A disputa presidencial em São Paulo mostrou uma característica que apenas as capitais possuem, a volatilidade na mudança conforme as inaptidões dos governos. No caso os paulistanos, principalmente das periferias, sofreram com as políticas sanitárias do atual presidente. No município, Lula ganhou com 53,5% dos votos válidos, frente ao concorrente direitista, Jair Messias Bolsonaro, com 46,4%, sendo que apenas em 2002 um candidato petista conseguiu tal feito e, no caso, o próprio Lula.
Por mais que tenha perdido no Estado, o Partido dos Trabalhadores (PT) teve um aumento de 51% dos votos na cidade de São Paulo em relação à eleição de 2018, com Fernando Haddad representando, à época, o partido de esquerda.
Com a onda de candidatos alegando trazer uma nova política e a operação Lava Jato em alta, o presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou notoriedade como uma alternativa possível de governança. Porém, ao fim de sua gestão, a população paulistana entrou em uma nova reflexão sobre qual caminho seguir, mudando sua preferência para Lula.
O professor do departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) e autor da obra História do PT (2015), Lincoln Secco, afirma que uma das razões para Lula ganhar na capital foi pelo fato de que o PT sempre foi mais forte no município de São Paulo do que no interior.
Em segundo lugar, porque os problemas sociais que se agravaram no governo Bolsonaro são mais visíveis numa megacidade como São Paulo. “Os problemas ganham outra escala, muito diferente das cidades médias do interior. Houve grande desgaste de Bolsonaro.”
O PT ressurge
A região Sudeste foi decisiva para a vitória do ex-presidente Lula na eleição de 2022. Alavancada pelo estado de São Paulo, o petista teve 4,3 milhões de votos a mais que o seu antecessor, Fernando Haddad (PT), na eleição de 2018. Somente na capital, Lula teve 1,25 milhão de votos a mais que Haddad.
Para o Vereador Senival Moura, líder municipal do PT em São Paulo, os motivos para explicar o aumento de 12,8% dos votos no estado desde a última eleição podem ser resultantes da volta da imagem simbólica de Lula, junto com toda a carga histórica que ele representa para a população; diferente da imagem menos carismática do Haddad.
Além de ter uma imagem mais influente, como símbolo que representa o partido, a decisão de ter como vice o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), para Moura, aparenta ter sido uma estratégia a favor do petista, já que Alckmin é popular no interior paulista, passando credibilidade aos núcleos mais conservadores.
“Alckmin contribuiu muito. Pode não ter transformado aquele percentual necessário para garantir uma vitória tranquila do Lula ou até mesmo do Haddad, mas quebrou a resistência de muitas pessoas”, diz o vereador.
Lincoln Secco comenta que Alckmin não foi para a chapa petista para angariar votos, mas para gerar credibilidade política, assim como o cientista político pela USP e professor da Fundação Getúlio Vargas, Cláudio Couto, que explica sobre a importância do ex-governador: “Muitos dos eleitores que podiam ter algum tipo de receio em votar no Lula, votaram nele ao ver que o Alckmin estava com ele. Atenuando a imagem de esquerdista que muitos acham que ele poderia ter”.
No segundo turno, Lula obteve mais votos em 35 das 58 zonas eleitorais na capital, sobrando somente 23 para o atual presidente. Em análise de maior concentração de votos, Lula ganhou na zona sul: em Piraporinha, zona eleitoral em que conquistou mais votos, foram 66,6% dos eleitores; havendo o aumento de 39 mil pessoas que não votaram no PT em 2018.
No Grajaú, segunda zona eleitoral que mais votou no petista, foram 66,1% dos votos. Em Parelheiros, foram outros 34 mil votos a mais, seguido de Perdizes (33 mil), São Mateus (32 mil), Brasilândia (31 mil) e Perus (29 mil).
Só no Rio Pequeno, Zona Oeste de São Paulo, onde há favelas como a São Remo, Sapé e 1001, o petista obteve 40 mil votos a mais quando comparado com Haddad. Já Bolsonaro, que havia recebido 94 mil votos em 2018, viu o seu eleitorado ser reduzido para 81 mil.
Proporcionalmente, Lula teve o maior avanço em Indianópolis e no Jardim Paulista, mesmo sendo regiões onde foi superado por Bolsonaro. Nelas tiveram 80% mais votos do que o PT em 2018, o que em votos significou 25 mil e 18 mil eleitores a mais, respectivamente.
Na Bela Vista, quase 20 mil eleitores que escolheram o capitão em 2018 não votaram nele este ano, o que levou Lula a ter 63,7% dos votos.
Cláudio Couto explica haver bairros que possuem um “movimento pendular”, que em cada eleição podem ter resultados diferentes. “Eles não são aferrados ideologicamente a um partido. É o caso de Perdizes, do Ipiranga e da Bela Vista”.
Das 58 zonas eleitorais que dividem a cidade, 33 estão em regiões periféricas; sendo as regiões que mais necessitam dos programas sociais e do Auxílio Brasil. Mas, isso não significa que o voto no petista ficou somente restrito nessas zonas eleitorais, sendo pulverizado pela cidade: nos extremos da zona leste e oeste, por exemplo, Lula abocanhou eleitores que em 2018 eram de Bolsonaro.
O líder do Partido dos Trabalhadores no município explica que para essas eleições, as campanhas políticas foram diferentes e isso pode ter influenciado no resultado, mas apesar disso, confessa que parte da mudança ocorreu de forma orgânica
“Primeiro enfrentamos a máquina federal, depois no segundo turno enfrentamos a máquina estadual e municipal [...] então a gente percebe que o povo se arrependeu de ter votado em Bolsonaro”.
O antipetismo
Segundo o historiador Lincoln Secco, há uma gigantesca classe média que não considera que o PT tenha algo a oferecer para ela. Segundo o escritor, o movimento antipetista é baseado em um conservadorismo ideológico.
“O pretexto utilizado para combater o PT passou a ser a corrupção. Mais recentemente, o antipetismo combinou a crítica da corrupção e a pauta de valores morais. Isso aconteceu, na minha opinião, porque a lava jato foi desmoralizada.”
Secco defende que a Operação Lava jato foi uma política criada a fim de retirar o PT do poder e também comenta que o medo do radicalismo petista se diluiu, já que o PT fez um governo moderado em 2002, além de apontar que o governo Bolsonaro tem escândalos de corrupção enormes e isso impediu o atual presidente a se apresentar como defensor da ética na política.
As baixas dos votos bolsonaristas
Já o atual presidente perdeu 503 mil votos na capital paulista e 586 mil votos nas demais cidades, totalizando um déficit de 1,1 milhão de votos no Estado de São Paulo em 4 anos. Mesmo tendo ficado novamente à frente do PT no maior colégio eleitoral do país, Bolsonaro viu a sua vantagem cair 25,6 pontos percentuais entre uma eleição e outra.
E ainda que abaixo das 50 zonas eleitorais conquistadas em 2018, Bolsonaro seguiu sendo o favorito em bairros como Tucuruvi, com 44,4% e Vila Maria, com 47,4%, na zona norte, além da Vila Formosa, na zona leste, bairro que teve a maior quantidade de votos, com 49,3% - dados do segundo turno.
Em comparação com os números da votação de 2018, Bolsonaro venceu no Estado de São Paulo pela diferença de 68% frente a 32% de Haddad. Já em 2022, a vantagem no estado ficou em 55,5% a 44,8%. Sob análise destes dados, é possível evidenciar que foi no Sudeste onde o PT conseguiu aumentar as suas margens, auxiliando na vitória acirrada do segundo turno em 30 de outubro.
Bolsonaro também optou por investir mais no interior - inclusive com Tarcísio de Freitas - do que na região metropolitana. O presidente tinha pouca chance na capital, valendo mais investir a campanha em cidades que preservam o conservadorismo. Diferente de Lula, que tem bases na região metropolitana, região que sempre foi importante para ele.
"Há setores antipetistas na capital, mas isso é muito mais forte no interior do estado. Acho que isso explica o porquê que o Bolsonaro investiu mais no interior, pois ele sabia que era um terreno mais fértil para ele colher votos”, afirma Cláudio Couto.
O autor Lincoln Secco ressalta que o bolsonarismo perdeu parte de sua base e passou por reavaliação dos eleitores. “Houve uma grande reação espontânea da sociedade civil em todo o Brasil contra o fascismo bolsonarista, especialmente nos estratos médios, onde o PT tem mais dificuldades. Grupos que habitualmente não se envolvem em disputas eleitorais apoiaram o PT não pelo próprio PT, mas porque se sentiram ameaçados pelo bolsonarismo”
O vereador Isac Félix, liderança do PL no município de São Paulo, por meio de sua assessoria, não quis comentar sobre a campanha do partido na capital ou qualquer outro assunto relacionado às eleições.
O trânsito de votos vem de antes de 2018
A história, na verdade, é um pouco mais longa. Em 2014 o PT foi o mais votado na periferia e o PSDB, no centro. A surpresa seria nas eleições de 2018, em uma movimentação inesperada, parte da periferia votou em Bolsonaro, e não em Haddad. Segundo Daniela Costanzo, cientista política da USP, isso se explica pela crise à época. “A crise econômica teria gerado uma situação muito ruim na periferia e ela seria atribuída a Dilma, assim como a Haddad. Mas não seriam [atribuídas] ao Lula.”
Já em 2022, esses votos que eram de redutos eleitorais do PT, voltam. Votos que foram perdidos em 2016 para a candidatura de Doria como prefeito e para Bolsonaro, em 2018, para presidente. A cientista observa haver um revés na região do centro, local que sempre optou pelo PSDB e escolheu Bolsonaro em massa, em 2018: distritos centrais que haviam votado no candidato do PL, preferiram Lula: Perdizes, Vila Mariana, mas principalmente Sé e Bela Vista.
Daniela Costanzo analisa as seguintes hipóteses: a população desses bairros são de classe média e alta, dos quais a pandemia de COVID-19 foi um aspecto importante, pois sofreram no governo Bolsonaro com a falta de vacina e negacionismo. Temas que a classe média alta, que se preocupa com a educação, não compactua.
A principal mudança foi nas regiões centrais, que não estavam votando no PT e passaram a votar em oposição a Jair Bolsonaro. Para o cientista político, Cláudio Couto, o fato disso ocorrer é que o antibolsonarismo se fortaleceu na cidade de São Paulo, assim como de maneira espalhada pelo país. “A postura de Bolsonaro como ameaça clara à democracia, na pandemia contra vacina, contra medida restritiva, foi alguns dos fatores que gerou o aumento da sua reprovação”.
O professor conclui que os votos no PT foram um ato contra o estrondoso governo de Bolsonaro. “Mesmo quem tivesse resistências ao PT dentro da cidade de São Paulo, votou no Lula como um voto antibolsonarista. Isso explica boa parte dos votos no Lula”.
A influência de Luiz Inácio Lula da Silva
Lincoln Secco comenta sobre o impacto da figura de Lula nessa mudança dos votos de 2018 para 2022 na capital paulista, ponderando que o partido é tão representativo quanto.
“Sem dúvida [a simbologia de Lula] influenciou. Mas Lula também é inseparável do PT e ele não poderia ser candidato sem um partido histórico, enraizado numa parte da sociedade brasileira e presente na maioria dos municípios do país.”
Em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores governou três vezes, e Cláudio Couto lembra que esse perfil histórico no município é determinante: “O PT é um partido que foi fundado na cidade de São Paulo, é um partido não só paulista, mas paulistano. É um partido competitivo na capital, fundado na capital e muito articulado”.