Chloé Zhao firmou-se como favorita para vencer a categoria de Melhor Direção no Oscar em 2021 no último dia 7, quando levou para casa o Critics Choice Awards uma semana depois de receber o Globo de Ouro, ambas premiações que são importantes termômetros para a maior noite do cinema norte-americano. Se realmente consagrar-se como melhor diretora do ano no Oscar, Zhao se tornará a segunda mulher na história a conquistar o prêmio - a primeira foi Kathryn Bigelow, em 2010. Mas afinal, por que tão poucas mulheres chegam nessa posição?
Chloé Zhao ao receber o Globo de Ouro. (Fonte: Divulgação)
De acordo com uma matéria da Folha de São Paulo de 2018, uma pesquisa realizada pela Universidade do Sul da Califórnia utilizou um banco de dados de 1.100 filmes produzidos entre 2007 e 2016 e constatou que dos 1.223 diretores que encabeçaram os projetos, apenas 4% foram mulheres, com pior índice em 2013 e 2014, que contou com apenas 1,9% de participação feminina. Já um outro levantamento realizado pelo Center for the Study of Women in Television & Film constatou que, em 2018, 8% dos 250 melhores filmes e produções de maior destaque foram dirigidos por mulheres. Tais dados pautam diretamente a pouca oportunidade feminina na indústria, que limita a nossa admiração e conhecimento para apenas trabalhos masculinos.
“Nomadland”, longa pelo qual Zhao foi indicada para o Oscar, tem sido aclamado pela crítica especializada desde que surgiu pela primeira vez. No filme, a personagem interpretada por Frances McDormand torna-se uma nômade da atualidade quando a morte do marido e a crise econômica de 2008 colocam em perspectiva sua trajetória. McDormand também figura a lista de indicadas para a premiação e, se vencer, levará para a casa a terceira estatueta. Em sua última vitória, em 2018, a atriz dedicou um momento de seu discurso para às
mulheres indicadas que estavam presentes naquele momento, dizendo que todas tinham histórias para contar e projetos para financiar.
Falando sobre história, muitas mulheres passaram por um processo projetado de esquecimento na indústria. A maior prova disso somos nós mesmos. Quantas mulheres diretoras conhecemos? Quantos homens diretores conhecemos? Que diretora possui um grande destaque pelo seu estilo, sua obra, seu trabalho? - inclusive, enquanto escrevia este trecho, foi sugerido pelo Google a troca do termo “diretora” por sua contraparte masculina.*
O “male gaze”, ou olho masculino, é a maneira utilizada por muitos e muito anos para se contar histórias. Apesar de no passado o termo carregar mais força, quando o cinema era um mundo completamente dominado por homens, ele mantém seu significado. O olhar masculino através das lentes fala muito sobre o papel único estipulado para a imagem da mulher, objetificado e enclausurado, definindo-a apenas como um símbolo de desejo ou espelho de inspiração. Ele controla a narrativa através do gaze, que mantém o homem no lugar do contador único e exclusivo de todas as histórias, ou pelo menos quem decide quais valem o custo. Entretanto, apesar do difícil descongestionamento da visão imposta, é preciso que se entenda que o male gaze possui o seu significado, mas que ele não mais é enxergado como a única maneira de se construir narrativas.
Para tanto, Alice Guy Blaché, Sofia Coppola, Kathryn Bigelow, Anna Muylaert, Greta Gerwig e Emerald Fennell são alguns dos nomes de mais destaque na cena, principalmente nos Estados Unidos. Apesar do algoritmo histórico mover as engrenagens do apagamento, cada uma, em suas respectivas épocas e assinando seus estilos diferentes, foram capazes de contar suas histórias do ponto de vista de quem de fato as entende. Todos esses nomes, incluso o de Chloé Zhao, são os que todos os dias justificam a necessidade da construção de modelos que valorizem seus projetos e que esqueçam a cotidianidade do movimento branco, masculino e heteronormativo. E há números que indicam isso.
De acordo com o mesmo levantamento realizado pelo Center for the Study of Women in Television & Film - levantamento realizado anualmente -, mas agora em 2020, dos 100 filmes mais lucrativos do ano passado, 16% foram dirigidos por mulheres, além de um aumento no número da representação feminina nos mais diversos cargos da indústria. De acordo com a diretora do Centro de Estudo, Martha Lauzen, “As boas notícias é que vimos dois anos consecutivos de crescimento para diretoras. [...] Isso quebra um padrão histórico recente em que os números crescem em um ano e despencam no seguinte.” E é verdade. Ao lado de Chloé Zhao neste ano está Emerald Fennell, diretora do longa “Promising Young Woman”. Essa é a primeira vez que mais de uma mulher é indicada na categoria. Entretanto, Lauzen ainda afirma que há um longo caminho a percorrer. “As más notícias é que quase 80% dos filmes mais lucrativos ainda não tem uma mulher no comando.” De qualquer forma, para tais perspectivas para o futuro e receios de Lauzen, boas notícias. Zhao também é um importante representativo da quebra de paradigmas. Ela será a diretora do longa “Os Eternos”, próxima grande aposta para a Marvel Studios - que já conta com Nia DaCosta no comando de Capitã Marvel 2.
Apesar do cinema hollywoodiano ser o maior ponto de referência para várias pessoas, o cinema de massa ainda é muito atrasado em relação aos demais estilos pelo mundo. De acordo com o professor da PUC-SP Marcelo Prioste, o cinema independente já está muito à frente em medidas inclusivas e na descentralização da imagem cinematográfica.
“Enquanto o cinema industrial simplifica fórmulas e banaliza abordagens, muitas vezes até empobrecendo debates, esses "outros cinemas" mundo afora estão anos luz à frente nesses temas e até mereceriam mais espaço para serem apresentados e discutidos pela imprensa, inclusive por terem um circuito de exibição bem mais restrito e portanto menor visibilidade.”
Ainda falando sobre perspectivas para o futuro, Prioste falou sobre como ainda não atingimos uma sociedade ideal, tendo em vista que a presença feminina na indústria ainda precisa ser discutida e reavaliada, e também deu algumas indicações.
“Como a indústria de cinema tem o machismo como marca na sua história, reverter esse quadro será um processo lento, que tem avançado nos últimos anos, mas ainda tem um longo caminho a percorrer. Ao considerarmos o cinema comercial, aquele que sustenta-se apenas por uma relação de consumo com seu público, os filmes só realmente irão mudar por completo no momento em que a sociedade de maneira geral deixar de se interessar por filmes de cunho ou postura machista. Na verdade isso parece já estar em curso, mas, como são diversas as variáveis e fatores envolvidos, seria muito arriscado fazer qualquer prognóstico preciso em relação a prazos.”
Para dar algumas dicas para os leitores, Marcelo encerrou a entrevista falando sobre América Latina.
“Pensando em América Latina e um cinema que corre por fora da grande máquina do capital, destaco a cineasta argentina Lucrecia Martel. Em filmes como Zama (2017), A Mulher Sem Cabeça (2007), A Menina Santa (2003) e O Pântano (2001) como exemplos, observamos uma forma poética muito peculiar, que concilia aspectos pessoais, memorialísticos e de afeto com a condição humana, trazendo reflexões bem ricas e nada óbvias sobre seu país de origem e a situação latino-americana. Altamente recomendável.”