Como forma de aproveitar a aliança entre Lula e Geraldo Alckmin, chapa que concorre à presidência pelo PT, a campanha de Fernando Haddad para o governo de São Paulo busca utilizar a figura do ex-tucano para levantar votos no interior. O ex-prefeito, porém, enfrenta o forte antipetismo que existe nesse eleitorado.
De acordo com Juliana de Souza Oliveira, mestra do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Políticas e Eleições (NIPE-CEBRAP), há um efeito diferente em capitalizar a figura do ex-tucano em eleitores do interior e da capital.
''O eleitor do interior tende a ser mais fiel aos tucanos, e a gente não pode esquecer que uma grande parcela de quem vota no interior de São Paulo vêm da agricultura e também de um setor industrial importante. Essas pessoas tendem a ter mais receio de uma mudança, o que caracteriza um eleitor mais conservador'', explica Juliana.
O eleitor das metrópoles, por outro lado, é conhecido por "arriscar mais", segundo Juliana, como foi o caso da eleição do próprio Fernando Haddad para a prefeitura paulistana, em 2012. A pesquisadora ainda completa destacando que "o sindicalismo em São Paulo é uma questão muito importante, não só na capital em si, como em toda a região metropolitana, o que ajuda ainda mais a determinar a diferença entre os dois eleitores".
As últimas duas eleições para o governo do estado ajudam a explicar a importância do eleitorado do interior. Segundo levantamento da Folha de São Paulo a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2018 Márcio França (PSB) venceu na capital com 56,1% dos votos, mas teve apenas 41,2% no interior contra os 58,8% de João Doria - que levou a disputa conquistando 60% desses municípios. Já em 2014, Geraldo Alckmin venceu no primeiro turno com 46,4% dos votos na capital e 54,6% no interior.
O PT, que nunca venceu as eleições para o governo do estado, vê o eleitorado do interior como seu calcanhar de aquiles, e segundo Datafolha realizado no dia 15 de setembro, o problema parece persistir. A pesquisa aponta que Haddad possui 43% das intenções de voto na capital e 34% no interior. Seguindo a lógica das eleições anteriores, o petista teria que ampliar a vantagem na capital ou crescer de forma substancial nos outros municípios.
A coordenação de campanha do PT, nesse sentido, tem utilizado a figura do Alckmin de forma muito estratégica, não só no que diz respeito às distinções regionais como também em situações mais específicas.
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez visita à Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, que possui um eleitorado mais cativo, não se levou o ex-tucano. Já em reuniões em portas fechadas, com o empresariado, o candidato à vice-presidência aparece.
A oposição ao PSDB com o apoio de Geraldo Alckmin
Apesar do apoio do ex-governador alavancar votos, a campanha do petista enfrenta o problema de poder entrar em contradição aos olhos do eleitorado. Em comícios e pronunciamentos do candidato Fernando Haddad, há um esforço em defender a tese de que há uma grande diferença na forma de governar de Geraldo Alckmin e João Doria, que venceu as eleições pelo PSDB em 2018.
Além disso, em debates, para atacar o candidato Rodrigo Garcia, do PSDB, que está em segundo nas pesquisas, o petista tem usado a estratégia de colar ao tucano elementos da gestão Doria, como foi o caso do debate no SBT, que ocorreu no dia 17 de Setembro.
Para Juliana, tanto os governos de Alckmin, quanto o de João Doria dividem o mesmo espectro do neoliberalismo, apesar do segundo ter ido mais fundo na ideologia. Segundo a pesquisadora, o fato de Doria ter vindo do setor privado fez com que ele trouxesse toda uma rede para dentro do governo, o que caracterizaria uma investida neoliberal mais agressiva.
Na opinião de Ernersto Vivona, que foi coordenador regional do PSDB em 1998 e coordenador da campanha de Geraldo Alckmin para as eleições de 2002, a diferença que a campanha de Haddad traça entre os dois últimos governadores é justificada, visto que, para ele, o novo PSDB está muito mais próximo do bolsonarismo. ‘‘O PT, no governo federal, foi mais inteligente ao criar partidos satélites para agregar novos apoiadores. O PSDB fez diferente. Trouxe essa gente para dentro do partido. Isso ajudou a desfigurar, ideologicamente, a legenda’’, explica.
A repercussão do apoio na militância petista
Já que no diz respeito a possíveis desconfortos na militância petista em ter um inimigo histórico marchando ao lado de Haddad para angariar votos, o candidato a deputado estadual e militante do PT, desde 1989, Fernando Puga afirma que isso deixou de ser um problema: "O pessoal engoliu. Toda essa turma que a princípio falava mal e me bateu, inclusive, nas redes sociais, quando eu elogiei a aliança, se calaram, engoliram seco e estão tocando a campanha’’.
O candidato a deputado afirma que um aspecto em específico contribuiu para a virada de chave: ‘‘Ajuda muito a postura do Alckmin. Ele não só veio em apoio ao Lula, mas ele seduziu completamente com uma generosidade muito grande e fazendo um discurso muito amistoso com relação ao PT, inclusive muito carinhoso’’.
Apesar disso, algumas diferenças mais profundas podem seguir sendo um entrave para alguns eleitores aceitarem o apoio do ex-tucano. Particularmente, a questão da segurança pública no governo de Alckmin ainda é alvo de polêmica. Episódios marcantes, como o Massacre de Castelinho, em 2002, que levou à execução de 12 supostos membros do PCC, e dados como o número de 939 indivíduos mortos pelas Polícias Civil e Militar, em 2017, ao final de seu governo, renderam ao ex-governador, por parte de um parcela dos eleitores de esquerda, as alcunhas de ‘‘autoritário’’ e ‘‘fascista’’.
‘‘Em termos de segurança pública é uma leitura muito justificada. Depois de 2006, quando o PCC saiu do controle, existem algumas evidências de uma certa aliança do governo com esses grupos organizados. Não é um governo que cuida das periferias ou de lugares mais vulneráveis. A polícia não chega exatamente para proteger, mas sim para resolver na base da bala. Quando você olha os índices de homicídios nesses locais, você percebe como eles são altos’’, explica Juliana.
Apesar disso, tanto a campanha do PT, quanto o próprio PSDB, buscam não tocar no assunto. Ambas as campanhas ostentam, em propagandas eleitorais, os pontos considerados positivos do governo Alckmin. Programas como o Bom Prato e o Poupatempo aparecem nos materiais de Fernando Haddad e Rodrigo Garcia, com o primeiro utilizando a figura do governante por trás das medidas e o segundo difundindo a ideia da necessidade de uma continuidade. Nesse caso, os candidatos parecem disputar esse trunfo com um cabo de força.