Cobradores de ônibus ainda sonham mesmo com a ameaça dos seus trabalhos

O aviso sobre a paralisação da função está em discussão há mais de dez anos
por
Giuliana Barrios Zanin
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29/05/2025

Por Giuliana Barrios Zanin

 

 

 

Seu nome é Sandro. Durante a conversa, ele sempre olhava para o redor. Esse é o seu trabalho. Olhar a cidade. As pessoas não olham mais para o mundo, relata. O barulho da catraca interrompe, por um momento. - Boa noite.

Ao longo da viagem, a conversa será atravessada pelos ruídos da cidade ou pelo tempo curto do trajeto. A todo minuto ele enfrenta uma despedida - um oi, um raro sorriso e tchau. Ele se acostumou com essa dinâmica, mas, são, pelo menos, 34.560 horas acenando para vidas passageiras, ou seja, quase 15 anos. Isso não impede o seu olhar de ser atencioso e seguro. Enquanto as pernas andavam sem saber por onde as cabeças estavam, Sandro fazia questão de se atentar. Caso o seu corpo andasse junto à cabeça, afirma que gostaria de estudar algo, talvez Direito. Gosta de falar com as pessoas. Quer ajudá-las.

- Licença, você pode trocar essa nota de dez?, diz uma moça.

Apesar do trabalho lhe cobrar, senão pelas notas, por uma ameaça de uma vida quase extinta, Sandro não para de sonhar. Seus olhos sabem para onde querem ir - ele deixa claro que essa não é sua despedida da cidade. Mas ele olha os retrovisores e sabe que os carros não possuem muita paciência. A rapidez está matando o que Sandro tem de sobra - tempo para observar. Enquanto não alcança os seus sonhos, Sandro afirma que está tentando se tornar motorista caso algo aconteça: sua demissão.

Por um momento ele contou que já ouviu muito da boca do povo que o que faz não é mais produtivo. Tudo está no celular. Daqui a pouco, você será mandado embora. Mas esses são boatos circulando há mais de dez anos, segundo ele. Uma matéria do Diário do Transporte publicou, em 2022, um documento oficial da SPtrans que falava sobre “o fim dos cobradores de ônibus da capital paulista”. De acordo com o texto, a partir de abril daquele ano, a empresa deixaria de pagar 2,5% do valor referente ao custo dos cobradores às empresas viárias. Ou seja, não teria mais a obrigação legal dessa função no transporte paulista. Vale ressaltar que São Paulo é uma das únicas cidades que ainda não deram fim ao trabalho do cobrador, fato que permite ainda a existência desta função nos ônibus paulistanos.

Como o trabalho de Jucilei Cardoso que está há dois anos como cobradora da linha Gato Preto e afirma que já ouviu que seu trabalho seria extinto. Vai ser quase nula a nossa função, ela relata quando passou a observar a implementação de novos validadores que aceitarão meios de pagamento com dinheiro virtual. Afirma que o Sindicato tem se empenhado para que o seu trabalho permaneça ou passe por uma mudança gradual sem prejudicar quem está na função. Ela começou no transporte porque sempre se interessou, e declarou que seu grande sonho é se tornar motorista - uma outra tentativa de também não perder o emprego. 

As oportunidades para condutores de ônibus ainda estão boas, segundo Elando Sousa. Ele é motorista há um pouco mais de oito anos e também já foi cobrador. Ele veio do interior do Rio Grande do Norte como transportador, então já sabia como funcionava todo tipo de terra no Brasil - seja de asfalto, de barro, de concreto ou outra qualquer. Ele veio na onda dos que procuravam alcançar os seus sonhos na capital paulista. Seu sonho sempre foi o de ser motorista de ônibus. Continuar dirigindo pelas estradas, mas, dessa vez, nas de asfalto. 

Elando ressaltou como o trabalho do cobrador é indispensável para que possa fazer uma viagem tranquila e segura com os seus passageiros. Ele está ali para também ajudar caso tenha algum problema que não possa resolver, como algum incômodo entre as pessoas dentro do ônibus, alguém com dificuldade de entrar no transporte ou caso se envolva em um acidente, diz, já que talvez não tenha condições de lidar com aquilo sozinho. O cobrador é um suporte. Elando afirma que caso o cobrador deixe de existir, a cidade de São Paulo vai sofrer, porque são eles que fazem algum controle sobre o que está acontecendo do primeiro banco para trás. 

Apesar de alguns funcionários considerarem necessária a função, André Luís, que também é motorista, dirige sob a frota de 2024 que já possui uma central de monitoramento por meio de câmaras localizadas em todo o carro. Ele acredita que esse já seja um sinal de mudanças no funcionamento do transporte público. A última frota entregue em abril deste ano pela Prefeitura de São Paulo aderiu a câmeras inteligentes ligadas ao Programa Smart Sampa, que farão o reconhecimento de pessoas foragidas e pessoas em situações de perigo. 

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Sandro conta que seu trabalho como cobrador, ao longo dos quinze anos, lhe permitiu enxergar a função com carinho pela cidade. Foto: Giuliana Zanin.

Num mundo onde o contato restringiu-se às cabeças baixas, com os olhares sob as telas e a segurança aderiu aos controles digitais, ditos "inteligentes", o trabalho daqueles que cotidianamente eram cercados pelo atropelamento das falas, pelos acenos de bom dia e pelas informações trocadas restou a uma função de vigilante que vive pela ameaça constante de sua extinção. Os olhares desses agentes, apesar não serem mais suficientes para um mundo fisicamente online, estão se encaminhando para não perderem seus sonhos no meio das demissões. 

 

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