No dia 30 de setembro, o atual presidente, Jair Bolsonaro, assinou um decreto que visa à instituição de novas diretrizes na educação para as pessoas com deficiência. O documento referente a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE)", que muda a legislação do ensino inclusivo.
A principal mudança prevista pelo novo decreto é permitir que os pais da criança com deficiência decidam se preferem matriculá-la em uma escola especial ou em uma instituição regular. A lei anterior obrigava que as crianças fossem inscritas em colégios tradicionais, que, por sua vez, deveriam garantir condições para a inclusão desses jovens. Além disso, os pais deveriam exigir das escolas as condições de acessibilidade necessárias para a educação de seus filhos e, apenas em último caso, recorrer a instituições especiais.
Pelo fato de o decreto permitir que colégios regulares não sejam a primeira opção no ensino das pessoas com deficiência, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência, e o Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE) se posicionaram de maneira contrária ao documento.
Em nota, os órgãos afirmam que o decreto “possibilita a segregação de pessoas com deficiência, sob a velha justificativa da inclusão de ‘pessoas especiais’ em ‘ambientes especializados’ e da autonomia das mães e pais de pessoas com deficiência em decidirem sobre aquilo que pensam ser o melhor para seus filhos, inclusive sobre a educação”.
Além disso, o manifesto lembra que o Brasil é um signatário da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e que, por isso, “assumiu o compromisso de assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis”. O texto assinado pela ABRASCO em conjunto a outras instituições ainda diz que “ao localizar no pressuposto da inclusão ou na ‘insuficiência da escola’ a justificativa para não garantir o direito à convivência entre as diferenças, o presente decreto estigmatiza, exclui e segrega as pessoas com deficiência”.
"No momento que você pega crianças que já tem limitações e coloca em uma bolha, a chance dela se enturmar na sociedade é quase zero. Nesse caso, ela vai ter que sempre conviver com pessoas especiais. No dia que eu morrer, ela vai ter que ir para uma instituição", comenta Camilla Varella, advogada de 46 anos e mãe de um filho autista.
Graças a uma experiência desagradável em uma escola regular, Camilla optou por uma especial recomendada pelo médico de Luiz Antônio, seu filho. No início ela se interessou pelos métodos da escola, que aceitaria sua filha sem deficiência também. Com o passar do tempo, a mãe notou que eles tinham uma metodologia voltada totalmente para a medicina, com aulas de fonoterapia e psicologia, não focavam na pedagogia e separavam as crianças especiais em outras salas.
"Escola especial é muito cara, você faz um sacrifício para pagar, acha que agora seu filho vai se desenvolver e não é bem assim. Pelos termos pedagógicos, eu acho que ele não avançou nada e ele voltou para casa com muito mais déficits, porque ele não convivia com outras crianças e não tinha o exemplo de quem estava se desenvolvendo", afirma Camilla.
Após um ano e meio, a advogada trocou seus filhos para uma escola regular e inclusiva, onde sentiu o apoio de todos os lados, dos professores, dos alunos e dos pais. Também notou o desenvolvimento e interesse de seu filho, que quando ainda tinha aulas presenciais, vestia o uniforme contente todas as manhãs para ir ao colégio. Como a pedagogia acessível da escola ainda estava defasada e os professores não eram especializados na aprendizagem de alunos com deficiência, Camilla contratou uma educadora especial e a levou para a escola. A permissão da diretora para que dessa educadora de fora pudesse frequentar a escola, ajudando Luiz Antônio, foi um grande passo para a inclusão.
Camilla é um exemplo dentre muitos pais que não concordam com o novo decreto da PNEE, por acreditar que ele abre as portas para a diretoria de escolas regulares não aceitarem alunos com deficiências e falarem "nós não temos capacitação, seu filho se beneficiaria em uma escola especial, com material adaptado e arquitetura acessível", colocando a criança de escanteio.
Porém, essa opinião não é unânime e uma considerável parte dos professores vê o decreto algo positivo para a educação de jovens com deficiência. Muitos deles alegam ter vontade de ajudar esses estudantes e não saber como, por isso defendem a educação especializada como o melhor caminho. “Eles encontram na escola especial um espaço que supre a necessidade do filho. Um local onde ele consegue absorver os conteúdos, um local adaptado às necessidades específicas desse filhos. Eles conseguem ver esse filho feliz dentro desse espaço” afirmou uma educadora que prefere não se identificar e já trabalhou nos dois tipos de escola.
A professora acrescenta que a ênfase desse novo decreto é o contexto do processo de decisão da família. O objetivo da PNEE é fornecer mais flexibilidade aos sistemas de ensino: classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes. Portanto, fica a critério dos pais a escolha de qual instituição matricular os filhos. Parte-se do princípio que enquanto o familiar que convive e conhece o indivíduo, esse saberá o que é melhor para ele.
Levando em consideração a importância do inclusão na vida da pessoa com deficiência, mesmo aqueles que são a favor do decreto 10.502 fazem uma importante ressalva: a escola especial só deve ter procurada em último caso, quando todos os outros meios de inclusão de aluno na escola regular falharam. O ideal seria a escola regular inclusiva que tivesse todas a adaptações necessárias para receber qualquer tipo de aluno. Adaptações não só no sistema educacional, mas também nos projetos arquitetônicos dessas escolas.