O que Eduardo Cunha, Marina Silva, Sônia Guajajara e Rosângela Moro têm em comum? Todos os quatro candidatos, além de terem em comum a disputa à Câmara dos Deputados, também são “candidatos forasteiros”, denominação dada a quem concorre a cargos fora de seus estados de origem. Todos construíram suas carreiras políticas em seus locais de nascimento e, agora, tentam se eleger pelo maior colégio eleitoral do país, São Paulo.
Com mais de 34 milhões de eleitores, a terra paulista se torna um dos principais alvos para estes candidatos. Na esperança de darem maior visibilidade a suas campanhas, eles estão mudando seus domicílios eleitorais para o estado para concorrerem pela metrópole.
Candidato a deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Eduardo Cunha, natural do Rio de Janeiro e condenado a 15 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato, anunciou no início deste ano, pelas redes sociais, que novamente irá concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. O carioca se lança em campanha mesmo estando atualmente inelegível segundo decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Marina Silva, ex-senadora pelo Acre entre 1995 e 2011 e ex-ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, hoje também concorre ao cargo de deputada federal. Rosângela Moro, advogada e esposa do ex-juiz Sérgio Moro, não fica para trás. A paranaense também faz sua estreia na política e pleiteia por um cargo nas eleições de outubro. Já a maranhense Sônia Guajajara, uma das principais lideranças indígenas do país, concorre pelo PSOL às eleições deste ano.
O desejo por São Paulo
De acordo com Akira Pinto Medeiros, mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo, São Paulo é tão atrativo para forasteiros justamente por ser o maior colégio eleitoral da federação. O estado proporciona uma oportunidade e tanto para que partidos, especialmente os que são poucos conhecidos, se sobressaiam em relação aos demais. Segundo Medeiros: “tais candidaturas podem dar sobrevida a um partido que possui fraco desempenho eleitoral fazendo assim com que ocupem cada vez mais espaços”.
Contudo, esta não seria a única razão particular para que tais candidatos desejem tanto disputarem a cargos eleitorais diretamente por São Paulo. A região contém uma faixa considerável de votos ideológicos, tendo assim, um peso político importante para os oponentes que almejam o triunfo nas urnas.
Voto ideológico
Votos ideológicos são uma espécie de atalhos mentais utilizados para organizar, em uma perspectiva espacial, preferências políticas. Dentre tantas escolhas complexas que o eleitor possui, o voto ideológico é capaz de reduzir estas opções numa âmbito direita, esquerda ou até mesmo centro, e assim contribuir para com que o votante consiga situar-se neste espaço optando pelo lado com o que mais se identifica.
Para a docente Mayra Goulart, do departamento de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre essas dimensões políticas, o voto ideológico de esquerda estaria conectado com a ideia de inclusão social e igualdade, ele manifesta a utilização das capacidades estatais para reduzir as desigualdades. Já um voto ideológico de direita tem uma orientação mais liberal, crítica o papel do Estado na intervenção da economia, logo defende o livre mercado.
Ainda de acordo com Goulart, o voto ideológico de direita ganha uma segunda camada ainda mais forte, a esfera do conservadorismo que defende as hierarquias tradicionais contra uma ideia de igualdade e de construção de uma nova sociedade, que é o que defende a esquerda. Para a professora: “a direita bate muito na chave do medo do novo, usa o conservadorismo como reação, em defesa do tradicional, uma ordem patriarcal que se vê ameaçada pela proposta de se construir uma nova ordem social”. Bases que defendem a preservação dos valores da família, da continuidade de hierarquias e que alegam priorizar e proteger movimentos religiosos, conseguem ganhar pontos significativos com aqueles que preservam este conservadorismo.
Tanto o voto ideológico de esquerda quanto o voto ideológico de direita são construídos sobre o pilar da identificação. O eleitor, ao se contemplar na figura do candidato que resguarda valores que o próprio votante e sua família defenderam avida inteira, consegue enxergar em seu “semelhante” a continuidade de seus ideais. Logo, a escolha não se torna tão difícil, ao seu ver, quando há na disputa outros candidatos que defendem pautas que se opõem a suas linhas de pensamento.
Os eleitorados das candidatas Sônia Guajajara e Marina Silva são um forte exemplo de voto ideológico. Ambas defendem a pauta do meio-ambiente e conseguem adquirir, naturalmente, votos da bancada ambientalista devido a afinidade pela causa. Assim, a definição do voto pode ser dada quase como certa ao passo que boa parte de seus eleitores se baseiam nesta linha de raciocínio.
No entanto, para o cientista político e professor de Ciências Sociais da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), Francisco Fonseca, o voto brasileiro é muito mais pragmático do que ideológico. Segundo o docente, “80% dos brasileiros têm salários baixos, ou seja, o voto no Brasil é muito mais vinculado ao custo de vida, de oportunidades de trabalho e de ascensão social”. Para Fonseca o voto ideológico, a princípio, é positivo exatamente porque há a identificação do eleitor com o candidato, tornando assim o tipo de voto interessante ao analisar as motivações dos
eleitores em relação às escolhas por certos aspirantes a cargos políticos.
Conquistando eleitorado
Sobre os discursos para ganharem o eleitorado alheio, geralmente forasteiros não apresentam grandes novidades. Repetindo promessas que rotineiramente candidatos próprios de São Paulo já fazem - como melhorar a educação e a saúde no estado - suas propostas normalmente não se diferenciam dos demais concorrentes, porém, acabam fazendo o imaginário do eleitorado por serem de fora e ainda possuírem uma certa credibilidade já que são “caras novas”.
Estes candidatos podem simplesmente forjarem vínculos com a população de quem deseja os votos ao fingir existir um sentimento de pertencimento ao território. Se utilizam de pontos semelhantes que têm com seus eleitores para se aproximarem e assim os conquistarem.
Questionados se si consideram forasteiros, dos quatro candidatos mencionados apenas Sônia Guajajara respondeu: “Não me considero forasteira em nenhum lugar de meu país porque o Brasil é Terra Indígena, São Paulo é Terra indígena e hoje eu moro em São Paulo”. A candidata afirma que criou uma relação com São Paulo, que tanto a acolheu, desde que foi candidata a Vice-Presidenta na chapa de Guilherme Boulos em 2018. Das demais assessorias, até ao devido momento, não houve retorno.
E a lei? Diz o quê?
Um levantamento feito pelo O GLOBO, com base no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que há disputando nas atuais eleições 72 forasteiros, somente pela chefia dos Executivos estaduais. Embora sejam muitos, não existe nada, segundo a legislação brasileira, que os impeça de competirem fora de seus estados.
De acordo com a lei, não há irregularidades cometidas caso candidatos optem por concorrerem a cargos políticos fora de seus locais de nascimento. Segundo o professor titular de Direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Alberto Davi: “respeitadas as regras de domicílio eleitoral, a lei não pode proibir a candidatura destes candidatos”. Logo, caso exista uma norma proibitiva, ela seria inconstitucional visto que a Constituição não traz restrições outra a não ser os requisitos da lei.
A única exigência feita pelo TSE é que o candidato possua domicílio eleitoral onde deseja concorrer e que também tenha meios para comprovar vínculos com o estado, sejam eles de elo político, social, afetivo ou de negócios. Assim, não tendo nada que os impeça desde que cumpridos os requisitos da lei, o desafio é convencer um novo eleitorado de que, mesmo sendo frutos de um contexto diferente, são capazes de lidar com os problemas do estado “estrangeiro” que os espera pela frente.