Alesp terá em 2023 mais deputadas de esquerda autodeclaradas pretas

As pessoas autodeclaradas pretas totalizam 9; as mulheres de esquerda também são maioria nessa categoria e, desde 2014, estão à frente dos homens pretos eleitos
por
Julio Cesar Ferreira
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08/12/2022

São Paulo foi o Estado com maior número de pessoas pretas eleitas para a assembleia estadual em todo o país. As pessoas pretas totalizam nove eleitas, e as mulheres pretas são a maioria desde 2014 na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

A Alesp está inserida no Estado que mais elege deputados estaduais (94) do país e devido dois mandatos coletivos: Bancada Feminista e Movimento Pretas, ambos do Psol, o número de pessoas pretas pode ser expandido para 19 pessoas eleitas. A Bancada Feminista conta com cinco mulheres e o Movimento Pretas, sete. 

O Contraponto Digital realizou um levantamento considerando os eleitos para a Alesp autodeclarados pretos. Sem os mandatos coletivos, os deputados eleitos sozinhos totalizam sete, sendo eles:  Ediane Maria (Psol); Guto Zacarias (União Brasil); Reis (PT); Barba (PT); Thainara Faria (PT); Leci Brandão (PCdoB) e Luiz Cláudio Marcolino (PT). 

Se observado os espectros políticos dos pretos eleitos em São Paulo, há mais pessoas de esquerda, com oito no total. A direita só tem Guto Zacarias (União Brasil) como representante. As mulheres também são maioria nessa categoria. 

“É um processo que vem se transformando lentamente ao longo dos anos, mas que começou a ter um pouco mais de consistência a partir das eleições de 2014”, argumenta Aírton Fernandes Araújo, doutor em ciência política pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e diretor de formação política da Frente Negra Gaúcha. 

Alguns estudiosos defendem que os partidos denominados de esquerda são reconhecidos dessa forma no Brasil porque têm um corpo parlamentar que pensa em políticas públicas igualitárias e coletivistas. Já os de direita atuam de maneira meritocrática, visando apenas o lucro e têm poucas políticas públicas pensadas para a massa. 

2014 foi o ano em que os candidatos foram obrigados a informar sua cor/raça ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com isso, foi possível traçar qual era a raça/cor dos candidatos e eleitos a partir desse ano.  Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos: Leci Brandão (PCdoB), Clélia Gomes (PHS, atual Podemos) e Barba (PT). Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas: Leci Brandão, Tenente Nascimento (PSL, atual União Brasil), Érica Malunginho (Psol), Bancada Ativista (Psol) e Barba e, neste ano, nove. 

Mesmo que a cidade de São Paulo tenha 37% da população negra (considerando pretos e pardos), segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os políticos pretos ainda continuam sub-representados se comparado a proporção da população brasileira, formada de 56% de pessoas negras.  

Mulheres pretas em destaque

A Alesp terá a maior representatividade feminina da história na próxima legislatura (2023/2026), com 25 mulheres. A quantidade de mulheres na atual composição da Casa já era considerada uma marca histórica, com 19 parlamentares. Dentro da categoria de eleitos autodeclarados pretos, há mais mulheres, sendo cinco (15 se contar as integrantes dos mandatos coletivos). 

Para Araújo, isso pode ser explicado a partir do protagonismo que a mulher negra vem exercendo na sociedade civil e o papel de uma campanha frente ao eleitorado e à sociedade acerca da importância do voto feminino negro. “Vejo isso como tomada de consciência”. 

E quanto elas serem dos partidos de esquerda, o cientista político argumenta que são essas instituições que, bem ou mal, melhor representam e discutem toda a ansiedade da mulher negra. 

Todavia, ele salienta que essas parlamentares se responsabilizam por exercer os seus mandatos não só para negros, mas para todos os desfavorecidos na sociedade, o que acaba atraindo um eleitorado diverso. 

Desde 2014 as mulheres autodeclaradas pretas se destacam em número de eleitas, ficando sempre à frente dos homens pretos, mesmo que dentro de um número já pequeno. 

Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos, dois eram mulheres. Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas, três eram mulheres e, neste ano, nove pretos eleitos, sendo cinco mulheres. 

Simone Nascimento, codeputada (pessoa que compartilha o cargo de deputada com outros membros) da Bancada Feminista, eleita neste ano explica que o mandato coletivo atuará em prol das lutas populares e serão uma forte oposição ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), pois são contra várias medidas que ele propôs em sua campanha, como a retirada das câmeras dos uniformes da Polícia Militar (PM). 

Isso porque, a inserção das câmeras nos uniformes dos policiais militares foi um mecanismo que reduziu a letalidade policial em 72% no estado de São Paulo, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) estadual.

“Lutaremos para que o Estado de São Paulo priorize o combate à fome, o investimento na educação, saúde, moradia e queremos fortalecer a rede de proteção às mulheres e o combate ao racismo”, afirma Simone. 

Assim como Simone, a codeputada do Movimento Pretas, Ana Laura, também cita que o mandato coletivo será um instrumento e uma ferramenta social para ser caixa de ressonância das lutas sociais e enfatizar a importância da representação da mulher negra dentro da política. 

“Temos mulheres negras de várias regiões do Estado que são figuras públicas ou lideranças em seus movimentos sociais. No meu caso, faço parte da Rede Emancipa, o movimento de educação popular. A ideia é que eu fortaleça esse movimento da educação popular, o movimento cultural e o combate ao racismo religioso, e cada uma das integrantes atuando de sua maneira, mas em conjunto”. 

A segunda mulher preta a ocupar a Alesp, Leci Brandão, foi reeleita para o seu quarto mandato neste ano. A primeira foi Theodosina Rosário Ribeiro, que morreu em 2020. 

Brandão expõe que enxerga de maneira positiva o aumento do número de mulher negras eleitas, pois em sua trajetória sempre visou apoiar candidatas negras. 

Quanto ao aumento no número de mulheres na política institucional de um modo geral, a deputada também afirma ser o reflexo do protagonismo das mulheres negras que atuam nas ruas, nos sindicatos, nos coletivos, nas universidades e em todos os lugares. 

“Acredito que ocupar todos os espaços de poder tem sido muito mais do que uma fala, uma bandeira, mas sim o foco da luta de negros, e principalmente das mulheres negras”, ressalta a parlamentar. 

Pretos de direita e de esquerda 

A esquerda tem mais autodeclarados pretos na Alesp desde 2014, pois antes não era possível traçar a cor/raça dos eleitos. Os autodeclarados pretos e que fazem parte de um partido de direita na Alesp não se sobressaíram nenhuma vez. Mas não podem ser desconsiderados dentro da política. 

Araújo destaca que nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores de quase todas as capitais, vem crescendo a presença de negros. 

“Percebe-se que os partidos políticos, principalmente os de esquerda, sejam mais sensíveis e efetivos em relação à participação dos negros nas instâncias de poder”, adiciona o cientista político, que também avalia a atuação de negros de direita dentro da política. 

“Vejo isso como uma dicotomia natural da política. Se observarmos a história do Quilombo dos Palmares, alguns historiadores dizem que existiam contrariedades na forma de atuar entre Zumbi dos Palmares [visto como um revolucionário com ideias de esquerda] a Ganga Zumba [considerado um traidor por fazer um acordo com a corte portuguesa]”, exemplifica. 

Além disso, dentro da Frente Negra Brasileira, a mais importante entidade do movimento negro brasileiro na primeira metade do século 20 também havia os monarquistas versus os republicanos. “É do sistema político e é de fórum íntimo essa escolha”, completa Araújo. 

O historiador e professor da PUC-SP Amailton Magno Azevedo contribui dizendo que os pretos são muito diversos, política e ideologicamente, podendo se falar de pretos de direita e conservadores alocados em partidos de igual tendência ideológica. 

Em sua análise, com pretos de direita eleitos, poucos avanços se fará no plano social, pois são conservadores e fomentam a ideologia meritocrática para as conquistas pessoais e a ascensão socioeconômica. Por outro lado, afirma, os pretos de esquerda eleitos atuam considerando haver uma dívida histórica com o próprio povo, devido à herança da escravidão e do racismo que barram a plena cidadania deste grupo. 

Por isso, para ele é notável a atuação que os pretos progressistas têm para a existência de políticas públicas que busquem superar o passado escravocrata. 

Mesmo que a falta de representatividade signifique que as pautas que interessam a essa população não sejam defendidas ou sequer apresentadas, nem sempre é uma regra, pois nem todos são progressistas, defendem. 

Demandas da população e a atuação a partir de 2023 

Simone e Leci defendem ser preciso superar a pobreza, a fome, ter emprego, educação, assistência à saúde e a cidadania plena para todos e todas. Ana Laura também, mas avalia que as demandas são muitas e diversas, pois a população negra de São Paulo tem particularidades plurais. 

A codeputada da Bancada Feminista afirma que para próximo ano buscarão a superação da crise de vida hoje, somada ao resultado do ex-governador de São Paulo João Doria e do atual presidente Jair Bolsonaro nos últimos anos, pois para ela, o povo precisa com urgência de trabalho e renda para zerar a fome, moradia, porque subiu muito o número de pessoas sem teto no estado e educação, pois a evasão escolar aumentou especialmente entre os mais pobres e negros na pandemia. 

“É necessário criar oportunidades e combater a letalidade policial, com outro modelo de segurança pública sendo essencial”, pontua Simone. 

De acordo com os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (Polos-UFMG) apenas na cidade de São Paulo, são 42.240 pessoas vivendo nas ruas. 

Outra pesquisa divulgada pelo Datafolha em janeiro deste ano, mostrou que 4 milhões de estudantes abandonaram a escola durante a pandemia. As principais causas foram a dificuldade do acesso remoto às aulas e problemas financeiros. Os alunos que lideraram a taxa de evasão escolar pertenciam às classes D e E.

Para Ana Laura, a população preta tem diversos tipos de demandas, sejam as mais objetivas como a segurança pública, ou as mais subjetivas, que envolvam a identidade, por meio do resgate histórico ou até mesmo o combate ao racismo religioso. 

“Visaremos unir as pautas do Movimento Pretas com o da população, mas é preciso reconhecer que as pautas e as demandas do movimento negro são demandas de reparação históricas, e não demandas únicas de toda a população negra, pois a população negra é uma camada diversa” conta. 

Araújo avalia que os parlamentares negros (pretos e pardos) terão muito trabalho para fazer valer suas pautas, principalmente as de ordem racial. E que, provavelmente, irão compor com os deputados brancos de esquerda. Mesmo assim, ainda terão dificuldades por serem a minoria num ambiente masculino, branco e com um conservadorismo forte, enfatizando também a importância do apoio dos movimentos sociais e da sociedade civil aos parlamentares negros. 

“A pressão da sociedade e sua presença nas galerias da Assembleia será vital para o sucesso dos mandatos”, conclui. 

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