Para as eleições de 2022, em São Paulo, o Movimento Brasil Livre lançou novos candidatos, tanto à Assembleia Legislativa, quanto à Câmara Federal. A “nova safra de liberais” possui a missão de tentar recuperar, no âmbito estadual, a força do movimento, que, de 2020 para cá, tem se tornado cada vez mais fraco.
O movimento sofreu uma grande derrota no Poder Legislativo, que foi a cassação do ex-deputado estadual Arthur do Val - também conhecido como Mamãe Falei - (União Brasil) após o vazamento de áudios sexistas durante a sua viagem, supostamente humanitária, à Ucrânia após o início da guerra contra a Rússia.
O ex-parlamentar usou expressões misóginas para se referir à refugiadas ucranianas, e declarou que “elas eram fáceis porque eram pobres”. Além disso, do Val falou sobre uma viagem que um dos líderes do MBL, Renan Santos, fazia anualmente à Europa Oriental para se relacionar com mulheres loiras. A excursão se caracterizaria como turismo sexual.
Mamãe Falei teve seu mandato cassado com 73 votos a favor e nenhum contra.
A crise no MBL
A professora da PUC-SP, e cientista política especialista em estudos eleitorais, Rosemary Segurado, destaca que a pauta da defesa dos valores morais na sociedade sempre foi uma das bandeiras do MBL, e que, portanto, o vazamento dos áudios sexistas de Arthur do Val é um importante fator que ajuda a explicar a sua queda de influência recente, por conotar uma certa hipocrisia.
"O peixe acabou morrendo pela boca. Em 2019, eles organizaram um protesto em uma exposição queer em Porto Alegre e com um discurso muito conservador e preconceituoso, mas aconteceu o que aconteceu com o Arthur do Val. Caíram-se as mascaram e acabaram se enfraquecendo”, afirmou.
Ademais, segundo a professora, a falta de apoio a Arthur do Val durante seu processo de cassação por parte de outros partidos, simboliza um isolamento do MBL ocasionado por uma divisão das direitas após divergências com o atual governo.
A efeito de comparação, o também Deputado Estadual Fernando Cury (União Brasil) teve apoio na Casa após assediar a parlamentar Isa Penna (PC do B). Ele foi punido com a perda do cargo por apenas 119 dias.
“Romperam com o Bolsonaro mas não rompem com os principais princípios defendidos pelo bolsonarismo, então eles ficam sem lugar, pois já tem o bolsonarismo, que é uma parcela consolidada do eleitorado, que não é o caso deles”, completou. O
O MBL ganhou notoriedade ao se destacar durante grandes mobilizações da direita, como as manifestações antipetistas e a ascensão bolsonarista. Portanto, após o impeachment da ex-presidente Dilma e o rompimento com o Governo Bolsonaro depois do começo da pandemia, o movimento começou a se enfraquecer.
Após o divórcio com o bolsonarismo e as gafes de Arthur do Val, o movimento tenta sobreviver na política com novos nomes, mas mantendo o mesmo discurso, e as formas de propagar as ideias.
"Por outro lado, em termos mais eleitorais, eu acho que a estratégia segue a mesma. Muita ênfase nas pautas culturais, no choque com a esquerda, um pouco do sensacionalismo. O que se vê é que essa estratégia, que funcionou para eles antes, ainda segue sendo praticada”, afirma Caio Marcondes especialista em comportamento eleitoral e direita brasileira, e doutorando em Ciência Política pela USP.
Marcondes, no entanto, ressalta que, mesmo após as falas machistas de Arthur do Val, o movimento ainda tem uma base fiel que o apoia:
"Acho que é importante notar que o Arthur do Val não é candidato porque teve o mandato cassado. Mas se ele se lançasse ao legislativo, a chance de ele se eleger era muito alta. Apesar do escândalo que abalou a imagem dele, ele ainda tinha uma imagem muito positiva com uma margem grande de eleitores. Mesmo caso do Gabriel Monteiro do Rio, que consegue mobilizar uma base muito grande de seguidores”.
Quais são as apostas do MBL?
"O cara tá com a camiseta do Lula, bora discutir? Fica com camiseta de bandido aí mano”, questiona Guto Zacarias (União Brasil), candidato para a Assembleia Legislativa de São Paulo e membro do Movimento Brasil Livre (MBL) em um de seus vídeos para sua página no TikTok.
Zacarias é um dos nomes cotados pelo partido para assumir uma das vagas na Assembleia Legislativa. Marcondes explica que a retórica do candidato lembra a de Fernando Holiday (Novo), quando fazia parte do movimento.
"O Guto Zacarias tenta emular um pouco da dinâmica que o Fernando Holiday impunha, ou seja, um candidato negro que se opõe às cotas”, explica.
Holiday anunciou sua saída do MBL em janeiro do ano passado. Em seguida, ele se filiou ao Partido Novo - antes era ligado ao Patriota. Segundo declaração do vereador na época, um dos motivos de sua saída foram algumas divergências quanto à importância das causas LGBTs e da luta contra o aborto para o movimento.
Além de Guto Zacarias, outra aposta do MBL nas eleições à Assembleia Legislativa de São Paulo é Amanda Vettorazzo. Segundo Caio Marcondes, a candidata à Assembleia Legislativa de São Paulo tem grandes chances de se eleger.
"Já vi vídeos da Amanda Vettorazzo tentando polemizar com bolsonaristas, se colocando uma alternativa à direita. O potencial está aí”, afirma Marcondes.
Em contrapartida, Rosemary Segurado não crê o MBL terá tanto sucesso na competição com o Bolsonarismo:
“Eles lançaram três candidatos à Alesp, e eles estão planejando uma campanha com o olho no retrovisor em 2018. Se eles conseguirem eleger um, já está ótimo”.
Segurado afirma ainda que o eleitorado, diferentemente das eleições de 2018, está mais focado em candidatos com experiência na política e presentes no campo progressista, o que pode ser mais um empecilho ao movimento.
A especialista completa ainda afirmando que o MBL perdeu muito espaço após o rompimento com o bolsonarismo, o que tirou muito do seu poder de mobilização.
"As últimas manifestações convocadas pelo MBL foram desprezíveis do ponto de vista numérico, de repercussão. Eles estão voltando pro lugar que eles estariam se não fosse a lavajato, o impeachment da Dilma e a onda bolsonarista. Então eles começam a perder um pouco desse espaço”, ressaltou.
Em entrevista ao ContraPonto Digital, Vettorazzo falou sobre a sua candidatura e sua ambição à uma das 94 cadeiras da Alesp.
"Eu defendo muito o Estado de São Paulo. Nasci e cresci aqui. Tenho o Estado tatuado no meu braço. E eu defendo muito que o orçamento fique aqui em São Paulo, e não vá todo para Brasília. Essa é minha principal luta”
Além disso, a candidata tentou se descolar da imagem de Arthur do Val, apesar de minimizar a fala do colega:
“Eu acredito que [o caso do Arthur] não vá me prejudicar. Isso já passou, ele já pediu desculpa e pagou caro, até demais, pelo que fez. Já pagou pelo áudio que, claro, não é bacana. Eu até repudiei na época, mas não repudio o trabalho que ele faz e que eu tentarei seguir na Alesp, que é a luta contra privilégios”.