Por Luiza Silva
Nos corredores de um asilo na capital paulista o tempo corre de forma diferente. Cada olhar revela fragmentos de histórias passadas, e cada sorriso reflete a resiliência de quem enfrentou perdas e ainda encontra força para seguir em frente. Para muitos, a chegada ao asilo simboliza um recomeço, mesmo quando as memórias permanecem vivas.
Os dias correm em meio a lembranças de um passado marcado pelo trabalho, pela família e pela dedicação de Dona Lúcia. Nascida em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais foi a caçula de cinco irmãos e passou a infância entre brincadeiras no quintal e colheitas de café. Desde cedo, aprendeu a valorizar o esforço da mãe, conhecida por suas habilidades com tecidos, e do pai, que cuidava da lavoura. Hoje ela vive em um asilo e tem muitas histórias para lembrar.
A escola, situada a poucos quilômetros de casa, foi onde Lúcia desenvolveu sua paixão pelos livros. Apesar das dificuldades das estradas de terra e das chuvas frequentes, sua dedicação aos estudos a levou a se tornar professora em uma escola rural. Durante décadas, alfabetizou crianças da comunidade.
Foi nesse ambiente escolar que conheceu João, professor de matemática, com quem construiu uma parceria. O casamento aconteceu em uma cerimônia simples, na igreja da cidade. A chegada do filho, Marcos, completou a felicidade do casal. A infância dele foi marcada pelas histórias contadas por Lúcia e pelos ensinamentos do pai.
Com o passar dos anos, a rotina da família seguiu seu curso. Marcos cresceu, construiu sua própria vida e se mudou para outro país em busca de novas oportunidades. A viuvez chegou de forma inesperada, deixando um vazio difícil de preencher. A casa, antes movimentada, tornou-se silenciosa, e os dias passaram a ser preenchidos apenas por lembranças.
Sem familiares próximos, Lúcia precisou aceitar a decisão de se mudar para um asilo. A adaptação não foi fácil, mas, aos poucos, encontrou conforto na companhia de outros moradores e nas atividades diárias oferecidas pela instituição. No início, porém, o medo era uma constante. Histórias sobre maus-tratos e negligência em instituições como aquela rondavam seus pensamentos. A vulnerabilidade da idade avançada a fazia temer pelo próprio bem-estar, até perceber que, apesar das dificuldades, ainda podia se sentir segura naquele ambiente. No entanto, essa não é a realidade de todos os idosos que vivem em asilos.
É o caso de Ernesto quer conheceu de perto a violência antes mesmo de chegar ao asilo. Durante anos, o vício em álcool o tornou alvo de agressões e descaso. O isolamento da família e a falta de apoio tornaram sua jornada ainda mais difícil, até que a necessidade de um lar seguro o levou à instituição. Ainda restam dúvidas sobre se esses espaços de acolhimento oferecem, de fato, a proteção e o respeito que os idosos merecem.
Ernesto tem 79 anos vive no asilo há pouco mais de dois. Nascido e criado na cidade de São Paulo, passou a maior parte da vida trabalhando na construção civil. Suas mãos, marcadas pelo trabalho árduo, guardam as marcas de anos de esforço e desafios. A rotina exaustiva era amenizada pela presença da esposa, Helena, e das filhas, Mariana e Ana, em um pequeno apartamento da família.
No entanto, a convivência foi gradativamente abalada pelo vício em álcool. Os conflitos tornaram-se frequentes e as tentativas de superação nem sempre foram suficientes para manter a harmonia. Com o tempo, a separação tornou-se inevitável. A distância das filhas foi além do aspecto físico, transformando-se em um silêncio difícil de romper.
Sem o apoio da família e enfrentando problemas de saúde, Ernesto passou a depender da ajuda de conhecidos e de pequenos trabalhos esporádicos para sobreviver. A vulnerabilidade cresceu, e com ela vieram os episódios de violência. Em momentos de maior fragilidade, sofreu agressões físicas e verbais, tornando-se vítima da própria condição. A falta de uma rede de apoio o colocou em uma situação ainda mais delicada.
A ida para um asilo não foi fácil. O medo do desconhecido e a resistência em aceitar ajuda o acompanharam nos primeiros dias. O quarto simples, os horários rígidos e a convivência com desconhecidos exigiram um período de adaptação. Acostumado a uma vida independente, Ernesto teve dificuldade em se encaixar nas novas rotinas.
Com o tempo, porém, começou a perceber que ali poderia encontrar um recomeço. As refeições regulares, os cuidados médicos e a possibilidade de conversar com outras pessoas trouxeram um alívio. Aos poucos, ele se permitiu. No pátio do asilo, passou a dividir histórias com outros residentes, compartilhando lembranças de uma vida que, apesar dos desafios, ainda carrega momentos de felicidade. Embora a ausência da família, principalmente das filhas, ainda seja sentida, Ernesto encontrou na nova rotina um certo conforto. Mesmo sem grandes expectativas para o futuro, aprendeu a valorizar os pequenos momentos de paz que agora fazem parte do seu dia a dia e que vão compor as memórias de Ernesto.