Por Fábio Pinheiro
A vida no Brasil não foi fácil no início. Riahana, que chegou ao País em 2017, falava pouco português e enfrentava o desafio de adaptar-se a uma cultura completamente diferente. No entanto, o apoio dos brasileiros e a hospitalidade da comunidade local foram fundamentais para sua adaptação. Apesar disso, a distância de sua família no Afeganistão nunca foi superada. O temor pela segurança de seus parentes permanece constante, especialmente após a retomada do poder pelo Taleban, que trouxe de volta os tempos de violência e repressão.
Na movimentada Rua Tamandaré, em São Paulo, entre um brechó e uma loja de azulejos, há um pequeno refúgio que, aos olhos de quem passa apressado, pode passar despercebido. Mas, para aqueles que buscam um pedaço do Afeganistão na selva urbana da Liberdade, o restaurante Koh I Baba é uma ponte entre mundos, uma memória viva da terra distante e uma promessa de recomeço. O restaurante, com apenas três mesas e toalhas vermelhas que se destacam em meio ao ambiente simples, não é só um estabelecimento de comida; é uma história de resiliência, uma história de vida.
Sorb Kohkan e sua esposa, Riahana Ibrahimi, chegaram ao Brasil como refugiados, trazendo consigo não só as cicatrizes da guerra, mas também o desejo de continuar a viver, de recriar suas vidas em um novo continente. O nome do restaurante, Koh I Baba, vem de uma pequena cidade do Afeganistão que, para o casal, representa um refúgio de tranquilidade no meio do caos. Koh I Baba é também o nome de uma montanha sagrada, um ponto de encontro entre as tradições e a espiritualidade afegãs. A escolha do nome não foi por acaso: é uma lembrança de casa, um símbolo de resistência e um elo com suas raízes.
O local, no entanto, não se limita a ser uma simples homenagem ao passado. Ele funciona como um lugar de acolhimento, onde os sabores autênticos do Afeganistão se encontram com o coração brasileiro. Riahana, que comanda a cozinha enquanto Sorb se ocupa das tarefas administrativas, prepara os pratos com um cuidado quase ritualístico. O Korma, um prato de carne bovina marinada por 24 horas e refogada com temperos especiais, legumes e arroz aromático, é uma das especialidades que conquistou até os paladares mais exigentes. O Kabuli, outro prato tradicional, que combina arroz basmati com costela e especiarias como cardamomo e pistache, é uma verdadeira obra de arte gastronômica, um reflexo da complexidade e riqueza da culinária afegã.
Os clientes, muitos deles brasileiros, se encantam não apenas pela comida, mas pela sensação de estar em um espaço carregado de histórias. Em um ambiente onde os sabores são tão intensos quanto as vivências de quem os prepara, o Koh I Baba oferece mais do que uma refeição: oferece uma experiência. Riahana, com um sorriso que transmite força e acolhimento, afirma que no Brasil não têm medo de mostrar quem são. Para ela, o Brasil foi uma segunda casa. Ela reconhece a hospitalidade do povo brasileiro, que ajudou tanto na adaptação da família.
Sorb Kohkan, um homem de 65 anos, carrega no rosto as marcas de uma vida difícil. Seu olhar, ao mesmo tempo tranquilo e preocupado, reflete a experiência de alguém que foi forçado a viver no exílio após décadas de guerra no Afeganistão. Como muitos da etnia hazara, ele sofreu na pele o peso da discriminação, dos sequestros e da violência imposta pelo Taleban. Seu país, que há mais de 40 anos se vê tomado pela guerra, foi o cenário de inúmeras tragédias, e a vida de Sorb e sua família nunca foi fácil. A decisão de fugir para o Brasil foi uma das mais difíceis, mas também uma das mais determinantes de sua vida. De acordo com ele, o Afeganistão tornou-se um lugar insuportável para viver. Ele conta que já foi sequestrado e que as mulheres eram severamente reprimidas, sendo até castigadas por algo tão simples como pintar as unhas. Sorb soubera que o Brasil, um país democrático e que respeita os direitos humanos, poderia ser a esperança para a sua família.
A vida no Brasil, com todas as dificuldades de um imigrante, não foi fácil. Sorb trabalhou em pizzarias e, depois, em outros pequenos negócios até conseguir juntar o suficiente para abrir o Koh I Baba. Ele e sua esposa, Riahana, estabeleceram seu restaurante como um símbolo da luta pela sobrevivência. A loja é a concretização de um sonho que nasceu da necessidade de começar de novo. Para o casal, mais do que um meio de sustento, o Koh I Baba é um refúgio, uma forma de resistência que mantém viva sua cultura e sua identidade.
Ainda assim, a preocupação com a segurança de sua filha, que permaneceu no Afeganistão, pesa sobre seus ombros. A filha de Sorb, que trabalha como professora, é uma das muitas mulheres afegãs que agora vivem sob a ameaça constante do Taleban. Sorb relata que suas filhas e irmãs não podem mais trabalhar ou estudar com liberdade, pois o Taleban proíbe que as meninas frequentem escolas e persegue as mulheres. Ele se diz profundamente preocupado com a segurança de sua família. Sua filha, escondida com medo, não pode sequer sair de casa. A angústia de Sorb é evidente: ele se sente impotente para ajudar aqueles que ficaram para trás, enquanto luta para garantir um futuro mais seguro para sua família no Brasil.
Apesar de toda a tragédia e sofrimento, há uma força silenciosa que permeia a história de Sorb e Riahana. O restaurante, com seus pratos tradicionais, se tornou um símbolo de sua luta pela preservação da identidade e cultura afegãs, mas também de sua adaptação ao Brasil, que ofereceram a eles a oportunidade de reconstruir a vida. Em um país tão distante, no coração de São Paulo, Sorb e Riahana não só superaram as dificuldades do exílio, mas também se inseriram em uma nova sociedade, sem abrir mão das suas raízes.
Para Sorb, viver no Brasil tem sido uma bênção. Embora a distância e a falta de notícias da família ainda sejam um sofrimento constante, ele acredita que, por mais que a saudade do Afeganistão seja grande, o Brasil lhe ofereceu a oportunidade de viver em paz, de criar um novo lar. O restaurante Koh I Baba representa isso: uma nova chance, uma nova história. O calor humano brasileiro, a simplicidade dos gestos e a acolhida das pessoas foram fundamentais para essa adaptação, e Sorb, embora com o coração dividido entre dois países, sabe que no Brasil ele encontrou um lugar para recomeçar.
O Koh I Baba, com sua comida autêntica e sua atmosfera acolhedora, é o testemunho de que, mesmo no exílio, é possível preservar a dignidade, a cultura e a esperança. Riahana e Sorb ainda sonham com o dia em que poderão reunir toda a família em segurança no Brasil, mas enquanto isso não acontece, o restaurante segue sendo o lugar onde, dia após dia, eles recontam suas histórias por meio da gastronomia, mantendo viva a memória de sua terra natal, no meio da selva de concreto de São Paulo.
O Koh I Baba não é apenas um restaurante. Ele é um símbolo de resistência, de luta pela preservação de uma cultura que, apesar da guerra e da violência, insiste em sobreviver. A história de Sorb Kohkan e Riahana Ibrahimi, que atravessaram oceanos e desertos para chegar ao Brasil, é um testemunho de coragem e perseverança. E enquanto o casal aguarda, com esperança, o dia em que sua filha e outros familiares possam se reunir a eles em segurança, o Koh I Baba continua sendo um farol de acolhimento, oferecendo aos paulistanos uma pequena janela para o Afeganistão, onde a gastronomia e a memória cultural continuam a florescer, mesmo longe de casa.