Casas geminadas e sobrados dão lugar a grandes prédios e empreendimentos

A verticalização parece ser um fenômeno inevitável nas grandes cidades
por
Mário Gandini
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21/06/2022

Por Mario Gandini

Vista de cima, a cidade de São Paulo é percebida como uma imensidão cinza e de concreto, sempre popularmente chamada de “selva de pedra”. Isso sempre foi comum para os paulistanos, mas de uns tempos para cá, cada vez mais é possível notar casos de prédios e empreendimentos sendo construídos em lugares que eram conhecidos por serem compostos por sobrados e casas germinadas.

Pela primeira vez desde sua fundação, em 1554,a capital paulista possui mais apartamentos do que casas. O estudo foi feito pelo Centro de Estudos da Metrópole(CEM-Cepid), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp), que teve como base de dados da Secretaria Municipal da Fazenda usadas para cálculo de IPTU entre os 2000 e 2020. Foram considerados cerca de 63 milhões de imóveis formais, ficando de fora, portanto, residências informais ou favelas.

Segundo os dados coletados pelo (CEM), o processo de verticalização da capital está acontecendo em ritmo um tanto quanto acelerado. Em 2000 as residências em casa representavam 1,23 milhão de imóveis, no ano 2020 esse número passou a 1,37 milhão, um aumento modesto de 11,8%. Por outro lado, os apartamentos aumentaram de 767 mil unidades em 2000 para 1,38 milhão em 2020, uma explosão de 80% no período. Em termos de metragem, a área total somada dos apartamentos na cidade subiu de 386,3 milhões de m² em 2000 para 534,8 milhões de m² em 2020. Para os especialistas, a verticalização ocorreu principalmente por razões econômicas e por incentivos do Plano Diretor, cuja ideia era justamente adensar a população nas regiões com melhor infraestrutura.

O Plano Diretor é o nome do projeto que analisa as regras para o crescimento da cidade, que foi aprovado em 2014, na gestão de Fernando Haddad. O plano diretor é uma política de longo prazo, por isso algumas medidas vão demandar mais tempo para a sua implementação. Enquanto isso, o ideal no momento é dar instrumentos para avaliação e discussão do plano pela sociedade, para que tudo seja realizado até 2029.

O principal objetivo do projeto era aproximar as moradias dos transportes públicos, seguindo um mapeamento dos corredores de transporte público (ônibus, trem e metrô). Segundo a Prefeitura de São Paulo, em 2014,ano da efetivação do Plano Diretor, teve 21 empreendimentos licenciados nessas áreas.

Em bairros como Pinheiros, Cambuci ou Vila Mariana, percebe-se claramente que o setor imobiliário realmente não parou nem na pandemia. Estes bairros que antes tinham como características de ser compostos em sua maioria por casas, onde a vizinhança tinha uma interação, hoje temos quarteirões fechados por tapumes das obras. Com o crescimento populacional na cidade a falta de espaço se expandir horizontalmente a verticalização é uma saída, o resultado é aumento do adensamento populacional nestes bairros.

Muitos dos moradores destes bairros mencionados já relataram uma certa intimidação das incorporações para que os moradores cedam seus imóveis às construções de prédios em São Paulo. Pedro Veloso, de 24 anos, dono de uma tabacaria na Vila Mariana localizada ao redor da faculdade ESPM relatou como isso vem acontecendo no bairro “este mês é o último que estaremos nessa unidade, todos esses estabelecimentos até a padaria na equina foram comprados por uma empresa que constrói moradias estudantis, agente entende que o bairro oferece estrutura para esses empreendimentos chegarem, mas a verdade é que isso está sendo bem mal feito, por exemplo, eu não serei afetado com isso porquê já achamos um outro lugar para alugar mais próximo da faculdade, mas o meu vizinho que morava há 35 anos, sempre vem lamentar que ele vai deixar o bairro com o coração apertado. Fora que esse Plano Diretor tem que ser revisado, pois, só está segregando mais ainda as populações da alta classe média, da população de mais baixa renda que realmente iria se beneficiar disso tudo”.

No Bairro da Saúde, próximo à Vila Mariana, Vera Lúcia de 73 anos, lamenta a pressão que vem sofrendo por parte das empresas que todo mês vem com uma proposta para comprar a sua casa que mora há mais de 30 anos “Eu acho que é um desrespeito sabe, a vizinhança mudou muito já, antes só podia construir até 8 andares, aí veio esse prédio aqui perto, agora, com essa nova regra já tem 3 prédios enormes que serão construídos aqui próximo deste quarteirão. Logo, logo, eu vou ficar no meio dos prédios, eu a minha casinha, mas eu não vou embora não, pode ser o preço que for” ressalta Vera.

Outro caso é o do Carlos, aposentado e ex morador de Pinheiros atualmente, quando conversamos ele estava para se mudar, pois, devido às condições que vivia a proposta era irrecusável, agora está vivendo na Zona Norte, mas relata a saudade de viver em um bairro como Pinheiros“ É, o que mais me fez pensar é o quanto que o meu imóvel iria desvalorizar, se eu tivesse condição eu nuca teria saído de lá, eu passei momentos maravilhosos e tive lembranças que foram simplesmente demolidas.”

A construção de torres de alto padrão surge a partir do interesse imobiliário em valorizar uma região, o que acaba atraindo pessoas de renda mais elevada e expulsando outras camadas da população. Isso é um fenômeno bem conhecido, chamado de Gentrificação.

 

VERTICALIZAÇÃO X GENTRIFICAÇÃO

A maior problemática nessa situação toda é que essa verticalização está causando muita discussão nos bairros porque esse fenômeno está perpetuando uma desigualdade.

Manuel Alcântara, urbanista aposentado de 70 anos, afirma que o Plano Diretor em São Paulo não vem cumprindo com o que a prefeitura prometeu “Claramente a verticalização só segregou a população mais ainda, por exemplo. Onde encontramos os negros em sua maioria vivendo em prédios em vez de casas? Nos conjuntos habitacionais públicos que foram construídos nas periferias pelas COHAB, CDHU” Ele ainda ressaltou a falha na execução do projeto “O Plano Diretor, que começou lá em 2014 sugeriu que nos grandes centros urbanos fossem construídos prédios populares para oferecem moradia para pessoas de baixa renda, mas, na prática, o mundo é outro né. Em uma cidade como São Paulo, se a verticalização continuar assim, não vamos “democratizar o solo” nunca. Esses prédios que estão construindo na Vila Mariana ou em Pinheiros como é o caso destes bairros que estão em pauta nesta matéria, eles não têm nada de popular, o mercado imobiliário é naturalmente especulativo, o que torna essa verticalização um projeto que visa muito mais retorno de investimento do que criar moradias em si”.

Uma das alternativas para integrarmos melhor a população, oferecendo uma qualidade de vida boa, com mercados, farmácias e transporte perto, seria uma revitalização dos prédios no centro de São Paulo e até mesmo o uso de inúmeros prédios comerciais que estão abandonados ao redor da cidade que serviria de moradia para uma família que os pais têm que sair da periferia as 4h30min da manhã para chegar ao trabalho às 7h00min.

Toda discussão sobre a verticalização tira o foco de outros problemas graves da cidade de São Paulo, como o deficit habitacional e a insuficiência das políticas públicas para habitação social.

Por fim Manuel deixou seu descontentamento com essa mudança na cidade “São Paulo está se consolidando como uma cidade cinza, sempre nas mãos de investidores imobiliários sem qualquer escrúpulo de um lado, de outro, loteadores clandestinos em áreas de mananciais e áreas verdes (como da Cantareira)”. Era uma vez a memória arquitetônica, o histórico urbanístico, as culturas e tradições dos bairros. A ganância anda solta em São Paulo.

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