Marcada pela luta sindical e por ter sido o berço político do atual presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a região do ABC Paulista apresentou uma queda eleitoral do petista em comparação com eleições anteriores. Tal perda se deve principalmente às mudanças políticas e sociais sofridas no perfil do ABC, principalmente com a dissolução do sindicalismo na região.
A perda política do PT na região do ABC, não é novidade das eleições de 2022. De 2002 a 2006, a queda no número de votos recebidos foi de 9,71%. Agora, a perda de 2022 se comparado a 2002 é 5,48%, se comparado com os números de 2006 é menor, de somente 1,78%.
Maria do Socorro Braga, doutora em Ciência Política e professora da UFSCar, defende que essa queda pode ser “relativa”, mas que ainda sim são dados que "apontam que o PT está perdendo cada vez mais espaço nessa região”. Braga acrescenta que Lula “só se tornou essa liderança tão forte e expressiva hoje” por conta de seu “capital sindical”.
Das sete cidades que fazem parte do ABC Paulista, as quatro principais são: Santo André, São Bernardo, São Caetano do Sul e Diadema, isso porque a tomada de decisão delas influencia o posicionamento das demais. Contraditoriamente, entre elas quatro a preferência eleitoral é divergente.
Das eleições de 1972 às de 2020, Santo André teve sete vezes seu prefeito alinhado às diretrizes da esquerda. João Avamileno e Celso Daniel, por exemplo, foram políticos do PT reeleitos com número de votos expressivo. Em 2000 Celso Daniel foi reeleito com 70,13% dos votos válidos. Após 16 anos, o município elege Paulo Henrique Serra (PSDB) com 78,21% dos votos válidos. Em 2020, ele foi novamente eleito, com 76,93% dos votos.
Já em São Bernardo do Campo, em cerca de 30 anos, somente sete prefeitos alinharam-se à ideologias mais progressistas, enquanto outros seis foram de direita ou centro-direita. Desses sete, três foram do PT. O primeiro prefeito de esquerda eleito foi Maurício Soares em 1998, na época do PT. A esquerda se apresenta com maior evidência a partir dos anos 90, conseguindo 06 mandatos seguidos. A “época de ouro” se encerra em 2016 com Luiz Marinho (PT).
Hélio da Costa, historiador e atual coordenador da área de estudos do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, acrescenta que a situação econômica do país favoreceu esse cenário. “[Luiz] Marinho só se elegeu porque o governo Lula estava muito bem”, pontua.
O ano de 2016, foi um marco da queda do PT. É nesse ano em que houve o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Não coincidentemente, é a partir desse ano em que o partido perde cada vez mais poder na região.
São Caetano do Sul, por sua vez, não só nunca teve um prefeito alinhado com propostas da esquerda, como candidatos progressistas obtêm um baixo número de votos no município.
Na última eleição, em 2020, por exemplo, os outros dois colocados no pleito foram Mario Camilo Bohm (Novo) e Thiago Tortorello (PRTB), com 16,64% e 10,83% respectivamente. Ambos são de direita.
Em 2016, o cenário eleitoral foi o mesmo. E nos anos de 2012, 2008, 2004 e 2000 os principais candidatos opositores receberam menos de 35% dos votos.
Diadema, em contrapartida, traz consigo o marco de ter sido a primeira cidade a eleger um prefeito do PT.
O candidato em questão foi Gilson Menezes, eleito em 1982. Desde então, a cidade tem sido coordenada por partidos que compartilham do mesmo ou semelhante posicionamento político.
A história de Gilson Menezes, inclusive, reflete bem o histórico do ABC Paulista, pois ele nasceu na Bahia e veio à região para trabalhar nas indústrias, como tantos outros, depois participou das grandes greves e, por fim, fez parte da fundação do PT.
Além dessa contraposição, outro fator relevante para se analisar é a média de deputados estaduais eleitos do PT nos municípios do ABC entre os anos de 2002 e 2006, comparando-os ao ano de 2018. De acordo com a Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) durante os anos de auge do partido foram eleitos em média 4,2 candidatos do PT, dentre 15 cadeiras a ocupar. Já em 2018, essa média cai para 1,5 candidatos eleitos pelo PT.
Para Hélio da Costa a popularização de Lula não significou necessariamente uma “transferência de votos”. Com exceção de Diadema, os outros municípios do ABC tiveram menos prefeitos alinhados à esquerda.
Já Richard Martins, graduado em história e mestre em ciência política, explica que a região sempre foi mais conservadora, mas que na época de 70 e 80 o apoio ao sindicalismo com bases esquerdistas se deu por questões trabalhistas e econômicas. Martins defende que “é comum e característico da classe trabalhadora votar com o bolso”.
As décadas de 70 e 80 no ABC Paulista foram marcadas pelas greves nas grandes indústrias. Essas surgiram devido à insatisfação dos operários devido aos elevados níveis de demissões, corroborados pela especulação de que o regime militar (1964-1985) havia maquiado os índices da inflação encobrindo o custo de vida da população.
Em 1977, as greves já haviam se alastrado para muitas fábricas e cidades vizinhas, incluindo classes trabalhadoras desde os metalúrgicos aos bancários, perpassando pelos professores. Em 1980, os movimentos foram atores sociais importantes para o enfraquecimento da ditadura militar e pelo fortalecimento de pautas da esquerda no país.
O fato de Lula ter assumido o protagonismo sindical no ABC nas décadas passadas o levou a uma certa popularização na região e, posteriormente, ao PT também.
Sidney Jard, professor da Universidade Federal do ABC, doutor em ciência política pela USP, acredita que os momentos históricos vivenciados pelo ABC influenciam pouco na hora de votar. Isso porque antes o movimento sindical pautava muitas coisas com os trabalhadores e agora há um enfraquecimento do sindicalismo e, consequentemente, de sua mobilização política.
Dentro disso, Costa argumenta que “o discurso de esquerda assusta o trabalhador, ele respeita o papel do sindicato, mas isso não significa que ele se identifica com valores da esquerda principalmente às vezes nos costumes a respeito da diversidade LGBTQIA + ,sobre feminismo, questão racial”.
Martins justifica a queda da esquerda no ABC Paulista com o enfraquecimento do sindicalismo. Tanto para ele quanto para Costa isso aconteceu principalmente pela terceirização e a uberização do trabalho.
“O que o terceirizado vai ter em comum com o trabalhador de contrato assinado e que tem o sindicato para defendê-lo? [...] Quem está na uberização sequer tem uma troca [de vivências] com outros [trabalhadores]”, exemplifica o historiador.
O cientista político Jard assinala que quando “se abrem espaços para que parte dos trabalhadores negociem diretamente com os empresários, com os patrões, sem depender da negociação” feita pelos sindicatos, as demandas de até então desaparecem.
Jard frisa que antes “havia uma identidade de trabalhador no ABC Paulista” e que com a chegada desse trabalho descontínuo isso se perde. “Qual a identidade de um trabalhador que trabalha para vários patrões? E qual o sindicato o representa?”, pontua.
Outro fator para a dissolução das entidades sindicais foi o corte dos incentivos tributários, em que antes se tinha com os “impostos sindicais”. Dentre as ressalvas feitas a esse tipo de recurso, o cientista político esclarece que deveria ter sido feito um processo de transição, na qual as entidades “pudessem se organizar e criar formas alternativas de sustentação dos seus trabalhadores, inclusive formas autônomas”.
A cientista política Maria do Socorro Braga defende que não só a região do ABC, mas o eleitoral nacional em sua maioria está mais preocupado com a sua mudança de vida do que com ideologias. “A tendência é buscar aquelas forças, independente se é de esquerda, de direita e de centro que mais apoie uma melhor qualidade de vida das pessoas”. A docente elucida que a identificação partidária é “uma construção de longo prazo”.
Diante disso, a docente acredita que “as forças políticas partidárias é que terão que construir projetos para corresponder a esses anseios e demandas dos diferentes segmentos populacionais”.
A respeito dessa perda de votos por parte da esquerda, Braga afirmou: “a esquerda vai ter que saber se unir como fizeram agora ao redor do ex-presidente Lula [...] parece que eles já perceberam que vão precisar dessa união para a esquerda conseguir que novas lideranças venham a ocupar esse espaço e aí é muito importante como é que o PT vai se colocar tendo que abrir mais espaço para outras liderança que não só são do campo petista”.