Adultos enfrentam desafios profissionais na crise dos 30 anos

1 em cada 3 profissionais com menos de 40 anos vive o desejo de reinventar a trajetória profissional
por
Vinícius Villas Boas, Ivan Marino
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23/11/2023

Com a notícia da gravidez, Adriana Borges viu-se envolvida por uma nova camada de preocupações na própria vida. Com quase uma década dedicada à advocacia em um escritório em Mato Grosso, a mudança para São Paulo e a continuação da carreira não traziam mais a felicidade desejada. Conforme a maternidade se aproximava, as incertezas sobre o rumo que deveria seguir também se intensificaram.

Durante esse processo, o medo que a assombrava deu lugar à coragem, impulsionando a ex-advogada a explorar o lado artístico e buscar uma nova trajetória profissional. Aos 35 anos, matriculou-se em um curso de cerâmica com o objetivo de desvendar a vocação que a acompanhou ao longo da vida. Com o apoio do marido, dedicou-se completamente a esse novo objetivo.
 
“Eu já havia participado de peças teatrais na infância e trabalhado na produção de eventos, mas foi ao esculpir minha primeira obra que descobri verdadeiramente o meu dom”, relatou a artista.


“Shiva”, primeira escultura feita por Adri Lang. (FOTO: Reprodução)

Essa busca por reinvenção não é um fenômeno isolado da Adriana. Segundo uma pesquisa da Post-Schar School, dos Estados Unidos, um em cada três profissionais com menos de 40 anos já cogitou mudar de profissão ou campo de atuação. Esse índice teve um aumento significativo desde o início da pandemia, indicando que o cenário de incertezas global impactou as perspectivas de carreira, mesmo para aqueles que não enfrentaram diretamente o coronavírus.

Para muitos, inclusive, a pandemia não apenas alterou as reflexões, mas também desencadeou uma análise profunda sobre o que verdadeiramente importa na vida e na carreira. A crise global proporcionou uma nova clareza, destacando a brevidade da existência e instigando a busca por mudanças que há muito tempo estavam presas dentro do indivíduo.

No caso de Adri Lang, como agora é conhecida atualmente a ceramista, a mudança aconteceu antes mesmo da pandemia. Com o apoio do marido, ela trocou a estabilidade da advocacia por uma vida dedicada à arte. Hoje, após duas décadas depois da decisão, Adriana não apenas transformou-se em uma nova profissional, como também voltou a contribuir com as finanças familiares após a abertura do próprio ateliê no Embu das Artes, local especializado em segmentos como este em São Paulo.

"Minha mudança começou lá atrás, antes dessa confusão toda da pandemia. Eu só queria ser feliz no meu trabalho, sem ficar lidando com processos civis. Quando a Gabriela estava para nascer, sentei com meu marido e conversamos sobre isso. Ele me apoiou desde o início e disse para me jogar de cabeça. Hoje, após 20 anos, minha vida mudou completamente. Possuo outro espírito, tanto mentalmente quanto profissionalmente. Agora posso ajudar nas finanças sendo feliz no que faço ", destaca a artista.

Embora você já possa ter se deparado com histórias semelhantes, a mudança de carreira após os 30 anos - cada vez mais comum - continua a ser um desafio. Nessa fase, muitos já percorreram uma parte considerável da jornada profissional, construíram uma família e vivem da dualidade de não serem tão jovens como antes, mas também não terem encontrado felicidade naquilo que exercem. A complexidade desse processo reside na necessidade de abrir mão de conquistas já alcançadas, embarcar no recomeço em um novo setor e lidar com as incertezas financeiras que essa transição muitas vezes acarreta.

Antes de dar o primeiro passo rumo a uma nova carreira, é crucial uma autoavaliação honesta. Identificar habilidades, interesses e valores pessoais proporciona uma base sólida para a escolha de uma nova profissão. É como se a decisão de mudança representasse não só uma simples troca de empregos, mas sim uma jornada de autodescoberta onde o indivíduo se reconecta consigo mesmo.

"Mudar de carreira é uma jornada mais difícil do que se imagina. Embora contar essa história hoje pareça motivo de orgulho, na época enfrentei desafios significativos, tanto a nível individual quanto familiar. Meu marido estava firme no emprego, o que proporcionou suporte inicial, mas, eventualmente, ele enfrentou um burnout e deixou a empresa. Então a pressão de alcançar grandes feitos aumentava constantemente dentro de mim. No entanto, nossa união foi fundamental para nos reerguermos juntos. A lição que fica é que as pessoas não devem se render ao medo; é preciso coragem para perseguir aquilo que desejam. Porém, a dica é calcular antes de agir, evitando decisões impulsivas. Talvez esse seja o meu conselho”, pontua a ceramista.

Enquanto alguns buscam uma carreira mais relevante ou com salário mais generoso, outros, como Adri Lang, aspiram a uma mudança para um lugar que proporcione um estilo de vida diferente. Desde o início da pandemia, 28% dos adultos revelaram ter contemplado seriamente a ideia de se mudar para outra localidade, conforme pesquisas, sendo que 17% já efetivaram essa mudança, seja de forma temporária ou permanente.

Com a pandemia da Covid-19, uma crescente inquietação profissional e o desejo por mudanças de carreira parecem ter se disseminado pelo Brasil e ao redor do globo. De acordo com a pesquisa IBM, pelo menos um em cada dez brasileiros optou por deixar voluntariamente o emprego no ano passado.

A análise ainda revelou que 31% dos brasileiros entrevistados planejam efetuar mudanças em suas carreiras ao longo de 2021. As razões para tal decisão são variadas, com destaque para a busca por aumento salarial ou promoção (33%), a procura por mais benefícios e suporte ao bem-estar (29%), e a vontade de alterar completamente de profissão (27%).

Além disso, dois outros motivos apontados pelos brasileiros que planejam pedir demissão este ano incluem a busca por um trabalho mais alinhado com propósito e significado (25%) e o enfrentamento do esgotamento profissional (23%).

Os requerimentos para a abertura de novas empresas também tiveram um aumento expressivo em 2020 e 2021, conforme revelam dados do censo, por pessoas que foram demitidas ou querem mudar de vida. Em maio, a taxa de empregados pedindo demissão atingiu seu patamar mais elevado, segundo registros do Departamento do Trabalho, indicando que os trabalhadores estão reavaliando suas trajetórias profissionais e demonstram confiança na possibilidade de encontrar algo mais alinhado com seus objetivos. Especificamente, no setor de varejo, observa-se uma expressiva onda de demissões ao longo deste ano, culminando em um aumento recorde no número de pessoas deixando esse setor.

Recrutadores relatam que a demanda mais frequente entre os profissionais é por maior flexibilidade. Observa-se também uma hesitação significativa por parte dos trabalhadores em retornar às atividades, especialmente em setores como varejo, restauração e manufatura, onde os horários fixos e a necessidade de presença física, muitas vezes em horários atípicos, são características predominantes.

Por isso, ao considerar mudar de carreira em busca de propósito, a decisão final depende dos benefícios oferecidos na nova jornada. Embora um salário maior nem sempre seja garantido, a escolha deve ser guiada pela conquista de uma melhor qualidade de vida, mais tempo com a família, ou uma condição mais saudável. Além disso, é importante aceitar que, junto aos ganhos, haverá perdas, e a sensação de "tempo perdido" na profissão anterior é natural, mas requer equilíbrio na análise desses sentimentos.

"A coragem precisa ser orientada pela razão. Eu desejo que todos alcancem seus sonhos, encontrem felicidade no trabalho e cheguem no sucesso profissional. No entanto, é crucial pensar com cuidado, ter certeza do que quer, alinhar com a família e dedicar-se ao máximo. Além de mim, meu marido também serve de exemplo para nossos filhos. Após sair da empresa devido ao burnout, ele criou a própria de móveis e, embora ganhe menos, é mais feliz no que faz. Tenho certeza que todos conseguem mudar, não importa a idade”, conclui Adri Lang.

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Economia e Negócios

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