para falar e provar por A+B como isso é sério e perigoso, como podemos nos cuidar, mostrar que essas mensagens que mandaram no WhatsApp sobre terem encontrado uma cura ou sobre caixões e hospitais vazios não são verdade. Esclarecer que mesmo alguém sendo presidente, esse alguém não é dono da verdade. Ninguém é. Nós também não somos. Mas nós temos números, imagens e especialistas ao nosso lado. E você que questiona, tem o que? Não tem provas, mas tem convicção? Talvez seja a hora de revê-la.
Parece que além disso tudo, esquecem que não somos só jornalistas, somos pessoas. Esquecem que não é confortável nos expormos e voltar para casa com medo de contaminar quem mora conosco. Nos tratam mal, nos hostilizam, nos agridem. Não fazem ideia de como é o mundo sem o nosso trabalho. E realmente espero que não precisem passar por isso para valorizá-lo.
Eu sei que a imprensa não é perfeita, os jornalistas não são perfeitos. Erramos muito e vamos continuar errando. Mas os verdadeiros profissionais lutam diariamente para um bom trabalho, com informações corretas.
Mas penso também que talvez a culpa não seja só daqueles que nos maltratam. Talvez a culpa seja de não terem sido educados para compreender o jornalismo e saber consumi-lo. De não terem sido ensinados que imparcialidade não existe. E, o mais importante, que opinião e fato são coisas completamente diferentes.
Quando chego em casa, tiro minha roupa ainda na porta, coloco-a num saco e ponho pra lavar. Junto com as roupas, me desnudo também da minha função. Não assisto jornal, evito as notícias. Tento usar esse espaço pra fingir que o mundo está normal. E, infelizmente, olhar pela janela faz parecer que está mesmo. Acho que se não houvesse uma medida estadual tornando o uso de máscaras obrigatório, ia parecer só mais um dia qualquer, com pessoas indo e vindo, pra lá e pra cá.
Pego o celular e faço uma chamada de vídeo com meus pais. “Você tá bem? Tá sentindo algo? Tem álcool em gel aí? Os ônibus estão muito cheios?”. Estão sempre preocupados. Acho que são esses momentos que eles torcem o nariz para a minha escolha profissional. Quando veem que não é aquele glamour que a bancada do jornal das 20h00 faz parecer que é.
O Brasil é o 6º país mais perigoso para jornalistas, segundo a Unesco. E mesmo assim, eu não me arrependo, nem se quer por 1 segundo, da profissão que escolhi.
No livro “Profissão Repórter: 10 anos”, a jornalista Gabriela Lian conta que o que a fez enfrentar a jornada que os fiéis percorrem no Círio de Nazaré, para mostrar de perto como era a experiência, foi a fé no jornalismo. É nisso que eu me agarro todos os dias: na fé de que o jornalismo pode mudar o mundo, as pessoas e ajudar a construir uma sociedade melhor.