Terça-feira de temperatura amena. Em meio aos grafites coloridos – com jovens negros de periferia cartoonizados nas paredes, cada um representava algum ofício. Personagens com microfones na mão, outros com caixas de som e discos como se fossem DJs, até mesmo um rapaz fazendo malabarismo com pinos de boliche ganhava destaque. Todos eles representando uma cultura de resistência negra – ao redor do Centro Cultural da Juventude – Ruth Cardoso, na zona norte de São Paulo. Em frente ao local, logo após o anoitecer, e o ponteiro do relógio estar marcando 19h00min, uma multidão começou a se aglomerar em um formato circular. Em sua grande maioria, as pessoas que ali estavam aparentavam ser jovens, todas eufóricas e ao que tudo indicava estavam contemplando alguma coisa.
Gritos do tipo “mata ele”, “Wow” e “sangue” ecoavam pelo ambiente juntamente com uma batida de funk carioca. Quem avistava a multidão de longe, e nem soubera o que estava acontecendo, poderia até achar que uma confusão havia se instaurado no local, porém na realidade todos estavam ali admirando e participando de uma das mais famosas artes de rua periférica, muito conhecida como uma batalha de rap, e que naquele lugar era conhecida exclusivamente como a “Batalha da Juve”. Aqueles que estavam compondo a enorme roda cultural, frente a frente com os MCs de batalha, eram orquestrados pelo apresentador que é correspondido pelo nome Lobo.
Bem arrumado, com seu boné cinza claro jogado para trás, uma camiseta larga preta estampando o personagem Garfield sob efeitos das plantas Cannabis e uma calça larga também escura para combinar com seu visual, o apresentador com seu estilo underground era o mais animado da cena. Era ele quem puxava os gritos da plateia. “Isso aqui é Juventude, melhor baile de SP... Isso aqui é zona norte, melhor região de SP”, gritava o Lobo. Em resposta, o público se manifestava em aprovação e repetia as frases daquele que era visto como orquestrador das batalhas. A energia positiva do ambiente era contagiante, pessoas de todas as idades estavam presentes na roda. Alguns com o sonho de virar um MC de batalha um dia, observavam atentamente seus ídolos que portavam o microfone na mão. Não era diferente também aqueles que só foram para assistir uma boa manifestação de arte.
Mas havia alguém que se destacava no meio do público. Um morador de rua, certamente alcoolizado, porém em nenhum momento atrapalhou a batalha, pelo contrário, esteve presente com suas vestimentas humildes e rasgadas em algumas partes, dançou e gritou como ninguém fizera no local. O homem, embriagado, seguia o mesmo ritmo da multidão que também parecia estar em êxtase. Não necessariamente por alguma substância, mas pelos versos impactantes que saíam da boca de cada MC.
Tal cena só provava quanto o hip hop representava cada indivíduo que acompanhava a batalha. Aquele morador de rua, acostumado a ser invisibilizado no seu cotidiano pela sociedade, estava em um ambiente de fraternidade e resistência ao sistema capitalista. Saindo da borda e adentrando o espaço dos MCs, é onde de fato vai começar a redenção do povo.
As batalhas de rima vão muito além de uma simples disputa entres artistas, ela também se sobressai como uma mera atração pública com o objetive de entreter o povo. Tais batalhas podem ser consideradas como porta-voz da periferia, ao retratar sua realidade de maneira artística, desafiadora e criativa. Enquanto os poetas batalham entre si, o público acompanha atentamente – caso houvesse distrações com conversas paralelas, caberia ao apresentador mais uma vez orquestrar e educar os que compunham a roda. “Silêncio aí, respeitem a batalha. Isso não é diversão, é cultura!” ele gritava. E assim, pela primeira vez, era a hora do Lobo comandar suas ovelhas – as rimas bem elaboradas pelos MCs atacavam o governo, expressava suas vivências, desafios e inspirações transformando as dores de quem rimava em um armamento lírico.
As letras eram tão fortes que penetravam os ouvidos e mentes de quem as escutavam, trazendo questões de desigualdade social, racismo, violência policial e opressão que caminhavam juntamente com os gritos da plateia e com uma música de fundo dos Racionais MC’s. Além de promover a conscientização, o ambiente criava uma fraternidade e um senso de comunidade, deixando as pessoas mais unidas. A competição saudável estimula a criatividade, além de dar voz para aqueles que foram marginalizados sua vida inteira, ganhando atenção e respeito.
Uma das figuras mais notáveis do mundo das batalhas de rima também estava presente no local. MC Prado, artista nascido na zona norte de São Paulo, tem a fama de representar a luta e resistência das periferias paulistanas. Um rapaz jovem, apenas 20 anos de idade, branco e gordinho. Estava bem vestido, de cabelo cortado, como um verdadeiro artista. Sua cara era séria. Quando pegava no microfone e começava a rimar, seu semblante era de alguém furioso – como se não estivesse improvisando, e sim desabafando - com seus olhos arregalados e com sua língua afiada, era notável sua diferença técnica em relação aos outros MCs.
Mas diante desses longos anos de experiencia, Prado viveu momentos difíceis em sua vida. Cresceu em um ambiente de desafios sociais e econômicos, mas desde cedo ao se envolver com o rap conseguiu, de maneira extraordinária, quebrar barreiras e sair da realidade dura que enfrentava em sua vida. Em suas letras, o artista que se diz ser a “cara de SP”, constantemente pontua que ao escalar montanhas difíceis a sua frente, hoje em dia ele conseguiu chegar ao topo, dando orgulho para sua mãe.
Assim como Prado, diversos outros MCs e jovens buscam sair do mundo do crime, da desigualdade e opressão. Desta forma, o rap é visto como uma maneira de redenção na vida dessas pessoas, mostrando mais uma vez que não é só entretenimento, mas é principalmente cultura.